“É o terceiro grande baque que a ordem neoliberal sofre no século 21” e veio para demonstrar que, numa situação de emergência, “há necessidade da mão visível do Estado”. É o que adverte o economista Paulo Nogueira Batista, ex-diretor pelo Brasil no Fundo Monetário Internacional (FMI), ao participar de teleconferência nesta segunda-feira (27).
“Aqueles países que embarcaram na onda do Estado Mínimo são os que se encontram, provavelmente, na pior condição para fazer face ao desafio, impossível de ser enfrentado apenas com a ação do mercado”, compara o economista, palestrante do debate virtual promovido pela bancada do PT na Assembleia Legislativa/RS.
“Ortodoxia de galinheiro”
“Na crise, todos são keynesianos”, ironiza ao avaliar o quadro atual, citando o economista inglês John Maynard Keynes que, nos anos 1930, defendeu a forte intervenção estatal na economia, contrariando a doutrina liberal. É o que está acontecendo com os economistas neoliberais no mundo e também no Brasil onde, segundo ele, vigora algo “mais tosco”, que chama de “ortodoxia de galinheiro”, muito “primário e mal formulado”. Uma retórica que, até poucas semanas atrás, prevalecia sem contestação e debate. É o que faz a mudança brusca de discurso soar ainda “mais grosseira”.
No plano internacional, ele percebe um declínio relativo das grandes potências ocidentais e uma ascensão também relativa do leste asiático, com destaque para a China. Sua impressão é de um recuo dos EUA, a potência declinante, e um avanço chinês. Também ex-vice-presidente do Banco dos BRICs, quando morou dois anos em Xangai, Nogueira Batista registra que a China está respondendo melhor à covid-19 do que os EUA, a Itália, a Espanha... E argumenta: “é um país que tem problemas, mas que tem disciplina, planejamento, plano de contingência – já havia enfrentado uma pandemia antes”.
Queda em espiral
No Brasil, acentua que, desde fevereiro deste ano, antes da pandemia, as previsões já apontavam, no máximo, para “um vôo de galinha” da economia nacional. “Não é verdade que a economia estava decolando como diz Paulo Guedes. Estava combalida”, considera, avisando que o desemprego aberto, hoje de 10%, subirá aos 14%. Assim, o governo deve fazer o dinheiro chegar aos mais pobres que irão gastá-lo e ajudar o restante da economia. Também defendeu que a Renda Básica distribuída durante a epidemia torne-se permanente.
“Hoje vivemos um quadro de queda em espiral da demanda. Da demanda de investimento, de consumo, de crédito e um aumento acentuado da preferência por liquidez”, analisa. “Nessa situação cabe ao governo federal dar os recursos, já que os estados não têm condições. E o governo federal terá também que ajudar os próprios estados.”
Desglobalização
Em 2018, Nogueira Batista já previra que, com a eleição de Jair Bolsonaro, o país corria um risco mortal. “Se isso já era verdade antes - enfatiza - agora está muito mais claro: corre risco de desagregação social, política, econômica porque o governo é totalmente incapaz de fazer face à crise e está mostrando isso a cada dia que passa.”
O cenário mundial de pós-pandemia que ele divisa é de protecionismo e proteção das empresas nacionais, essenciais na crise. E de desglobalização, como foi demonstrado pelo coronavírus e as reações de muitos países diante da ameaça, não dá para confiar plenamente na globalização em situações emergenciais. “O egoísmo prevalece mais do que nunca”, descreve.
Edição: Katia Marko