A distante cidade do Rio Grande, conhecida pelo porto, Praia do Cassino e do extinto Pólo Naval, guarda em sua gênese o surgimento dos primeiros cartunistas do Rio Grande do Sul, na segunda metade do século XIX, destacava-se Tadeo Amorim e seu jornal "O Bisturi".
Os jornais de resistência vão mudando de nome e formato conforme a época em que precisam nascer. Ainda no tempo do Império os jornais caricatos faziam sucesso de forma clandestina em todo o país. Depois vieram os pasquins, que deram o nome ao principal jornal de embate à ditadura militar. Entre os anos de 1980 e 2020 a moda entre os artistas gráficos vem sendo o fanzine. Antes reproduzidos em máquinas de xerox, passando pelas impressoras caseiras, gráficas e agora, na era digital, distribuídos em PDF via Whatsapp.
Segundo o cartunista Wagner Passos, editor do Fanzinezão, o jornal surgiu da necessidade debatida há muitos anos pelos cartunistas da GRAFAR - Grafistas Associados do Rio Grande do Sul, de buscar alternativas de mercado, já que os grandes jornais, com a desculpa de diminuir custos, acabaram com os espaços das charges, cartuns e tirinhas.
"Na verdade, o que os jornais querem é evitar o embate com as elites que os patrocinam e são de direita. A charge é uma paulada, uma mensagem muito forte e muito sintética que coloca uma opinião crítica bem no coração do cérebro de qualquer um que conhece o mínimo de códigos de comunicação, inclusive não alfabetizados, e isso é muito ruim para o mercado, para a política, para o sistema, que dependem da alienação e do comportamento condicionado das pessoas", afirma Passos.
O nome Fanzinezão surgiu ao acaso, de um debate pelo Whatsapp com o cartunista Eugênio Neves e o professor Carlos RS Machado, articuladores do jornal. Passos vinha fazendo o fanzine "A Quarentena" e distribuindo em PDF, e numa conversa no grupo da GRAFAR o nome apareceu sem querer: "Queríamos fazer uma publicação grande, bem feita, de abrangência nacional, assim como o Jaguar, Tarso de Castro, Sérgio Cabral, Ziraldo fizeram com o Pasquim, mas que não perdesse a liberdade, a irreverência e a transgressão de um fanzine e pudesse ser feito sem patrocínio, já que a gente tem grandes dificuldades que a própria esquerda veja a potência do cartum. Queríamos fazer um fanzine grande, um fanzinezão (?!?). O nome apareceu pronto no meio de uma conversa, como aconteceu também com O Pasquim."
Assim a primeira edição, foi experimental, lançada no dia 04 de abril com 17 páginas. Um teste de como se comportaria a difusão da publicação. O retorno foi imediato. Pessoas recebendo o jornal em todo o Brasil, Portugal e Uruguai.
"Trabalhei de 2002 a 2005 como chargista diário no Jornal Agora, de Rio Grande, que depois de 44 anos encerrou suas atividades há poucos dias. Muitos jornalistas dizem que o jornal impresso acabou, pois as redes sociais roubaram a atenção dos leitores e dos patrocinadores. Com certeza, se for pensar nesse formato conservador, arcaico, duro, imparcial e empresarial de jornalismo de cima de muro que não cabe mais. Há um erro estratégico de quem pensa os jornais. O jornal impresso é bancado por patrocinadores, a venda e assinaturas é um retorno mínimo, em termos de faturamento e totalmente desnecessário”, avalia Passos.
Segundo ele, o jornal precisa garantir para o patrocinador a distribuição, ou seja, chegar no maior número de pessoas possíveis. E não adianta migrar para sites e cair no mesmo erro, obrigando o leitor a pagar para ter acesso às notícias. O leitor não tem que pagar nada! “Para os jornais comerciais que recebem dinheiro de empresas como patrocínio, o leitor não é o cliente, o leitor é o produto. Os jornais eram para ser distribuídos de graça nas paradas de ônibus, levar para as pessoas arte, verdade e menos sangue. Este é um sonho que pode acontecer quando os sindicatos de todas as classes de trabalhadores se unirem, unirem suas redações, deixando de fazer jornais esteticamente nada agradáveis e que ninguém lê. É preciso que os sindicatos voltem a conversar com as suas bases, com o povo, que acabou abandonado e, consequentemente, sendo cooptado pela extrema-direita via igrejas neopentecostais, ostentação da estética burguesa pelas redes sociais e robôs de Whatsapp", argumenta Wagner Passos.
Como não era possível abrir uma igreja de cartunistas, já que a grande maioria é ateu, e não haviam disponíveis os robôs utilizados por Jair Bolsonaro, a estratégia tem sido trabalhar o engajamento da coletividade de forma orgânica, natural, pela causa mesmo, ou seja, se uma pessoa curte o Fanzinezão e compartilha com mais 50 pessoas, e se dessas 50, cada uma compartilha com outras 50, na terceira rodada o Fanzinezão pode alcançar mais de 100 mil pessoas em poucas horas. Não há dispositivo para conferir estes números, mas é possível que existam, ou até maiores, em um momento onde a cultura digital e o compartilhamento livre, via Whatsapp, acontece da mesma forma como eram os e-mails no início dos anos 2000, quando não haviam filtros, circulavam de forma democrática e todo mundo queria acessar o seu.
Assim o Fanzinezão, um protesto cheio de humor, poesia e política, chega não na casa, mas na palma da mão de milhares de pessoas, com um conteúdo pensado para ser simples, agradável e com letras grandes que permite ser lido no celular por qualquer pessoa, inclusive por quem tem dificuldades visuais.
A segunda edição do Fanzinezão reúne em 95 páginas o trabalho de 39 artistas, entre cartunistas, poetas, comentaristas de Facebook e cientistas políticos. Nomes já consagrados como Alexandre Beck do personagem "Armandinho", Edgar Vasques, Bier, Alisson Affonso, Edu Oliveira, Kayser, Rafael Corrêa, Óscar Fuchs, Baptistão, Schröder, Santiago, entre outros participam deste número.
Além da GRAFAR - Grafistas Associados do Rio Grande do Sul, integram o grande coletivo de produção do Fanzinezão o coletivo de publicação independente Usina das Artes, a International Cartoonist League e o Observatório dos Conflitos Urbanos e Socioambientais do Extremo Sul do Brasil e Este del Uruguay.
O Fanzinezão pode ser assinado gratuitamente acessando os links dos grupos de Whatsapp e Telegram disponíveis no site http://fanzinezao.blogspot.com
Artistas, poetas, fotógrafos, cronistas, cartunistas de todo o Brasil e do mundo estão convidados a colaborarem no Fanzinezão, basta enviar um e-mail para [email protected].
O Brasil de Fato convida todos a conhecerem esta publicação.
Baixe a segunda edição do Fanzinezão relançada com o encarte "Moro x Bozo" aqui.
Edição: Katia Marko