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Moro, Bolsonaro e as duas pontas da tragédia tropical

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Dois líderes formadores de “opinião” pública desalinham seus caminhos, rompem o pacto que dava sustentação ideológica para a sandice do gado bolsonarista, o moralismo hipócrita - Reprodução
Vai ser bom ver as parcelas à direita se dilacerarem, em especial a 'nova' extrema-direita

Introdução: Nelson Rodrigues e Barreto Pinto no Brasil bananeiro

Sexta-feira, 24 de abril de 2020, o espetáculo dantesco, a versão do século XXI de crônicas políticas nunca escritas pelo genial Nelson Rodrigues se desenrola diante das câmeras e aparelhos eletrônicos de todo o país. Os dois ícones que se abatem sobre o Brasil desde o início da falência múltipla da Nova República se separam. Por um lado, Sergio Fernando Moro, típico concurseiro carreirista, que se serve do aparelho de Estado para a promoção pessoal, se afasta. Posando de bom moço, confessou apenas uma suposição de crime: pediu pensão para caso sua esposa ficasse viúva com ele à frente do Ministério da Justiça da extrema-direita. Do outro lado da Esplanada, esquentando os motores com um discurso de três infindáveis páginas (das quais ele só se dignou a ler depois de mandar em cana a sogra e a família da esposa, se orgulhar do “filho garanhão do condomínio” e misógino asqueroso, dentre tantas pérolas), Jair Messias Bolsonaro fala de improviso na linguagem da sofrência do sertanojo que despreza o caipira.

As duas pontas da tragédia tropical. Dois líderes formadores de “opinião” pública desalinham seus caminhos (através de descaminhos), rompem o pacto que dava sustentação ideológica para a sandice do gado bolsonarista, o moralismo hipócrita (aquela moral de cueca tipo Barreto Pinto em sua intimidade de 1946). No caso, o deputado fluminense petebista não sabia, ou não se deu conta, que David Nasser era mau, mau mesmo, manipulador midiático mau-caráter, que traz as raízes da canalhada que se alia a Sergio Fernando Moro para retirar a ex-esquerda do poder político legítimo. A Lava Jato não se serviu de vazamentos, ela só existiu graças aos vazamentos e as fake news difundidas pela metástase dos “meninos do Brasil”, a laia calhorda que foi fazer os cursinhos de lavagem cerebral na Atlas Network, financiados pelo dinheiro imundo dos Irmãos Koch (Charles Koch Foundation), e cuja a versão abrasileirada deu no MBL, no tal do “Vem Prá Rua” e nos movimentos assemelhados.

Correndo em paralelo, a versão mais explícita da alt-right brasileira, e aí localizamos duas origens. Uma, a mais “autóctone”, com o imbecil Olavo de Carvalho e os escroques que o difundem. Parece que a propaganda olavista tem mais profundidade do que a imaginada, bem maior no senso comum, na idealização difusa de sociedade correta que circula no país. Também temos a relação mais recente entre o clã Bolsonaro e Steve Bannon, correia de transmissão e agendamento bastante precisa. A dimensão dessa cloaca de esgoto ideológico pode ser observada no guarda-chuva do CPAC, e os laços são maiores do que se imagina. Enquanto o clã se organiza nessa dinâmica pressão de fora para dentro, minando a hierarquia do aparelho de Estado com sua chuva de propaganda insana, Moro e seus apoiadores trabalham por dentro, nas relações mais imbricadas, na Cooperação Jurídica Internacional, nos cursos de formação e intercâmbio, na porosidade das carreiras jurídicas, correcionais e policiais, como uma frente expandida da defesa interna pela ótica da milicada entreguista.

O problema é maior do que imaginamos, mas ao menos as duas pontas da extrema-direita estão rompidas. Moro hoje é pré-candidato em 2022, mas será que ele resiste aos militares que ainda são co-governo com Bolsonaro? A milicada abandonou a ex-presidenta Dilma no meio do caminho. E se somou na aventura do zapzap valendo até a pressão do Eduardo Villas Bôas contra o Supremo. Até quando segue essa aventura, com ou sem Jair Messias, contra ou ignorando a “traição” de Sergio Fernando? Vale o debate, pedindo atenção nos subtítulos a seguir.

A estupidez é do tamanho da ignorância: Moro “traiu” pelo Whatsapp

Sem ironia. São mais de 100 militares no Palácio do Planalto e não usam um mísero protocolo de comunicação segura. Como é possível que o presidente da república se comunique através de redes sociais controladas pela NSA e se comunique frequentemente com ministros de Estado? Não é paranoia, não. E Sergio Fernando Moro já cometeu crime de quebra de comunicação sigilosa quando grampeou ministros de Estado e a ex-presidenta Dilma Rousseff por tabela. Em qualquer legislação consequente, Moro teria sido preso, ainda em 2016, antes da consecução do golpe com apelido de impeachment. E, se fosse esse bastião da moralidade (que jamais foi), o ex-juiz federal não conduziria as investigações cometendo interferência no processo, orientação ao Ministério Público Federal e, menos ainda, permitiria o congelamento dos contratos do Complexo de Óleo e Gás e Engenharia Pesada junto à Petrobras. Sinceramente, os executivos destas transnacionais, brasileiras ou não, poderiam ser presos em perpétua que pouco importaria. Mas não preservar os contratos e os empregos diretos, isso sim foi crime de lesa-pátria. Agora, a Globo tenta salvar a UDN, contrapondo-a aos protofascistas alucinados que mugem sob a orientação do Gabinete do Ódio, de Carlos Bolsonaro.

Vamos retomar o óbvio. Toda comunicação entre o presidente da república, autoridades do primeiro escalão (como ministros de Estado) e funcionários de carreira da área policial (como diretoria da PF e superintendentes), jurídica (magistrados de varas superiores) e defesa (como comandantes de unidades de pronta resposta e membros do alto comando das três armas), deveria ser monitorada por uma agência responsável pela inteligência e segurança de Estado, enquanto o presidente (ou presidenta), deveria ser vigiado por uma agência de contrainteligência ativa. Qualquer pessoa sensata ao ler esta longa frase acima, pode afirmar. “Mas isso parece texto de manual”. E é. Logo, todo o procedimento do dia a dia dos governos do Brasil é vazado, dotado de pouca ou nenhuma capacidade de defesa no nível mais sensível, e o acionar dos profissionais ou é imensamente prejudicado, ou simplesmente tem como atividade-fim atingir as metas paroquiais de mesquinharias de promoções, transferências e outras banalidades. Se nada fazem e sabem, porque não instauram protocolos de procedimentos padronizados e denunciam judicialmente as autoridades que descumprirem esses protocolos?

Entre março de 1999 e abril de 2004, o genial Bob Fernandes publicou na revista Carta Capital uma coleção de excelentes reportagens, demonstrando toda a movimentação de agências estadunidenses no Brasil. Pelas evidências, estas provas deveriam ser tolhidas pela Justiça brasileira, monitoradas pelas agências brasileiras e serem objeto de preocupação pelas autoridades constituídas. Nada foi feito por FHC, Lula, Dilma e pelo visto, menos ainda por Bolsonaro. Por incrível que pareça, o presidente menos exposto foi o golpista MT, alias Michel Temer nas entrelinhas da garagem do Palácio do Jaburu. Temer chegou ao poder graças ao golpe de Estado que Sergio Fernando Moro ajudou a executar. Foi pilar fundamental e articulou o moralismo de cueca com trilho, típica das UDNs que chafurda país adentro. Entrou, saiu, caiu atirando e agora parte para o esquecimento eterno. Soube se proteger, dentro e fora do Congresso. Ah, mas e o país? Ora, que país, se para essa laia esse território é simplesmente uma colônia de exploração e a meta das lacraias é passear em Miami.

PAC do Bozo e o especulador preferido do mercado financeiro

O buraco é bem embaixo, porque pode ser que a “saída” de Bolsonaro seja avançar na concessão de espaços para a ala militar de pijama, e com isso saia algum “PAC do Bozo” ou algo assim. Se o Pró-Brasil for a ponta do iceberg, pode vir a assustar o capital especulativo de vez, porque quem vai acabar saindo é o Paulo Guedes e sua trupe de especuladores. Qual o problema disso? É queimar a medida, de vez, abrindo novos caminhos para uma aliança midiático-oligárquica-empresarial e, assim, manter os preceitos do austericídio (talvez “limpinho e cheiroso”, mas o mesmo modelo). Diante da saída de Moro do “desgoverno” e, possivelmente, de Paulo Guedes e a turma da especulação financeira, quem vai sobrar? Bolsonaro, ministros olavistas e assemelhados e a milicada tentando intervir e ao menos levar o barco até o final do mandato. Isso se o Moro deixar.

Moro, o mais perigoso: vai ficar mais fraco e enfraquecer o bolsonarismo

Moro fez e seguiu fazendo. Acumulou as conversas privadas com o presidente e autoridades, logo, se municia do necessário para seguir adiante, pensando nos próximos passos e rachando a base da extrema direita brasileira. A geração de “Nutellas concurseiros” viu a montanha da Lava Jato parir não apenas um, mas alguns ratos. O líder deles saiu na forma de um camundongo, contaminado pelo “coronga do Coiso”, esperando talvez vir a ser acolhido pelos gringos a quem serviu tão bem. Ou, quem sabe, ficar em evidência controlada, se apresentando como opção permanente para os oligarcas de sempre, financiando os agiotas financeiros com pessoas jurídicas e espaços grandiosos nas editorias de “economia”. Ou alguém imagina que o projeto econômico de Moro, se é que ele tem um (a não ser desindustrializar o Brasil sob a orientação dos EUA), seja diferente do neoliberalismo “limpinho e cheiroso” que tucanos e demos estão armando para o período pós-Bolsonaro?

Menos mal que Sergio Fernando, o Robin de Nutella que já se imaginou o Batman de Maringá, também sai enfraquecido, com alguns flancos abertos, como o tema das APAEs do Paraná, as denúncias de Rodrigo Tacla Durán e as manobras processuais devidamente documentadas nas matérias da Vaza Jato. Se Moro não tiver acumulado dotes de J. Edgar Hoover no período em que ficou à frente do Ministério da Justiça do ex-capitão (que foi em atos públicos apoiar o fechamento do Supremo e do Congresso), será fritado sem dó pelos políticos de carreira defenestrados pela turma dos “filhos de Januário”. Vai ser bom ver as parcelas à direita se dilacerarem, em especial a “nova” extrema-direita. Na briga entre lavajateiros e gado bolsonarista, eu torço por mais briga.

Edição: Marcelo Ferreira