Rio Grande do Sul

Demissões

Em nota, CMS se manifesta sobre demissão de trabalhadores Saúde em Porto Alegre

Para o Conselho Municipal de Saúde (CMS) de Porto Alegre, pandemia comprova a necessidade da defesa do SUS 

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Protesto realizados por trabalhadores e trabalhadores do IMESF em frente à prefeitura de Porto Alegre - Giulia Cassol/Sul21

Em meio à pandemia do coronavírus, a extinção do Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (IMESF) e, consequentemente, a demissão de cerca de 1.800 trabalhadores do setor de Saúde, segue tramitando na justiça. Conforme anúncio proferido pela gestão municipal, no dia 14 de abril, em audiência de mediação com os sindicatos da categoria, a intenção segue confirmada e deve ser realizada em três etapas, iniciando em abril e finalizando em maio. Para o CMS, é estarrecedor que o gestor municipal possa dissociar os efeitos e impactos diretos dessa decisão na rede de atenção à Saúde nesse momento.

De acordo com a entidade, o município já vivenciava uma situação caótica no campo da Saúde, com uma cobertura insuficiente de Saúde da Família de 52%, segundo dados do Ministério da Saúde. Conforme aponta o conselho, os indicadores de saúde de Porto Alegre demonstram que a opção adotada pela gestão municipal não tem priorizado o investimento na Atenção Primária.

Segundo destaca a nota, esses investimentos poderiam aumentar o número de Unidades de Saúde (US) para atender às necessidades crescentes no setor, além de priorizar a organização dos componentes da rede de atenção à Saúde de forma abrangente, capilarizada e equânime. “O slogan adotado pela gestão de “Mais Saúde menos Estado” revelou uma gestão que desconhece o SUS e que afronta a Constituição (1988) na garantia da Saúde como direito de todos e dever do Estado – com equidade, descentralização, hierarquização e participação através das instâncias do controle social”, ilustra o texto.

Veja abaixo a nota completa da entidade 

O Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre/RS, órgão permanente e deliberativo do Sistema Único de Saúde (SUS), vem a público manifestar-se sobre o anúncio da gestão municipal, feito no dia 14 de abril, em audiência de mediação com os sindicatos da categoria, em relação à extinção do Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (IMESF) e sua intenção de demitir os trabalhadores em três etapas, iniciando em abril e finalizando em maio. Anúncio feito mesmo em meio a maior crise sanitária mundial dos últimos 100 anos, causado pela Pandemia do Coronavírus (Covid-19). É estarrecedor que o gestor municipal possa dissociar os efeitos e impactos diretos dessa decisão na rede de atenção à Saúde nesse momento.

Importante retomar a análise retrospectiva do CMS/POA sobre o tema. Desde a década de 1990, este colegiado vem lutando contra a terceirização da SF na capital. Em 2007, houve a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público Estadual (MPE) e Ministério Público do Trabalho (MPT), que recomendava ao município abster-se de contratar profissionais para Atenção Básica sem seleção pública e enviar à Câmara Municipal projeto de lei prevendo a admissão de profissionais necessários à rede. Em 2008, o CMS aprovou a resolução nº 37 que definiu a ESF como modelo a ser implementado em toda a Rede de Atenção Primária. No mesmo ano, o colegiado analisou a prestação de contas do Instituto Sollus, que gerenciava a ESF na cidade à época, demonstrando, em relatórios aos órgãos de controle, práticas ilícitas comprovadas em investigações posteriores. Em 2010, o Prefeito recebeu uma notificação recomendatória para se abster de admitir servidores por regime diverso do estatutário, previsto na lei orgânica do município. Ainda, em 2010, a PMPA apresentou uma proposta da criação do IMESF como única saída, desconsiderando os riscos e ilegalidades apontados pelas entidades e a reprovação do CMS/POA.

Em setembro de 2019, o governo municipal anunciou o repasse de 90 unidades de saúde (US) às organizações da sociedade civil (OS), correspondendo às 77 Unidades de Saúde (US) sob responsabilidade direta do IMESF e mais de 20 US vinculadas diretamente à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e gerenciadas por servidores estatutários. Desde então, o CMS/POA e diversas entidades de saúde têm realizado amplo debate e travado uma luta em defesa dos serviços públicos, defendendo que a rede atenção primária, por se caracterizar como serviço essencial, deve estar sob gestão direta da SMS. Foram realizadas audiências públicas, plenárias, debate com universidades e entidades, emitidasrecomendações dos órgãos de controle do Estado à Prefeitura de Porto Alegre (PMPA), além de grande mobilização das comunidades em seus territórios, todas no sentido de reafirmar a relevância pública do trabalho, do vínculo e da referência para a comunidade atendida, desenvolvida na rede de Atenção Primária.

O conselho tem se posicionado através de recomendações ao gestor, e cobrado a necessidade de apresentar uma resposta definitiva para a resolução da situação. Em setembro de 2019, foi encaminhada ao Prefeito Nelson Marchezan Jr uma recomendação que orientava para a absorção, pela Prefeitura, dos profissionais vinculados ao IMESF. Este documento sequer foi respondido pela atual gestão, que insiste em desconsiderar o controle social. Essa recomendação baseou-se na necessidade de estabelecer quadro efetivo e qualificado para a Atenção Primária, com remuneração e demais condições de trabalho que permitam fixar as equipes de saúde da família nas comunidades e em seus territórios.

Após plenária sobre complementaridade no SUS, em outubro de 2019, o colegiado rejeitou, por unanimidade, quaisquer contratos emergenciais com organizações sociais que visassem substituir o serviço prestado pelo IMESF. Nesse sentido, encaminhou o pedido ao MPE de execução da TAC sobre a situação da Atenção Primária. A deliberação foi encaminhada aos gestores e levou em consideração que as ações em saúde desenvolvidas na atenção básica têm caráter de relevância pública e são essenciais à vida das pessoas que mais necessitam – sustentada no decreto 7508 de 2011, que regulamenta a Lei 8080 de 1990, que define a Atenção Básica, Assistência Psicossocial, Urgências e Emergências e Vigilância em Saúde como serviços imprescindíveis e, portanto, como essenciais não podem ser prestados de forma indireta, mediante a participação complementar da iniciativa privada.

Em nota pública de dezembro de 2019, o CMS manifestou seu repúdio ao anúncio da PMPA de terceirização de quase 100 unidades de saúde, representando mais de 60% da Atenção Primária à Saúde da cidade, para a iniciativa privada por meio de um termo de colaboração com a Irmandade Santa Casa, Divina Providência, Instituto de Cardiologia e Associação Hospitalar Vila Nova (AHVN). Na nota, foi emitido alerta para o empresariamento irrestrito da assistência e de um direito humano garantido constitucionalmente. “É inadmissível que uma Secretaria de Saúde que se utiliza do discurso das “evidências científicas” apresente propostas desconsiderando evidências, já amplamente divulgadas no âmbito nacional e internacional, sobre o SUS e sobre a Saúde da Família, desconsiderando os principais atores do campo da saúde pública”.

A pandemia do Covid-19 comprova a necessidade da defesa intransigente do SUS como política de Estado. A rede de Atenção Primária tem um papel fundamental no enfrentamento à pandemia, atendendo cerca de 80% da demanda total dos casos, a vacinação, além da continuidade do atendimento aos principais agravos em saúde, como as doenças crônicas não transmissíveis, o pré-Natal e puericultura e o acompanhamento domiciliar dos grupos de risco para o COVID, além das estratégias de educação em Saúde fundamentais no contexto da pandemia: como as orientações quanto às medidas de higiene e distanciamento social e sua efetividade, que podem garantir a redução de sobrecarga aos prontos atendimentos e hospitais.

O município já vivenciava uma situação caótica no campo da Saúde, com uma cobertura insuficiente de SF de 52%, segundo dados do Ministério da Saúde. Além disso, os indicadores de saúde de Porto Alegre demonstram que a opção adotada pela gestão municipal não tem priorizado o investimento na Atenção Primária. Investimentos que poderiam aumentar o número de US para atender às necessidades crescentes em Saúde, além de priorizar a organização dos componentes da rede de atenção à Saúde de forma abrangente, capilarizada e equânime. O slogan adotado pela gestão de “Mais Saúde menos Estado” revelou uma gestão que desconhece o SUS e que afronta a Constituição (1988) na garantia da Saúde como direito de todos e dever do Estado – com equidade, descentralização, hierarquização e participação através das instâncias do controle social.

No entanto, é alarmante que a PMPA, através da SMS, insista em demitir a força de trabalho especializada para substituir por vínculos precarizados num momento de crise que devasta o mundo inteiro – onde se coloca uma certeza: da importância e essencialidade dos trabalhadores de saúde no enfrentamento à Pandemia. Inclusive, não há garantias de que a força de trabalho existente seja suficiente para a demanda e pressão assistencial sobre o SUS.

Ressalta-se que as equipes de SF são responsáveis por mais de 60% da rede de atenção primária no município, mais de 90% delas estão nos territórios com os piores indicadores sociodemográficos e de saúde, sendo incumbidas pelo cuidado das populações mais vulnerabilizadas. Nesse sentido, o CMS/POA defende a incorporação desses profissionais de saúde sob a contratação direta da SMS, garantindo a continuidade do vínculo, a responsabilidade e a qualidade da assistência prestada, reforçando a importância do investimento de anos na educação permanente e na qualificação dos funcionários públicos do IMESF, sendo todos concursados. O gestor pode e deve, mesmo tendo o IMESF que ser extinto por decisão judicial no STF, incorporar os trabalhadores a uma outra estrutura criada para essa finalidade.

Ratificamos a recomendação conjunta nº 07/2020, do MPF, Ministério Público de Contas/RS e MPT, que indicou a revogação ou cancelamento enquanto vigente o estado de Emergência Nacional de eventuais avisos prévios em curso de funcionários do IMESF, ressalvados casos de demissão por justa causa.

O CMS/POA apela para o senso de razoabilidade do gestor de Porto Alegre, para que prime por um sistema cooperativo e colaborativo entre os diversos envolvidos, tendo em vista o momento de isolamento social e a brutal desigualdade nas comunidades mais carentes, onde está inserida a força de trabalho da atenção primária.

O CMS/POA reafirma sua coerência na defesa e na luta por um Sistema Único de Saúde público, equânime e de qualidade.

Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre. Porto Alegre, 22 de abril de 2020.

Edição: Marcelo Ferreira