Foi preciso a chegada da pandemia e do imenso abalo social e econômico que ela trouxe para o Governo começar a pensar em reverter alguns caminhos equivocados. Recolhi dos jornais dos últimos dez dias pelo menos duas informações neste sentido: (i) a preocupação com a dependência de insumos estrangeiros estratégicos para a indústria química, especialmente na área de medicamentos e de fertilizantes, e (ii) o entendimento de que a recuperação econômica depois da inevitável recessão dependerá, inequivocamente, de investimentos públicos na área de infraestrutura.
É um alívio verificar que estes dois temas pelo menos estarão presentes no debate nacional nos próximos tempos. O primeiro deles remete ao debate sobre desindustrialização, medida pela perda de participação da Indústria de transformação no PIB e no emprego total, fenômeno que vem de longe na economia brasileira, desde a década de 1980, mas que se intensificou nos últimos quinze a vinte anos.
Por uma série de fatores e passando por vários governos, foi-se esvaindo a competitividade da Indústria nacional e a representação setorial não teve força para resistir, acabando por aceitar uma transformação, a valorização do seu capital na esfera financeira ou a troca de sua atividade fabril pela atividade de importação. Neste caso, a empresa industrial converte-se em empresa do comércio internacional. Em situações extremas, até mesmo empresas consideradas de ponta na Indústria nacional foram vendidas para os competidores estrangeiros, a exemplo do que ocorreu com a Cofap e a Metal Leve.
O problema é que junto com a produção e os empregos em setores chave da economia brasileira, perdeu-se também a autonomia e a segurança, o que apareceu agora, dramaticamente, na urgência do tratamento da doença causada pelo coronavírus. Como se sabe, insumos químicos estão na base de diversas cadeias produtivas, entre elas a de alimentos e a de produtos farmacêuticos, o que remete o debate para a área da segurança nacional. Agora, por causa da tragédia que se vive, governo e representantes da indústria química prometem rever a história, revisar conceitos e recuperar parte do que se perdeu por uma lógica pequena que privilegiou apenas a relação custo-preço. Obviamente, tal discussão será válida não só para a indústria química, mas para vários outros setores da Indústria e seus elos produtivos por toda a economia brasileira, repercutindo no mercado de trabalho e na área do desenvolvimento tecnológico. Os próximos tempos vão nos dizer se ainda é possível recuperar parte do que se perdeu da Indústria nacional.
Muito já escrevi nesta Coluna sobre o outro tema, o da necessidade de investimentos públicos em infraestrutura como indutor do crescimento e como ponto de apoio para a recuperação da atividade, inclusive por se constituir como um chamariz para a retomada do investimento privado. No entanto, a visão dominante no Ministério da Economia nunca considerou a participação estatal como decisiva, preferindo sempre buscar a participação privada e/ou poupar recursos para melhorar as contas públicas no prazo mais curto possível. O resultado de tal visão tem sido uma economia que não cresce e que em 2019 gerou um PIB ainda 3% menor que o de 2014. Vivemos neste momento a taxa de investimento mais baixa da história, com grande capacidade ociosa no parque fabril brasileiro e uma frágil demanda das famílias, pois que se baseia numa massa de rendimentos deprimida e, ainda por cima, incerta, pela participação elevada da ocupação informal.
Com um quadro como este, não tem sentido esperar um investimento privado que certamente não vai ocorrer. Pois bem, diante do inevitável aprofundamento da crise econômica pós pandemia, o Ministério da Infraestrutura promete destravar um pacote de obras de R$ 30 bilhões no período de três anos, que tem o poder de gerar emprego e, através da contratação de obras, induzir o investimento privado. Que chance teria este pacote de barganhar recursos do orçamento público em tempos não emergenciais? O Ministério da Economia aceitaria “desviar” R$ 30 bilhões dos resultados fiscais para outro fim? Claro que não. Ou seja, precisamos chegar neste ponto da história, vivendo em plena tragédia social e econômica, para se pensar num caminho que não mire apenas os resultados fiscais de curto prazo e, por vias tortas, pelo menos colocar na mesa de discussão alternativas para a crise que se arrasta e que pode até piorar nos próximos anos.
(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Edição: Sul 21