O isolamento social recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para conter a pandemia de coronavírus já provocou um aumento de 9% nas denúncias de violência contra a mulher encaminhadas ao Ligue 180, telefone da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. Divulgado na semana passada pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o crescimento dos casos durante a quarentena já vinha sendo alertado por organizações como a ONU Mulheres e especialistas em segurança pública.
Antes da quarentena, entre os dias 1.º e 16 de março, foi registrada a média diária de 829 denúncias a partir de ligações ao canal. Após o início do período de isolamento, entre os dias 17 e 25 de março, o dado passou para 978 registros. Conforme a professora do Departamento de Sociologia e coordenadora do grupo de pesquisa Violência e Cidadania da UFRGS, Rochele Fellini Fachinetto, isso ocorreu porque a pandemia exige um rearranjo do espaço doméstico por causa da convivência das pessoas por maior tempo, o que deixa as mulheres mais vulneráveis a todos os tipos de violência.
“A mulher passa um tempo maior junto do agressor, o que é um problema tanto no âmbito do conflito quanto em relação à possibilidade de reagir. Para essa mulher que está o tempo todo em contato com o agressor, é mais difícil acessar as políticas de enfrentamento.”
Rochele Fellini Fachinetto
O impacto da quarentena na violência doméstica também foi sentido pela Polícia Civil gaúcha. A delegada Tatiana Bastos, da Delegacia Especializada da Mulher, conta que, antes da orientação de isolamento social, o dia de maior movimento no órgão era segunda-feira, por causa do alto número de ocorrências no final de semana. Agora, segundo ela, “tudo é final de semana”, não tem mais um dia pior.
“Historicamente, os períodos de maior convivência familiar são os que têm maior incidência de violência doméstica. É por isso que a gente vê aumento em dezembro e janeiro, nas férias de verão. São períodos em que se intensifica essa violência, assim como na quarentena.”
Tatiana Bastos
Além do fato de passar mais tempo com o agressor, Rochele pontua que esse momento de isolamento tende a acirrar os conflitos de gênero porque há uma nova sobrecarga para a mulher em função da responsabilização social pelo papel de cuidadora. “As funções de cuidado já recaem sobre a mulher de uma forma geral. Agora, na quarentena, quando as crianças estão fora da escola, quem é pensada socialmente para fazer essas atividades é a mulher. Isso faz com que muitas fiquem em casa sem ter para onde e para quem recorrer quando sofrem violência”, argumenta.
Para atender as vítimas de violência doméstica durante a quarentena, órgãos públicos como a Polícia Civil, a Defensoria Pública e o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos disponibilizaram novos meios digitais para registrar ocorrências e fazer denúncias. “Muitas mulheres não se dão conta de que estão inseridas em um ciclo de violência, mas, quando a gente fala sobre isso, elas conseguem entender e se fortalecer. A ideia desses canais digitais é que a gente possa falar com elas nesse período de isolamento e dar orientações mesmo que não queiram solicitar uma medida protetiva ou registrar uma ocorrência”, informa a defensora pública e dirigente do Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, Liliane Braga Luz Oliveira.
Veja o que mudou na rede de apoio
– Ligue 180 ganhou app e site: o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos lançou na última quinta-feira, dia 2 de abril, duas plataformas digitais dos canais de atendimento da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. Agora, as denúncias de violações de direitos humanos e de violência contra a mulher podem ser encaminhadas digitalmente ao Disque 100 e ao Ligue 180 por meio do aplicativo “Direitos Humanos Brasil” e de um site especial. Uma segunda versão deve ser lançada em breve com funcionalidades para pessoas com deficiência e analfabetas.
– Boletim de ocorrência pode ser feito online: a Polícia Civil disponibilizou no dia 20 de março uma nova funcionalidade na Delegacia Online para permitir o registro de boletins de ocorrência de violência contra a mulher pela internet. No entanto, a delegada Tatiana Bastos, da Delegacia Especializada da Mulher, alerta que os casos graves como feminicídio, tentativa de feminicídio e estupros devem seguir sendo registrados pessoalmente, pois implicam a necessidade da realização de exames. A solicitação de novas medidas protetivas de urgência também precisam ser feitas pessoalmente. A Delegacia Especializada da Mulher segue aberta 24h em Porto Alegre (Rua Professor Freitas e Castro, 701, no bairro Azenha).
– Polícia Civil recebe denúncias por WhatsApp: o órgão também disponibilizou o número de WhatsApp para denúncias (51) 9 8444-0606, que está em funcionamento 24h. O canal é voltado para receber informações de amigos, parentes ou vizinhos que não tenham todas as informações necessárias para registrar um boletim de ocorrência na Delegacia Online. Tatiana ressalta que esse WhatsApp não é uma central de emergência, ou seja, quando a agressão está ocorrendo, a vítima deve ligar para o 190 da Brigada Militar.
– Defensoria Pública atende remotamente: a Defensoria Pública suspendeu os atendimentos presenciais até o dia 30 de abril, mas segue atendendo os casos de violência doméstica remotamente. Em Porto Alegre, as vítimas podem buscar ajuda pelo Alô Defensoria (51) 3225-0777 ou pelo telefone do Centro de Referência em Direitos Humanos (51) 3221-5503.
– BM amplia abrangência da Patrulha Maria da Penha: a Brigada Militar ampliou o atendimento das Patrulhas Maria da Penha para 82% dos municípios gaúchos. No ano passado, o programa atingiu presença em 46 cidades e, ao final de março de 2020, mais 38 municípios foram contemplados com unidades da iniciativa.
– Juízes recebem medidas protetivas por e-mail: com os prazos processuais suspensos até o dia 30 de abril, o Tribunal de Justiça do estado está funcionando em regime de plantão para casos urgentes, entre eles o pedido e a prorrogação de medidas protetivas. A mudança é que, agora, os processos não são mais recebidos fisicamente no Fórum, mas por e-mail.
Edição: Jornal da Universidade UFRGS