Rio Grande do Sul

MULHERES NA POLÍTICA

Laura Sito: Quanto maior o avanço nos direitos, mais mulheres participam da política

Abrindo a série Mulheres na Política, Laura fala da importância da representatividade e de aspectos sociais e políticos

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Quando se fala de mulheres negras, a representatividade é ainda menor, ocupando apenas 2% no Congresso Nacional - Foto: Arquivo Pessoal

“As mulheres são atacadas pela sua condição de mulher o tempo todo na política. O presidente da República Jair Bolsonaro é o maior exemplo do ambiente não só hostil como violento que é criado para as mulheres na política”, afirma a vice-presidenta do PT Porto Alegre, jornalista e servidora municipal da Prefeitura de Porto Alegre, Laura Sito. Abrindo esse especial Mulheres na Política do Brasil de Fato RS, Laura fala da importância da representatividade e de aspectos sociais e políticos.

Mesmo sendo 52% do eleitorado brasileiro, as mulheres ainda, quando se fala em cargos de poder, ficam bem abaixo do ideal, 15% dos deputados federais e dos senadores e 14% dos vereadores. Já no âmbito do poder Executivo, é ainda menor, sendo apenas um estado governado por mulher, Fátima Bezerra (PT), no Rio Grande do Norte e apenas 12% dos municípios.

Esses dados comprovam o que o Inter-Parliamentary Union, já apontou, o Brasil é um dos piores países em termos de representatividade política feminina, ocupando o terceiro lugar na América Latina em menor representação parlamentar de mulheres. O país ocupa a 152ª posição na lista de 192 países.

Para Laura, a legislação brasileira avançou muito nos últimos anos, com a porcentagem do fundo eleitoral para as mulheres, fundo partidário, os 30% das listas aos legislativos. Mesmo assim ela observa que a concretização dos espaços quase não se altera. Fora isso, aponta também um avanço significativo de mulheres conservadoras em espaços de representação parlamentar.

Ao adentrar a questão de raça, a representatividade diminui ainda mais, mesmo sendo 1/4 da população, as mulheres negras ocupam apenas 2% no Congresso Nacional, representando 13 mulheres autodeclaradas negras, 12 deputadas federais e uma senadora. “Nossa sub-representação está coerente com a nossa condição cidadã neste país. Maiores vítimas de violência, ocupantes dos piores e mais precarizados postos de trabalho, logo com os menores salários, e com acesso à saúde mais precarizado, etc.” Diante desse quadro, Laura ressalta a importância de mulheres como Marielle Franco e Benedita da Silva.

Confira a entrevista completa - que abre o Especial Mulheres na Política - realizada de forma remota, devido ao necessário isolamento social para conter a pandemia da covid-19.

Brasil de Fato RS – Laura, nos conte um pouco da tua história.

Laura Sito - Sou jornalista e municipária. Milito desde o início da adolescência, onde minha irmã me levava a reuniões do movimento negro na luta pela implementação da política de cotas na UFRGS. Mas minha militância mais assídua iniciou no Grêmio do Julinho, onde o presidi entre 2007 e 2008. Dediquei minha militância no movimento estudantil à luta pela democratização do acesso ao ensino superior. Coordenei o DCE da FAPA, foi diretora da UEE e diretora de Direitos Humanos da UNE, acompanhando a implementação da lei de cotas no Brasil.


Com Vera Daisy Barcellos, presidenta do Sindicato dos Jornalistas do RS / Foto: Arquivo pessoal

BdFRS - Como tu vês esse debate racial no contexto atual?

Laura - Passamos por uma década de muitas reparações, o legado dos governos populares de Lula e Dilma tiveram muitos avanços no enfrentamento ao racismo, demandas históricas do movimento negro puderam ser concretizadas. Porém, ao fim deste período percebemos que a condição estrutural da população negra no país continua inalterada. O racismo é estrutural, mais da metade da nossa população é negra e não temos este elemento estruturante como centro estratégico em nenhuma alternativa de desenvolvimento sócio-econômica apresentada no Brasil. Enquanto isso continua a disparidade do mundo do trabalho; nos números de homicídios, especialmente de jovens; nos números de feminicídios; entre tantos outros indicadores.

BdFRS – Em uma entrevista à Manuela D’Avila, falaste sobre a questão dos espaços públicos. Na perspectiva do direito à cidade, que Porto Alegre temos hoje?

Laura - Comentei sobre a reforma da Orla. Porto Alegre passou um processo muito duro entre os governos Fogaça, Fortunati e Mello de higienização. Logo a ocupação dos espaços públicos passou não só a ser criminalizada, como os mesmos foram abandonados do ponto de vista da sua manutenção, tornando boa parte deles não mais lugar de lazer e sim de medo. Sob o governo Marchezan, uma faceta ainda mais cruel desta visão de cidade foi implementada, que é um fomento público à divisão de classe na utilização dos espaços públicos. Espaços tradicionalmente ocupados por populares passaram a conviver com uma repressão policial ainda mais assídua e violenta, enquanto lugares ocupados pelas classes médias e altas passaram a ter incentivo. O único contraste a isso é a Orla, que apesar de ser gestada em parceria com algumas empresas e ter a Usina do Gasômetro ainda fechada (mantendo a política de sucateamento dos aparelhos públicos) devolveu à população a possibilidade de se relacionar com o Guaíba.

BdFRS - Como repensar e ter uma Porto Alegre para todas e todos?

Laura - Acho que acima respondi em parte esta questão. Porto Alegre é uma cidade de profundos contraste sociais, assim como os grandes centros urbanos do país. É necessário que o poder público garanta o direito à uma cidadania plena ao conjunto da população.

BdFRS - Como tu vês a privatização dos espaços culturais públicos?

Laura - Um símbolo histórico triste desta política é o Araújo Vianna, que hoje é gerido por uma empresa e tem apenas grandes shows. Atualmente a contratualização da Cinemateca Capitólio, que inclusive teve seu edital suspenso por um mandado de segurança pela falta de transparência. Os ataques à cultura são gigantes em nossa cidade, a privatização dos espaços culturais públicos é mais uma dura faceta desta questão.

BdFRS - Temos como resgatar as conquistas perdidas de Porto Alegre (orçamento participativo, Fórum Social Mundial)?

Laura - Eu sou daquelas pessoas que acredita que sim. Não só por vontade, mas porque acredito que a cidade precise de um mecanismo democrático de gestão. Se posso definir de maneira simples o que os últimos anos fizeram com Porto Alegre eu poderia definir que fizeram de Porto Alegre uma cidade mais egoísta.

BdFRS - Como tu analisas a participação das mulheres na política e partidos políticos?

Laura - Passamos pelas mesmas dificuldades estruturais da sociedade, com a negação do compartilhamento real do poder de decisão. A legislação brasileira avançou muito nos últimos anos, com a porcentagem do fundo eleitoral para as mulheres, fundo partidário, os 30% das listas aos legislativos, etc. Porém, ainda vemos a concretização da ocupação dos espaços pouco alterada. Com um avanço significativo de mulheres conservadoras em espaços de representação parlamentar. Algumas inclusive defendendo a submissão feminina. Ou seja, ainda que vivamos sob um cenário mais diverso do ponto de vista da representação feminina, nossas barreiras se complexificaram conjuntamente ao avanço.

BdFRS - E em relação a participação das mulheres negras?

Laura - Nós mulheres negras somos apenas 2% da Câmara dos Deputados, nossa sub-representação está coerente com a nossa condição cidadã neste país. Somos as maiores vítimas de violência, ocupantes dos piores e mais precarizados postos de trabalho, logo com os menores salários, e com acesso à saúde mais precarizado, etc. Importante considerar o fato que somos 1/4 da população do Brasil. Por isso, e tantas outras coisas, figuras como de Marielle e Benedita da Silva são tão importantes, representam milhares de nós, invisibilizadas inclusive pela agenda política dos setores de esquerda e progressistas.

Em 2019, o Brasil ocupava a 133ª posição no ranking da União Interparlamentar sobre a representação feminina no parlamento de 193 países. Países como Cuba e Bolívia já atingiram a paridade, e o México está quase lá com 48%. No Brasil, as deputadas somam 15% do total da Câmara dos Deputados (77 dos 513 deputados), sendo está a maior bancada feminina da história da Casa. Como incrementar essa participação?

Eu acredito que a forma correta de alterar esta realidade é por reserva de vagas no parlamento. Muito difícil que haja outra forma com o modo como o sistema político funciona no país.


José "Pepe" Mujica, ex-presidente do Uruguai / Foto: Arquivo pessoal

BdFRS - Qual tua opinião sobre as cotas de mulheres? E a possibilidade de nesse contexto surgirem mais laranjas para que os partidos cumpram a regra?

Laura - Sou favorável a cotas nos acentos dos parlamentos, como tem na Espanha, por exemplo. As cotas nas listas, como existem hoje, não altera de fato a representação, e ainda possibilita laranjas. Já com as vagas nos acentos será preciso realmente construir figuras públicas femininas. Essa deve ser uma estratégia central para as agremiações políticas.

BdFRS - Ao se observar de fora, tem-se a impressão que os partidos não investem em seus quadros femininos. Tu tens essa percepção?

Laura – Sim, no geral. Mas o importante neste aspecto é falar do centro da política. Muitas organizações "investem" para que as mesmas façam o debate de temas relacionados as questões de gênero, apenas não fazendo um compartilhamento real de poder. E este espaço que é capaz de alterar o estado das coisas, pois é estando nele que somos capazes de transformar temas hoje tangenciados em temas centrais. Por exemplo, vimos no "Ele Não" uma grande bateção de cabeça da esquerda sobre o que era central, a economia ou pautas "identitárias", uma questão completamente equivocada. Todos os temas são constitutivos da nossa sociedade, portanto não secundários.

BDFRS - Qual a importância da formação política? E da participação dos jovens na política?

Laura - Fundamentais. A formação política é algo central para todos que fazem política, pois a atividade não deve perder sua perspectiva ideológica, sua condição formulativa, para que assim permaneça seu sentindo em existir.

Sobre os jovens, a nossa participação política faz bem para a política, somos a faísca. Todas as grandes mudanças foram movimentadas pela força revolucionária da juventude, sua impetuosidade e energia para movimentar. Hoje temos uma disputa muito grande a fazer sobre este setor da sociedade onde parcela flerta com ideias ultraconservadoras e liberais.

BdFRS - Em contrapartida à questão partidária, vemos crescer uma forte atuação das mulheres em organizações, principalmente na periferia. Poderíamos dizer que elas fazem o trabalho de base?

Laura - Sem dúvidas. Não há lugar na base que cheguemos onde não sejam as mulheres que estão cuidando de tudo. É por isso que lutamos pelo compartilhamento do poder, da decisão, pois na política já estamos. Somos inclusive em grande número dos espaços de base a maioria organizada, mas isso não se reflete no topo.

BdFRS - A professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Lígia Fabris, em um debate na Câmara, criticou o discurso de que as mulheres não se interessam por política. Para ela, o que existe é um ambiente hostil às mulheres. Tu observas isso também?

Laura - As mulheres são atacadas pela sua condição de mulher o tempo todo na política. O presidente da República, Jair Bolsonaro, é o maior exemplo do ambiente não só hostil como violento que é criado para as mulheres na política.


"As mulheres são atacadas pela sua condição de mulher o tempo todo na política" / Foto: Arquivo pessoal

BDFRS - Como se apresenta o machismo na questão partidária?

Laura - De inúmeras maneiras. Posso citar dois especialmente mais corriqueiros, como no reconhecimento do trabalho desenvolvido e na divisão de tarefas e postos.

BdFRS - Qual a tua opinião sobre os mandatos coletivos?

Laura - Acho uma experiência e um exercício interessante.

BdFRS - Tu como jornalista, como analisa os ataques do presidente Bolsonaro à imprensa?

Laura - Fazem parte de sua visão autoritária. Quem não tem apreço pela democracia, não tem como ter apreço pela imprensa. O jornalismo tem papel fundamental para o funcionamento de uma democracia.

BdFRS - Em tempos de coronavírus, como tu avalias as medidas tomadas por Eduardo Leite, no Estado, e de Marchezan, no município?

Laura - Muitas pertinentes, em acordo com as orientações da Organização Mundial da Sáude (OMS) e com os especialistas do país. Sabemos que tanto o estado quanto o município sofrem com a não existência de uma coordenação nacional de fato para o combate ao coronavírus e a disputa terraplanista de Bolsonaro frente à covid-19. Mas ainda assim há lacunas importantes, como a demora de uma ação mais concreta para expansão de leitos. Estados como São Paulo já fizeram do estádio Pacaembu um hospital de campanha, falta também em Porto Alegre um plano de enfrentamento ao coronavírus na periferia. Em muitos lugares falta água, moradias irregulares, o frio chega em semanas... A única coisa que dizemos é para as pessoas irem para casa, mas precisamos tornar o lar delas um ambiente de segurança.


Na luta pela educação, ao lado de Selene Michelin, secretária da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação / Foto: Arquivo pessoal

BdFRS - O que fazer para mudar o quadro da participação das mulheres?

Laura - Para mudar o quadro da participação das mulheres na política é preciso:

Na sociedade: pressionarmos o Estado com uma agenda feminista que avance com mais concretude. Toda vez que avançamos em nossos direitos, mais mulheres vêm para a participação política. Venho do movimento estudantil, vi que termos tido Dilma presidenta fez com que muitas meninas se enxergassem na política.

Nos partidos: uma ação real de construção de quadros mulheres, compartilhamento real do poder e das decisões partidárias e uma disputa dos valores igualitários na sociedade.

Na luta institucional: alteração legislativa que trate da reserva de vagas no parlamento, a fim de aumentar o número de mulheres.

 

Edição: Katia Marko