Três juristas condenaram o comportamento do presidente Jair Bolsonaro que se recusa a revelar seu exame para detectar a infecção por coronavírus. Todos entendem que a questão da Saúde pública e da preservação da vida está acima do direito ao sigilo e à privacidade alegados nas manifestações presidenciais. “O presidente da República deve prestar contas à Nação”, enfatiza o constitucionalista Lênio Streck. “Seria de se esperar, por parte do primeiro mandatário da Nação, transparência e espírito republicano, até para tranquilizar ou preparar a sociedade”, diz o também constitucionalista Eduardo Carrion, ex-diretor da Faculdade de Direito da UFRGS.
“Existe o dever de fazer a comunicação e o presidente da República não está isento desse dever”, repara a juíza Valdete Severo, presidente da Associação Brasileira dos Juízes pela Democracia (ABJD). Além de se negar a mostrar o laudo, Bolsonaro tem ostensivamente violado as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) de praticar o isolamento social, adotadas pelo próprio Ministério da Saúde. Embora 23 pessoas de sua comitiva aos Estados Unidos tenham sido infectadas, ele costuma sair, abraçar pessoas e posar para selfies.
“Estímulo à contaminação”
“A própria conduta de estimular as pessoas para que saiam à rua no momento em que há uma necessidade de isolamento físico, uma recomendação da OMS, é, de certa forma, um estímulo à contaminação”, critica a presidente da ABJD.
Streck pondera que “não haveria problema nenhum se ele estivesse com o vírus. É normal em uma pandemia”. Mas salienta que “se ele estiver ou tenha estado, poderia ter contaminado pessoas. Por isso, o dever de informar se sobrepõe ao seu direito ao sigilo”. Carrion argumenta que, embora a Constituição, no seu artigo 5º, considere inviolável a vida privada da pessoa, outro inciso do mesmo artigo acentua que "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral".
Crime comum
Professor do curso de pós-graduação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Streck avalia que, sendo comprovada a condição de portador do vírus e a omissão da informação a respeito, Bolsonaro poderia ser processado por crime comum com consequências distintas do impeachment. A conduta de ocultar e disseminar doença contagiosa capaz de ameaçar a saúde e a vida da população é prevista em, pelo menos, três artigos – 267, 268 e 132 – do Código Penal. Ele adverte ainda que, todos aqueles, como os médicos e suas equipes, que estiverem sabendo de um resultado eventualmente positivo e resolverem ocultá-lo, poderão “responder por co-autoria”.
Carrion discorda da coautoria dos médicos e clínicas. Quanto ao impeachment, entende que “há outras ações, atitudes ou palavras do presidente que, em princípio, ensejariam a possibilidade de um procedimento por crime de responsabilidade”, acrescentando, porém que “talvez não haja, ou não haja ainda, condições (políticas) para tal”.
“O pior dos caminhos”
Um dos três autores do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, o jurista Miguel Reale Jr. tem proposto que Bolsonaro seja interditado após ouvida a Procuradoria Geral da República e examinado por junta médica. Já o descreveu como “paranoico”. Valdete Severo contesta esse rumo. “A gente tem um déficit democrático que faz com que as pessoas confundam sujeitos e instituições”, comenta. “Não é só focando na pessoa do presidente que a gente vai conseguir compreender o que está acontecendo e ter uma mudança de rota efetiva. Seria o pior dos caminhos”.
Edição: Marcelo Ferreira