Rio Grande do Sul

ECONOMIA

Economistas do RS defendem estado forte e tributação dos ricaços para enfrentar crise

Em debate promovido pela CUT-RS, os economistas avaliaram a crise econômica brasileira e os impactos do coronavírus

Brasil de Fato | Porto Alegre |
O presidente da CUT-RS, Amarildo Cenci, mediou o debate com economistas Anelise Manganelli, Róber Ávila e Dão Real - CUT-RS

A crise brasileira, agravada pela pandemia do coronavírus, só poderá ser enfrentada com um estado forte, ao contrário do equilíbrio fiscal e do corte de políticas públicas que têm sido implementados pelos governos neoliberais. Além disso, o estado precisa tributar as fortunas, os lucros estratosféricos do sistema financeiro e os ganhos dos ricaços.

A receita foi defendida pelos três economistas do Rio Grande do Sul, que participaram na manhã desta quinta-feira (2) da live promovida pela CUT-RS, em Porto Alegre, para debater as medidas, que devem ser tomadas para proteger a saúde e salvar a vida das pessoas, e as perspectivas da economia depois da pandemia.

Cadê a fatia dos lucros dos bancos para combater o coronavírus?

O presidente da CUT-RS, Amarildo Cenci, que mediou o diálogo, cobrou o afastamento do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e lembrou que as centrais sindicais encaminharam ao Congresso Nacional uma série de propostas com medidas fiscais, tributárias e econômicas para contornar a crise, que já existia no país e que se aprofundou com a disseminação do Covid-19 no Brasil.

“Tem gente que acha que a economia deve ter prioridade sobre a vida humana. Não é o nosso caso. A CUT sempre defendeu que a hora é de adotar medidas que garantam a sobrevivência dos trabalhadores, inclusive os autônomos e desempregados, que impeçam as empresas de demitir ou de cortar salários, como quer Bolsonaro através das últimas medidas provisórias que publicou”, enfatizou Amarildo.

Para o dirigente sindical, “os bancos precisam fazer sua parte. Lucraram bilhões de reais nos últimos anos e até agora não deram uma fatia do bolo para o combate ao Covid-19. É por aí que deveria começar o combate à crise”.             

Governo Bolsonaro minimizou impacto do vírus

Para a economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Anelise Manganelli, a situação do país já beira ao caos. O desemprego massivo, agravado por uma crise sanitária de alta letalidade, pode levar milhares de famílias à fome e colapsar o combalido Sistemas Único de Saúde (SUS), que desde 2016 enfrenta o congelamento de investimentos públicos imposto pela Emenda Constitucional 95, aprovada logo após o golpe que derrubou a presidenta Dilma Rousseff.

“Não teremos como absorver todos aqueles que necessitarão de atendimento durante o período de pico de contágio do coronavírus. Temos que ter em mente que mais de 3,5 bilhões de pessoas, quase metade da população mundial, será atingida de alguma forma por essa crise. Só nos EUA, nas últimas 24 horas, morreram mais de mil pessoas”, frisou Anelise.

Desprezo com a população, apreço com investidores

“Aqui a situação é alarmante, o governo brasileiro fez parte de um pequeno grupo de nações que minimizou o impacto do vírus, o que atrasou a adoção de medidas enérgicas para combatê-lo. É uma pena que estejamos tão atrasados nessa luta e, considerando que, com as estruturas hospitalares lotadas, vamos enfrentar três epidemias simultâneas: a de dengue, a do H1N1 e a do coronavírus”, alertou a técnica do Dieese. 

“Quando pensamos em uma modelagem fiscal diante de uma pandemia, temos que considerar que quem faz as ações, quem está entregando uma estrutura de saúde, ampliando leitos, investindo em equipamentos hospitalares e de proteção para os trabalhadores da saúde, que são os estados e municípios”, apontou.

Para Anelise, “o governo demonstra desprezo para a população e um apreço fora do normal para com os investidores”. Segundo ela, “é essa a mensagem que o ministro da Economia, Paulo Guedes, passa quanto faz uma conferência para esclarecer as medidas econômicas de combate ao coronavírus dentro de uma agência de investimentos”.

Medidas emergenciais para evitar o desastre

O economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Róber Iturriet Ávila, recordou que percebendo a inércia do governo um grupo de acadêmicos elaborou um plano com 32 pontos emergenciais que poderão salvar o país do desastre. “Neste momento, nós temos que reverter a atividade industrial de algumas fábricas para a produção de máscaras e respiradores. É algo que já deveria ter sido feito”, criticou.

“Só com o Estado investindo imediatamente 10% do PIB a economia não vai desabar. Senão, o desemprego, que já é alto, vai explodir. Podemos enfrentar escassez de alimentos. O governo precisa garantir recursos para 50% da população e crédito a custo zero para todas as empresas pequenas. Nossa cadeia de alimentos precisa continuar funcionando, para que não haja falta de produtos básicos”, salientou Róber.

Para ele, o desarranjo da cadeia produtiva deixa claro que o tempo é de guerra e exige ações extraordinárias. “Estamos falando de um período de três a quatro meses em que o governo terá que sustentar a economia e a produção. Os trabalhadores precisam sair do mercado de trabalho e pensar em suas vidas e na de seus familiares”, observou o economista.

“Essa desculpa do governo de que o Brasil está quebrado é falsa. Nós temos reservas internacionais e emitimos títulos da dívida pública e moeda própria. É possível colocar uma enxurrada de dinheiro na economia para evitar o colapso social. Não é hora de poupar esforços”, garante o professor da UFRGS.

O que importa: o equilíbrio fiscal ou a vida?

O diretor do Instituto Justiça Fiscal, Dão Real Pereira dos Santos, frisou que é necessário superarmos alguns mitos relacionados à política de austeridade fiscal neoliberal. “Temos que sepultar o mito da austeridade fiscal. O mundo está reavaliando o papel do Estado no enfrentamento das crises. Só de 2017 para cá a pasta da Saúde perdeu mais de R$ 30 bilhões em investimentos, o que precisa ser urgentemente reavaliado”, acentuou.

“O que é mais importante: o equilíbrio fiscal ou a vida? O artigo 5º da Constituição diz que o direito à vida é inalienável e isso é que precisa ser lembrado, sobretudo agora”, disse Dão. Ele destacou que “nada será antes”, conforme o artigo do presidente da Unafisco, Charles Alcântara.

Segundo o auditor fiscal, “quando os EUA passam na frente de outros países e adquirem uma produção massiva de equipamentos de saúde, deixando outras nações desassistidas, eles estão travando uma guerra com o mundo. Contra isso, temos que voltar os nossos olhos para o mercado interno. É daqui que sairá a solução para a crise”, avaliou ao apontar que após o golpe de 2016 ocorreu uma diminuição do estado de bem-estar social no país.

Silêncio dos bilionários

Dão salientou que “há um grupo social que acumulou muito dinheiro e tem um estoque que pode solucionar parte da crise. Temos que tributar as riquezas urgentemente. Temos 206 bilionários, que possuem mais de R$ 1,2 trilhão em patrimônio. Isso não é condição para que o governo gaste, mas para que possamos sair da crise com outro modelo de estado. A carga tributária brasileira é de 32,4% e não é suficiente para que seja possível sair da crise”.

“É o silêncio dos bilionários. Essa riqueza na mão de poucos é parte da injustiça tributária que vivemos desde sempre. Enquanto os bilionários, a bolsa de valores e os especuladores continuam somando seus lucros, a população seguirá pagando seus impostos”, concluiu o auditor fiscal.

Assista à transmissão da CUT aqui.

 

Fonte: CUT-RS.

Edição: Marcelo Ferreira