O jornalismo sério despreza as teorias da conspiração, gastamos nosso tempo com hipóteses de trabalho, algo que deveria valer em qualquer outra área. Hipóteses de trabalho são situações onde se têm indícios que podem levar a certas conclusões, por isso são “hipóteses”, algo ainda não totalmente confirmado, e “trabalho”, pois a informação deve ser trabalhada, construída, através da comprovação de fatos que irão demonstrar a verdade.
Vejamos:
Estão espalhadas notícias do aumento do número de casos de vítimas fatais de problemas respiratórios graves, algumas delas são impressionantes. Uma funerária de Belo Horizonte recebeu 73 cadáveres entre os dias 20 e 22 de março. Aproximadamente 1 cadáver a cada hora, nesse período. Destes, 23 tinham como causa da morte problemas respiratórios graves (“insuficiência respiratória aguda”, “pneumonia crônica” e “pneumonia aspirativa”). É o que consta em um Boletim de Ocorrência registrado pela Polícia Militar de MG, que a reportagem do Jornal Correio Brasiliense teve acesso.
A PM recebeu uma denúncia, que uma funerária estaria recebendo uma quantidade fora do normal de corpos, e foi averiguar. A existência desse B.O foi confirmada pela PM/MG, porém o seu conteúdo é questionado por autoridades do governo de Minas (sem que até agora tenha sido especificado o que no Boletim estaria errado ou não seria verdade). A gerência da funerária também se posicionou, informando que o conteúdo do B.O não era verdadeiro e que o número de cadáveres era na verdade muito menor, seriam 23 ao todo e não 73. O que teria acontecido então? O funcionário mentiu aos policiais informando um número muito maior de corpos do que realmente havia na funerária? E os policiais, ao receberem a informação, não averiguaram a quantidade de corpos que lá estavam?
Outra informação é de que a Fundação Oswaldo Cruz registrou um aumento anormal de casos de internações por problemas respiratórios graves no país, alerta a jornalista Mônica Bergamo. A informação vem do sistema InfoGripe, mantido pela Fiocruz em parceria com outras instituições, que monitora os casos de internações hospitalares de casos com diversas doenças causadas por vírus que atacam principalmente o sistema respiratório. Do dia 25/02 (dia da confirmação do primeiro caso da covid-19 no Brasil) até a semana do dia 21/03 o número de novos internados com os sintomas saltou de 662 para 2250. O crescimento é muito maior se comparado com os anos anteriores, cerca de dez vezes mais internações, relatam os pesquisadores.
Por que esse tipo de notícia chama atenção? Pois estamos em meio a uma pandemia de um novo vírus capaz de causar a morte justamente ao atacar o sistema respiratório.
Esses exemplos seriam uma coincidência?
Justamente no momento em que o Brasil vê aumentar o número de casos confirmados, ao mesmo tempo que mantemos um número baixo de testes?
Como não pensar na possibilidade do número de infectados ser muito maior do que o anunciado oficialmente?
Dia 26/03, o Ministério da Saúde estima ter em torno de 5 milhões de testes a sua disposição no momento, prevendo a aquisição de mais 10 milhões. Até o dia 17/03, afirmava já ter realizado cerca de apenas 11 mil. Não há estimativas de quanto tempo estes testes demorarão a chegar à maior parte da população, nem como serão distribuídos em cada região. Pelo menos estas informações não estão sendo divulgadas. No momento, a orientação é a testagem de casos graves.
Na melhor das hipóteses, teríamos, em um período de tempo não especificado, 15 milhões de testes, um número baixo, levando em conta os mais de 200 milhões de brasileiros e que a OMS sugere testar o maior número de pessoas possíveis. No dia 22/03 a OMS reforçou o pedido para que os países sigam aumentando o número de testes realizados, bem como o aumento na rede de atenção aos infectados e o isolamento como estratégia para conter a disseminação. Dia 23/03, o governo federal apresenta a promessa de mudar o protocolo de testagem e da compra de kits de testagem. Somente isso. Lembrando que todos os estados já registram casos confirmados de contaminação. É possível então que estejamos vivendo em um cenário de subnotificação, onde os casos notificados e divulgados pelo Ministério da Saúde são na verdade menores do que o número real de casos. Isto será confirmado ou não nas próximas semanas.
No mesmo sentido, o governo federal tem insistido em minimizar os efeitos da pandemia. O presidente incansavelmente se esforça para que as pessoas não se preocupem, tentando convencer a todos que os cuidados necessários para o momento são exagero (“histeria”, nas suas próprias palavras). Ainda no dia 26/03 o governo federal lança a campanha #OBrasilNaoPodeParar, para se contrapor às medidas de isolamento adotadas no mundo todo e repetidas pelo governos estaduais e municipais. A intenção do governo Bolsonaro é agitar a ideia de que a pandemia não é tão grave e que as medidas que paralisam a economia para preservar a vida das pessoas estão erradas. Em outras palavras, usam uma mentira pra manter e justificar suas intenções de não paralisar as atividades econômicas.
Com o exposto até aqui, fica bastante evidente que esconder o real estado de propagação do vírus dá a desculpa para a burguesia pedir a retomada das atividades, sem que possam ser acusados de assassinos. A subnotificação de casos é a estratégia perfeita para forçar as pessoas a voltar ao trabalho, sendo as mentiras do Bolsonaro e sua rede a onda que deverá tentar arrastar a população para esse objetivo, expondo os trabalhadores e suas famílias ao risco de uma morte sem ar e sofrida.
A combinação dos dois fatores, um muito provável estado de subnotificação aliada ao ataque comunicacional capitaneado pelo presidente pode criar o cenário ideal para o propósito de não diminuir a atividade econômica, mesmo que isso custe a saúde de milhões de famílias.
Pedro Palma, jornalista e integrante do Levante Popular da Juventude.
Edição: Marcos Corbari