Se já estávamos caminhando para uma espécie de caos econômico, a chegada do coronavírus no país nos coloca diante de um verdadeiro horror. Ninguém sabe exatamente o que fazer. Louvável todo o trabalho do Ministério da Saúde e da imprensa que vem atuando certeiramente para informar a população de que este vírus é algo muito grave, vai afetar muitas pessoas e o país não está preparado para o pior.
Mas além desse quase caos que a pandemia provocou, temos um outro horror que nos assalta faz tempo e agora potencializa a nossa desgraça. É precisamente um chefe de governo insano, irresponsável a enésima potência e que conspira contra seu próprio ministro da Saúde e todo o (precário) esforço que vem sendo feito para minorar os efeitos terríveis da disseminação do vírus pelo país. E quem conhece nossa sociedade extremamente desigual sabe que o pior se dará, especialmente, entre as pessoas mais pobres, vulneráveis e desamparadas, e que chegam numa estatística imprecisa a talvez 70 milhões de pessoas.
No dia 25/3, um jornalista respeitável alertou para uma questão adicional que – não sendo contida – pode comprometer qualquer dos esforços que estão sendo feitos para minimizar ao máximo os efeitos da crise sanitária. Seria a disseminação do pânico na população que ocasionará reações simplesmente incontroláveis: chacinas em presídios e nas periferias, fome generalizada, saques de todo tipo, aumento exponencial do desemprego que já vem desde o governo Temer e sua reforma trabalhista, quebradeira generalizada das pequenas e médias empresas, e ainda um rol incontável de outras mazelas, isto sem falar na crise do mercado financeiro com as previsões de crescimento zero ou abaixo de zero para o PIB brasileiro em 2020.
E o que temos visto de respostas do governo?
Ações desencontradas, acusações cotidianas do chefe da Nação contra imprensa, governadores, prefeitos, e pessoas que tentam organizar minimamente as comunidades. Na noite do dia 24/3 o presidente do Senado deu uma declaração forte contra o discurso perverso do presidente. Alcolumbre chegou a usar palavras chaves nesses casos: ele exigiu serenidade, unidade de ação e responsabilidade do chefe de governo, tudo o que o capitão não está fazendo.
O presidente parece viver com ouvidos moucos e os olhos fechados diante do que acontece no mundo e no seu país. Houve grita geral de outras autoridades e de representantes de diferentes partidos ao desastre da fala presidencial, infelizmente reafirmada na manhã deste dia. A pergunta que me faço é simples e direta: o que ainda falta para que os dois outros poderes da República exerçam sua autoridade para declarar o presidente interditado para exercer o cargo? O país não pode ficar entregue à insanidade quando milhões de pessoas dependem de ações urgentes, seguras e socialmente justas para enfrentar a crise sanitária. É urgente que outro governo assuma num dos momentos mais graves por que passa o Brasil.
Não há tempo a perder. Já existem várias propostas de como encaminhar a chamada “economia de guerra” para que possamos fazer frente aos meses trágicos que teremos pela frente, como a Renda Básica Cidadã. Agora se trata de usar a estrutura e os recursos do país para salvar o maior número possível de vidas. Evidentemente, debatendo com os setores mais atingidos, mas garantindo ao povo proteção, segurança alimentar e saúde. Nunca como nesta crise ficou mais evidente a grandeza de termos um SUS, um INSS e um Cadastro Único de Pessoas em Situação de Vulnerabilidade Social. O Brasil é talvez o único país do mundo que conta com tal rede de proteção. Infelizmente esta rede vem sendo sabotada nos últimos anos justamente por quem deveria garanti-la e até ampliá-la. Agora, na crise, esta Rede de Proteção Social mostra a que veio e para que existe. E as autoridades de plantão necessitam se valer dela, mas perigosamente ainda a acionam mal e sem o conhecimento que o seu manejo exige.
Como enfrentar o horror?
Que as pessoas com maior responsabilidade nos ajudem a responder. O psicanalista da USP Rinaldo Voltolini, meses atrás, afirmou que precisamos recuperar a palavra como mediadora das relações sociais. Significa aprender a conjugar o “nós”, o que é comum (Eliane Brum, Doença de Brasil, El País, 02/08/2019), na comunidade, no coletivo, na cooperação, na solidariedade, como muita gente vem fazendo pelo país afora nos bairros e favelas nestes dias. Não sei o que virá, mas dessa crise não sairemos sem grandes feridas e alguns milhares de mortos. Espero que o povo aprenda algo com a desgraça. Escolher governantes não é fácil, mas o que tivemos nos últimos anos foi uma tragédia anunciada.
*Professor Associado de Faculdades EST (São Leopoldo/RS)
Edição: Katia Marko