Rio Grande do Sul

PANDEMIA

Artigo | Bolsonaro não é louco!

"Há uma tendência daqueles que se opõem às atrocidades que o Presidente tem feito de chamá-lo de louco", analisa Souza

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Embora pareça louco, seus atos estão articulados estrategicamente para preservar o discurso e o poder sobre a sua facção - Reprodução

Há uma tendência daqueles que se opõem às atrocidades que o Presidente tem feito de chamá-lo de louco, insano, “débil mental” e por aí vai, sobretudo após o pronunciamento de terça-feira (24), conclamando para que saiamos do isolamento social e voltemos às atividades e à vida normal, contrariando o que tem sido feito no mundo todo, bem como as orientações da OMS, dos profissionais de saúde e do seu próprio Ministro.

Alguns, inclusive - como o jurista Miguel Reale Jr, um dos artífices do impeachment da Dilma -, têm defendido a realização de uma junta médica para interditar o Presidente.

É fato que Bolsonaro se tornou um enorme perigo para a sociedade brasileira, não só ao funcionamento da economia ou à integridade do tecido social, agora, também, à preservação da saúde pública.

Mas não vamos por aí, Bolsonaro não é louco nem deficiente intelectual como alguns dizem. 

Em primeiro lugar, porque ser “louco” ou “certo” é uma questão de perspectiva e de contexto. Muitos supostos loucos eram e são geniais (a exemplo do nosso “maluco beleza” de estimação); muitos considerados loucos em determinada época ou lugar, não o são em outra (quem sabe loucura mesmo não seja normalizar e tentar ser normal neste “mundo louco” em que vivemos?); e muitos dos artífices da grande saga humana na Terra – inventores, filósofos, artistas, etc. – foram os loucos de sua época.

Então, não vamos banalizar a loucura atribuindo ao Presidente este termo tão complexo e tão caro a todos aqueles que, como eu, acham a normalidade um tanto opressora e estéril.

Em segundo lugar, porque interditá-lo como louco ou incapaz - por exemplo, por meio de uma junta médica como sugeriu o Dr. Reale Jr. – seria atribuir aos profissionais médicos o poder de decidir sobre um problema que é político, e que deve ser decidido politicamente. No fundo, atribuir uma suposta loucura ao Presidente é varrer para baixo do tapete o problema político que se tornou Bolsonaro e o bolsonarismo para o Brasil, algo que despolitiza uma questão que é, e sempre foi, política.

Em terceiro lugar, porque isto afronta décadas de conquistas de um movimento extremamente humano e ético, o movimento antimanicomial, que visa humanizar o tratamento da "loucura" e evitar a segregação social e política daqueles que são diferentes, algo que foi usado indistintamente no passado como instrumento de poder para afastar do espaço público os supostos “indesejados”.

E em quarto lugar, porque se Bolsonaro for taxado de louco ele se torna inimputável, e não poderá responder nem politicamente, nem civil ou criminalmente por seus atos. E neste momento, mais do que nunca, Bolsonaro e o bolsonarismo precisam sofrer é uma derrota política, não psiquiátrica.

Então, vamos combinar, Bolsonaro não é louco. 

Ele é um líder de torcida, de gangue, de facção, de seita, que só se preocupa em manter a liderança sobre o seu rebanho, nada mais. Portanto, os atos do Presidente, embora pareçam, não são tresloucados: estão todos articulados estrategicamente para preservar o discurso e o poder sobre a sua facção. Como bem cabe à simbologia do fascismo, para manter a união inquebrantável do seu grupo.

Assim eu entendo estrategicamente o pronunciamento de ontem. No fundo, o Presidente celebra secretamente tudo o que prefeitos e governadores estão fazendo sem que ele mova uma palha, sem que se comprometa nem assuma responsabilidades, mas publicamente está preparando a narrativa para jogar nas costas deles a culpa pelo colapso econômico que virá depois.  

Com suas ações, governadores, prefeitos e a imprensa provavelmente irão achatar a curva de contágio que talvez nos afaste do que ocorreu na Itália, confirmando a tese do próprio Bolsonaro de que no Brasil seria diferente, e então o ele poderá dizer depois:

- “Viu, não era nada, era só uma gripezinha, mas esta atitude histérica DELES acabou com a retomada do crescimento econômico e do emprego que nós estávamos construindo com as reformas! Desemprego nas alturas? PIB negativo? disparada do dólar? Eu não tenho nada a ver com isso, se tivessem me seguido não estaríamos nesta situação!".

Sem protagonismo político no cenário atual, incapaz de agir e de rever suas posições ideológicas e seus alinhamentos internacionais, a única preocupação dele é ter um discurso para o pós guerra, para se eximir de culpa e preservar a liderança sobre o seu rebanho. É uma atitude ao mesmo tempo de covardia e de canalhice, com um toque de “necropolítica”, porque normaliza como “efeitos colaterais” as mortes que teremos, por serem de velhinhos ou pessoas com comorbidades.

Então, ele não é lunático, louco ou tolo, é um estrategista apostando no “tudo ou nada” para manter-se como líder de sua torcida. E por isso mesmo ele e ainda mais perigoso.

 

* Renato Souza é Professor do Programa de Pós Graduação em Extensão Rural da Universidade Federal de Santa Maria

Edição: Katia Marko