A Frente em Defesa dos Territórios Quilombolas do Rio Grande do Sul, ao lado de outras organizações, diante ao grave quadro de pandemia de coronavírus, enviou uma carta às autoridades das três esferas de governo. O documento denuncia o abandono das comunidades tradicionais diante da situação, apontando que as recomendações internacionais de isolamento e quarentena não são observadas entre suas populações, que seguem nos seus trabalhos normalmente e sem políticas específicas.
“Não há, até a presente data, qualquer planejamento, orientação ou garantias apontadas pelas autoridades que considere a especificidade destas comunidades. Não há pronunciamentos da Fundação Cultural Palmares, INCRA, Ministério da Saúde, Ministério do Planejamento, tampouco, dos órgãos do Estado e do Município de como estão considerando as necessidades de saúde e direitos destes povos”, costa na carta.
No documento, as entidades listam uma série de recomendações aos governos das três esferas. Entre elas: que recursos anunciados para planos de saúde privados sejam revertidos ao SUS para atendimento de comunidades periféricas, apresentação de plano de contingenciamento e estratégias que considerem a vulnerabilidade das comunidades tradicionais e melhoria das condições de trabalho aos profissionais de saúde.
Também apresentam uma série de reivindicações, entre elas: revogação do teto de gastos; reforço do SUS e equipagem dos postos e UBS; ampla testagem, com kits reservados para territórios quilombolas urbanos; dispensa remunerada para trabalhadores; EPI para quem seguir trabalhando; cesta básica e renda básica; regularização do fornecimento de água e energia elétrica nos territórios e anistia das contas de consumo pelo período da pandemia.
Confira o documento:
Carta às Autoridades
Os governos nas três esferas de Estado estão conscientemente utilizando o coronavírus como arma biológica contra a maioria afro-indígena do país.
Nos recusamos a sucumbir!
A Frente em Defesa dos Territórios Quilombolas/RS, junto a outras organizações, diante ao grave quadro de pandemia que estamos passando e as recomendações internacionais de ficarmos em isolamento e quarentena, observa a inviabilidade desta ação para alguns corpos. Constatamos que a maior parte das Comunidades Quilombolas em contexto Urbano é composta por pessoas trabalhadoras da construção civil, da segurança, empregadas domésticas, diaristas, ou que atuam como trabalhadores informais. Estas continuam trabalhando normalmente, ou seja, não está sendo respeitada a quarentena estipulada pelas autoridades. Sendo trabalhadores informais, ou de setores que ignoram algumas condições trabalhistas igualitárias, nenhuma garantia de renda lhes é assegurada. Não há, até a presente data, qualquer planejamento, orientação ou garantias apontadas pelas autoridades que considere a especificidade destas comunidades. Não há pronunciamentos da Fundação Cultural Palmares, INCRA, Ministério da Saúde, Ministério do Planejamento, tampouco, dos órgãos do Estado e do Município de como estão considerando as necessidades de saúde e direitos destes povos. Frisamos que a ausência de pronunciamento se refere, também, às Comunidades Quilombolas em contexto Rural.
Nós por meio desta Carta manifestamos medidas que devem ser adotadas numa política de controle da pandemia, algo contrário a isso é identificado por muitos povos, comunidade científica e outras nações, como genocídio em massa. Reforçando a representação já apresentada ao MPF no RS no dia 18 de março de 2020, manifestamos os seguintes termos:
1º - Que a alocação de recursos no montante de R$ 10 bilhões, anunciada pelo Ministro da Saúde para planos de saúde privado, seja carreada para o SUS. Definindo como prioridade a contenção da pandemia em comunidades periféricas, como Quilombos Urbanos e Rurais, Aldeias, Favelas e Sistema Prisional.
2º - Que os órgãos competentes, Ministério da Saúde, Cidadania, INCRA, Fundação Cultural Palmares, Governo do Estado e Secretarias, entre elas o CODENE no RS, e Governo Municipal e Secretarias e Gabinete do Povo Negro no que se refere à Porto Alegre, apresentem num prazo de 5 dias, o plano de contingenciamento, que considere o quadro específico de vulnerabilidade das Comunidades Tradicionais. Envolvendo estratégias para garantia do acesso à água, energia elétrica e alimentação de qualidade.
3º - Com relação ao quadro dos profissionais de saúde da ponta, é importante frisar a disponibilidade e despojamento dos mesmos ante às péssimas condições às quais são expostos. Portanto, é exigência fundamental e obrigatória o fornecimento de toda estrutura e proteção para que possam desempenhar esta missão. É fundamental a manutenção de todas e todos empregados públicos do IMESF, bem como a chamada de todos e todas concursadas das referidas áreas, combinado com a exigência de EPIs para todos e todas; e que se proceda a ampla testagem.
4º - Não podemos admitir que o isolamento transforme Quilombos, Aldeias, Cadeias, Periferias e Comunidades em campos de morte e extermínio. Entendemos que a ausência de planejamento e compromisso dos órgãos estatais é consciente e visa, justamente, eliminar parte da população considerada como um estorvo para o sistema. Essa é a Necropolítica que está em operação, expressas, por exemplo, nas hipóteses de nos confinar em navios. Ou como em Caxias do Sul, deixar ao confinamento da população em situação de rua, sob a vigilância do Exército no Parque de Exposição da Festa da Uva.
No que se refere ao contexto específico de Porto Alegre, a Frente Quilombola RS está fazendo seu papel orientando às famílias nos territórios sobre a gravidade da situação e os cuidados necessários às questões básicas de contenção. Sugerimos a formação de brigadas de saúde nos territórios para o monitoramento in loco. Por outro lado, no que se refere ao isolamento é necessário que olhemos para a realidade dos territórios e das famílias. Levantamos relatos de irmãos e irmãs que trabalham como domésticas, diaristas, cuidadoras e ou empresas terceirizadas e que estão sendo forçados e forçadas a ir para o trabalho sem o fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual. Quando estas pessoas são dispensadas do trabalho ficam sem remuneração. Estamos observando a dispensa das aulas, com o fechamento de escolas sem que se aponte qualquer perspectiva no que se refere à alimentação das crianças. Ou ainda a situação das mulheres indígenas que asseguram a sustentabilidade de suas famílias com a venda de artesanatos no centro de Porto Alegre. Estas famílias estão totalmente desamparadas diante das medidas adotadas de combate à pandemia.
As propostas em nível Federal, defendida pela grande mídia no campo econômico, são de uma bolsa de R$ 200,00 para aqueles da economia informal, de redução de metade do salário com a diminuição da jornada de trabalho, antecipação de parcela do 13º, das férias, FGTS. Ou seja, os trabalhadores ficam pela sorte de suas próprias economias, enquanto há resgates financeiros estratosféricos para a garantia dos imensos lucros dos endinheirados empresários. As medidas, segundo uma "economista" na Globo News, devem ser ampliadas para redução à metade dos salários dos empregados e servidores públicos. Enquanto isso dois milhões de trabalhadores estão na fila para aposentadoria. O Governo Federal divulga a ampliação do Bolsa Família, mas na verdade cortaram 150.000 benefícios no Nordeste.
Nesse sentido é fundamental que nos territórios construamos as Brigadas em defesa de nossas vidas, devemos fortalecer a organização nos territórios, fortalecer os laços comunitários e articulação entre os territórios e pautar a partir de nosso ponto de vista órgãos como a CONAB, INCRA, FUNAI, as SECRETARIAS DE ESTADO, MINISTÉRIO DA SAÚDE, PREFEITURAS, Tribunais Regionais do Trabalho, além da articulação com Sindicatos, como Sindidoméstica, Sindisaúde, SIMPA, SEPERGS, bem como entidades Comunitárias Periféricas no que se refere às condições e garantias fundamentais. Demos um passo importante com a representação, mas como as estratégias do capitalismo ultrapassaram os limites, nós também vamos ir além.
Em tempo, cabe referir que o Ministério da Saúde recebeu uma notificação sobre o prazo de cinco dias para informar ao Ministério Público Federal qual o planejamento da pasta para atender às favelas e periferias das cidades brasileiras no contexto do combate ao novo Coronavírus. O pedido de informações foi feito nesta quinta-feira (19 de março) pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF). O documento destaca que favelas e periferias espalhadas em diversas cidades do país apresentam alta densidade populacional, casas muito próximas e limitações estruturais para garantir o isolamento adequado em caso de contaminação pelo vírus responsável pela COVID-19. Reforçamos tal requerimento e o ampliamos no que se refere aos Quilombos, Aldeias, População em Situação de Rua e em Privação de Liberdade.
Exigimos e nos comprometemos com combate à Pandemia e às demais mazelas que recaem sobre o nosso Povo!
Reivindicamos:
- Fim da PEC 95/Teto dos Gastos Públicos;
- Incentivo do parque instalado para produção de equipamentos médicos, hospitalares e EPIs;
- Disponibilização e ampliação de leitos de UTI e com ventilação mecânica;
- Equipagem dos Postos e UBS, ampla testagem e reserva de 1000 Kits para os Territórios Quilombolas Urbanos; Manutenção dos empregados e empregadas públicas do IMESF e a chamada de concursados.
- Cesta Básica Mensal incluindo itens de limpeza e higiene durante toda quarentena;
- Renda básica Universal de RS 1.500,00 reais mensais para todos/as os/as trabalhadores/as informais e famílias Quilombolas e Indígenas e População em Situação de Rua e em Privação de Liberdade;
- Dispensa remunerada, sem redução de salários ou qualquer prejuízo aos trabalhadores e trabalhadoras formais e informais, para que as exigências de precaução e combate ao COVID-19 sejam cumpridas;
- Para aqueles e aquelas que se mantiverem trabalhando a obrigatoriedade de fornecimento de EPIs, bem como no que se refere ao transporte a disponibilização suficiente do serviço, evitando a lotação e devidamente higienizados;
- Regularização do fornecimento de água e energia elétrica nos territórios;
- Anistia e não cobrança durante toda a quarentena dos serviços de telefonia e internet, com a manutenção dos mesmos;
- Suspensão de todos os prazos na Justiça Federal e Comum que envolvam despejos e reintegrações de posse que impactem os referidos territórios;
- Ficaremos vivos, vivas e fortes!
Assinam esta Carta:
Quilombo da Família Silva
Quilombo dos Alpes
Quilombo da Família Flores
Quilombo Fidelix
Quilombo dos Machado
Quilombo da Família Lemos
Quilombo Morro Alto
Quilombo Beco dos Colodianos
Ylê de Oxum e Ossanha
Comunidade indígena Tekoa Jata'i Ty em Cantagalo Viamão
Comunidade indígena Tekoa Pindo Mirim em Itapuã Viamão
Conselho Indigenista Missionário- CIMI-Sul
Movimento Nacional da População em Situação de Rua
Utopia e Luta
Alicerce
Amigos da Terra Brasil
Resistência Popular
Repórter Popular
Ocupação Baroneza
Centro de Referência Afro Indígena Baroneza
Frente Quilombola RS
Edição: Marcelo Ferreira