“Apresentaremos ao mundo tudo o que já foi feito para abrir caminho para uma nova era para as atividades de mineração no Brasil”.
Esta foi a promessa feita pelo secretário de Geologia e Mineração do Ministério de Minas e Energia (MME), Alexandre Vidigal, na abertura do “Brazilian Mining Day” durante a 88ª Convenção da PDAC, o maior evento de mineração do mundo, realizado no início de março no Canadá.
Enviado pelo ministro Bento Albuquerque, que acertou a delegação brasileira em reunião em janeiro com a embaixadora Jennifer May, Vidigal liderou uma comitiva que foi ao Canadá abrir definitivamente as fronteiras do Brasil para empresas de mineração de todo o planeta.
Representantes do governo Bolsonaro e lobistas do setor ofereceram uma série de garantias aos investidores. Vidigal expressou o “profundo compromisso” do governo federal em “promover avanços regulatórios, legais e ambientais que levarão a um cenário de investimentos mais atraente no setor”.
O discurso atraente aos investidores coloca na linha de frente os povos indígenas, comunidades tradicionais e grandes faixas de vegetação ainda preservada na Amazônia e no Cerrado. O Brasil é um dos únicos três países que patrocinam a conferência internacional de mineração, considerada uma “grande roda de negócios” do setor.
Enquanto as reuniões aconteciam no Canadá, o coronavírus já se espalhava. Em 15 de janeiro o país criou um centro de emergência para responder à pandemia. O Canadá confirmou a primeira morte pelo coronavírus em 9 de março. O PDAC, que atraiu milhares de pessoas de dezenas de países, acabou no dia 04 do mesmo mês. Posteriormente, o evento registrou pelo menos um participante que testou positivo para a doença.
O ministro Bento Albuquerque, que tem se dedicado a receber lobistas da mineração, não foi ao Canadá mas integrou a equipe de Bolsonaro nos Estados Unidos na semana passada, e acaba de ser diagnosticado com o coronavírus. É o 17º caso confirmado entre os presentes na viagem. Na última sexta, 13, Albuquerque se reuniu com o atual presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo.
Foco em mineração em terras indígenas
Provando novamente que a liberação da exploração mineral em terras indígenas é um dos focos do seu mandato e o PL 191/2020, encaminhado ao Congresso, é uma ameaça concreta, a comitiva brasileira em Toronto reforçou promessas feitas já no PDAC 2019, quando apresentou as intenções ao mercado mundial.
Na pauta do encontro de Vidigal com o diretor-geral do centro de Pesquisa para Mineração do Governo do Canadá, Magdi Habib, “as prioridades de cada país para o setor mineral, com ênfase em mineração em terras indígenas”. Cerca de 95% da mineração no Canadá é realizada dentro de terras indígenas.
E o governo brasileiro está empenhado em trazer essa “expertise” para cá. “O Canadá é referência de experiência bem-sucedida”, celebrou Vidigal. Entre os encontros do secretário de Geologia do MME constaram também reuniões com o presidente da Associação de Mineração do Canadá, Pierre Gratton.
Empresas como a canadense Belo Sun, que trabalha para abrir a maior mina de exploração de ouro a céu aberto no Pará, em conflito direto com povos indígenas, tem interesse real no cenário. Outra canadense, a Kinross, já explora a maior mina de ouro atual do Brasil, em Paracatu (MG), e não consegue garantir a estabilidade de uma barragem de rejeitos 60 vezes maior que a de Brumadinho.
“A perspectiva é de reverter uma situação em que quase 40% do território brasileiro se encontrava indisponível para a pesquisa e o desenvolvimento de mineração. A abertura de novas áreas para a atividade aumenta significativamente a perspectiva do país no setor. Isso abriu os olhos dos investidores durante o PDAC”, comemorou Wilson Brumer, presidente do Conselho Diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM). Esses 40% são justamente os 117 milhões de hectares de terras indígenas, boa parte delas repletas de requerimentos minerários de grandes empresas.
Só no caso dos povos indígenas isolados, por exemplo, são 3773 requerimentos minerários que afetam 31 Terras Indígenas e 17 Unidades de Conservação que possuem 71 registros de povos indígenas isolados em seu perímetro.
“Arca do tesouro a ser aberta”
“The dawn of new exploration opportunities” diz o documento oficial da programação do “Brazilian Mining Day” no PDAC 2020.
As atividades tiveram a participação direta de empresas mineradoras contando seus “cases de sucesso”: Nexa, Bemisa, Meteoric Resources, Centaurus Metals, Bahia Mineração, Big River Gold, Serabi Gold, Equinox Gold, Ero Copper, Appian Capital, Sigma Lithium e Samarco se juntaram a representantes do MME, Apex, BNDES, Agência para o Desenvolvimento Tecnológico da Indústria Mineral Brasileira (ADIMB), ANM, Secretaria Especial do Programa de Parcerias de Investimentos (SPPI) e outros.
Na pauta, “cenários estratégicos” que incluem “um novo financiamento para o setor” oferecido pelo BNDES, as condições especiais ofertadas pelo governo a empresas privadas, os resultados de investimentos de empresas de diversos portes e porquê escolher o Brasil, projetos em estado avançado e descobertas de reservas recentes, novas fronteiras de exploração e oportunidades futuras.
“O Brasil se destaca como um país com ainda muito a ser explorado, uma verdadeira arca do tesouro esperando ser aberta”, destaca o documento.
CEO da Samarco falou sobre “sustentabilidade”. 4 leilões previstos para 2020
Rodrigo Alvarenga Vilela, CEO da Samarco, empresa controlada por Vale e BHP, as maiores mineradoras do mundo e que causaram o maior crime ambiental da história do Brasil no rompimento da barragem em Mariana em 2015, foi convidado para falar sobre “sustentabilidade e boas práticas” no setor durante o encontro.
Vilela comanda o retorno das operações da Samarco em Minas Gerais, prevista para acontecer até o fim de 2020 após a autorização dos órgãos responsáveis por 10 votos favoráveis e apenas 1 contrário.
Já os “pontos positivos” citados por representantes de mineradoras variam. Para Mike Hodgson, da Serabi Gold, que quer dobrar sua produção de ouro para 100.000 onças anuais no estado do Pará, na região do Tapajós, o apoio local faz a diferença. “Estamos em uma área onde a mineração está realmente sendo estimulada”, celebrou. A Serabi tem ações cotadas na Bolsa de Valores de Londres e de Toronto.
O diretor executivo da Big River Gold, Andrew Richards, destacou a “estabilidade” como vantagem de operar no Brasil, enquanto o CEO da Bahia Mineração, Eduardo Ledsham, lembrou que as taxas de câmbio são favoráveis.
O diretor geológico da Ero Copper, Mike Richard, elogiou a interlocução entre o governo e a indústria. “Desde que você demonstre estar avançando no projeto e encontrando recursos, terá um ótimo relacionamento com os ministérios”.
Sem perder tempo, o governo federal engatilhou também uma série de projetos com a iniciativa privada que contarão com o apoio do Serviço Geológico do Brasil (SGB), que já identificou depósitos minerais. O programa fornece suporte aos investidores, incluindo etapas de pesquisa, transferência de propriedade e implementação do projeto.
Quatro projetos do SGB, nos estados da Paraíba (fosfato), Goiás (cobre), Rio Grande do Sul (carvão) e Pará (caulim) irão a leilão em 2020.
Investimentos de US$ 32,5 bilhões até 2024. ANM acelera liberação de pesquisas minerais
O IBRAM reúne empresas responsáveis por mais de 85% da produção mineral brasileira. Wilson Brumer foi uma das lideranças da delegação brasileira que participou do evento em Toronto. O executivo, ainda mais direto, não conteve a sua empolgação com os acordos fechados e os negócios encaminhados.
“O conjunto de informações sólidas que a delegação do Brasil apresentou aos participantes do PDAC irá motivar uma marcante expansão nos negócios do setor nas próximas décadas”, afirmou Brumer, para quem as vozes do governo federal, da Agência Nacional de Mineração, dos executivos de mineradoras com atuação global e os das entidades de mineração estiveram “unificadas”.
Entre os acordos fechados, o IBRAM assinou um Memorando de Entendimento com as bolsas de valores Toronto Stock Exchange (TSX) e a TSX Venture Exchange (TSXV). Algumas das iniciativas incluem mais empresas brasileiras listadas nas bolsas de valores canadenses, a identificação de “projetos atraentes” e uma agenda conjunta que inclui conferências para atrair investidores.
O IBRAM projeta que o valor dos investimentos no setor de mineração brasileiro deverá ser de US$ 32,5 bilhões no período 2020-2024, um aumento de 18% nos investimentos em comparação com a previsão para 2019-2023 (US$ 27,5 bilhões). Flávio Penido, diretor-presidente do IBRAM, disse que “apenas 30% dos 8,5 milhões de km2 do Brasil têm pesquisa geológica adequada para mineração, o que representa enorme potencial para novos investimentos”. O Brasil já possui mais de 9 mil minas legalizadas em atividade.
Na avaliação de Brumer, “as questões regulatórias chamaram muito a atenção” porque a Agência Nacional de Mineração está “promovendo mudanças muito positivas para agilizar os processos técnicos que envolvem todas as fases da mineração industrial”. Ou seja: a tendência é que requerimentos de pesquisa, lavra e exploração sejam liberados com mais rapidez em uma ANM já sucateada e sem capacidade para cumprir o seu papel fiscalizador.
Para acelerar esses processos, em fevereiro, a Agência instituiu um período máximo de 120 dias para anunciar a liberação ou veto dos requisitos de pesquisa mineral. Se a agência não responder até o final deste período, o pedido será aprovado. Até então, não havia prazo para análise. Com a medida, os processos que poderiam durar anos serão resolvidos em apenas quatro meses. “Nosso objetivo é ir além e liberarmos estes requerimentos em até 34 dias”, afirmou Tomás de Paula Pessoa, diretor da Agência.
A ANM tem o objetivo expresso de implantar mais de 20.000 novas áreas para exploração por meio de ofertas públicas e leilões eletrônicos. “É uma meta alcançável. Estamos trabalhando dentro da política de liberdade econômica do governo brasileiro. Nosso objetivo é reduzir o fardo regulatório, ação crucial para a atração de investimentos para o Brasil“, completou Pessoa.
Em coro, Brumer, do IBRAM, listou até os “depósitos de classe mundial” que a delegação brasileira colocou à disposição dos investidores estrangeiros. As “grandes províncias minerais de diversidade geológica inigualável”, como foram anunciadas, como minério de ferro, cobre, ouro, manganês, níquel, estanho, molibdênio, vanádio, zinco, cromo, potássio, bauxita, terras raras e outros.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recentemente fechou acordo com a ANM para assessorar a Agência na “revisão do estoque e redução do fardo regulatório”, diagnosticando as normas, avaliando o que precisa ser mantido e ajudar na “identificação dos atos normativos que serão revogados ou reescritos”.
“Estamos retomando o processo disponibilidade de áreas, através das ofertas públicas, o que vai permitir ao setor uma gama de novas áreas para pesquisa e lavra, reaquecendo o setor e dando vazão a uma demanda reprimida enorme”, afirmou outro diretor da ANM, Tasso Mendonça.
Enquanto a pandemia do coronavírus paralisa o país com consequências ainda imprevisíveis e o Brasil sofre uma das maiores recessões da sua história, grandes multinacionais da mineração avançam em projetos que contam com a assistência técnica, financeira e política do governo Bolsonaro.
Fonte: Observatório da Mineração
Edição: Katia Marko