Rio Grande do Sul

Covid-19

Coronavírus provoca apagão na cultura. Estado quer compensar artistas

Secretaria de Cultura revela que o governo busca maneiras de compensar os artistas contemplados pelo FAC e pela LIC

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Sala de exibição da Cinemateca Capitólio - Guillherme Lund/Divulgação Capitólio

> Secretaria de Cultura do Estado revela que busca maneiras de compensar os artistas contemplados pela Lei de Incentivo à Cultura e pelo Fundo de Apoio à Cultura

> Fundação Bienal do Mercosul cancela todos os eventos públicos da edição de 2020 da megamostra

> Fronteiras do Pensamento estuda alternativas para manter a programação prevista para este ano

> Opinião Produtora, Opus Entretenimento e Virada Sustentável avaliam novas datas

> Artistas debatem alternativas para manter apresentações em meio às restrições de socialização

Atualização: a partir desta quarta-feira (18/03), a Secretaria de Estado da Cultura suspende todas as atividades nas instituições culturais da rede estadual, pelo período de duas semanas, que poderá ser prorrogado em caso de necessidade. Ficam, portanto, suspensos espetáculos, visitação, pesquisas, ensaios e demais atividades e atendimentos ao público em todas as instituições a seguir: Arquivo Histórico do RS, Biblioteca Leopoldo Boeck, Biblioteca Lígia Meurer, Biblioteca Pública do Rio Grande do Sul, Biblioteca Romano Reif, Cinemateca Paulo Amorim, Casa da Música da OSPA, Casa de Cultura Mario Quintana, Hub Criativa Birô, Instituto Estadual do Livro, Museu Antropológico do RS, Museu Arqueológico do RS (em Taquara), Museu de Arte Contemporânea - MAC, Museu de Arte do Rio Grande do Sul - MARGS, Memorial do Rio Grande do Sul, Museu do Carvão (em Arroio dos Ratos), Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, Museu Histórico Farroupilha (em Piratini), Museu Julio de Castilhos, Parque Histórico Bento Gonçalves (em Cristal), Teatro de Arena e Theatro São Pedro.

As recomendações de prevenção ao novo coronavírus e a perspectiva de que as restrições de aglomerações se mantenham por semanas geram um cenário de incerteza entre produtores culturais e artistas que atuam no Estado. Embora ainda não haja casos oficiais de contaminação comunitária pelo Covid-19 no Rio Grande do Sul, os Executivos estadual e municipal já determinaram restrições ao uso de seus espaços ao longo das próximas semanas. Em paralelo, os profissionais do setor redefinem suas programações em busca de alternativas para lidar com esse cenário. 

O presidente da Fundação Bienal do Mercosul, Gilberto Schwartsmann, antecipou em primeira mão à nossa reportagem que, por ora, todos os eventos públicos da edição de 2020 da megamostra foram cancelados, assim como as viagens de artistas convidados a participar das exposições. “A curadoria fará adaptações, utilizando tecnologia virtual, para transformarmos esta mostra numa inspiração para novas alternativas de comunicação artística.”

O diretor-executivo do Fronteiras do Pensamento, Pedro Longhi, conta que o momento é complexo, entre outros fatores, pela dificuldade de garantir datas nas programações dos espaços que têm condições para acolher o evento. As palestras iniciais, marcadas para os meses de maio e junho, em Porto Alegre e São Paulo, serão o primeiro foco de atenção para eventuais adiamentos.

“Estamos estudando todas as alternativas possíveis, bem como aguardando as orientações governamentais para propormos a melhor equação para os clientes. Creio que em uma semana teremos um panorama mais realista”, afirma Longhi.

A venda de entradas do Fronteiras começou no dia 10 de março e segue sendo realizada. A central de atendimento do evento está atendendo quem já comprou ingressos, explicando as medidas que estão sendo adotadas e oferecendo reembolso quando solicitado.

Carlos Branco, diretor da Branco Produções, conta que, além das informações locais, acompanha as notícias internacionais sobre o avanço do Covid-19, já que muitos eventos dependem da vinda de artistas de outros países. No momento, a produtora está adiando e cancelando apresentações que estavam programadas até a metade de maio. 

“O impacto é enorme, possivelmente a maior parte das empresas da área cultural fique sem faturamento durante meses, já que não haverá entrada de receita de ingressos nem patrocínios. Esse impacto vai ser sentido de forma mais forte a partir de maio”, prevê Branco.

O produtor também destaca a importância de assistência financeira ao meio cultural nesse momento: “Já se começa a falar em apoio às companhias aéreas e outros setores. Em nenhum momento se ouve falar em alguma medida para o setor cultural, que tem um peso importante no PIB nacional”.

Responsável pelos eventos realizados no bar Opinião, no Pepsi On Stage e no Auditório Araújo Vianna, a Opinião Produtora divulgou nota em que afirma estar “negociando com todos os artistas novas datas para os shows que seriam realizados ainda no mês de março”.

Quanto às apresentações previstas para o mês de abril, a produtora se pronunciará em breve, a partir da análise do cenário de contaminação no país. Ingressos já vendidos seguirão valendo para as novas datas ou como crédito para outros eventos.

A Opinião Produtora traz ainda um apelo para que o público não cancele suas compras. “Os eventos culturais compreendem uma cadeia produtiva que envolve diversas pessoas, de empresas terceirizadas para prestação de serviços à contratação de profissionais freelancers”, informa o comunicado.

De modo semelhante, a Opus Entretenimento incentiva que os clientes mantenham a compra de seus ingressos até a definição de novas datas. A produtora divulgou que sua programação “será adiada por período ainda indeterminado”.

Produtor-executivo da Virada SustentávelVitor Ortiz afirma que a organização do festival cogita reagendar o evento para o mês de outubro ou novembro de 2020 – a Virada estava prevista para ser realizada de 3 a 5 de abril. A confirmação de novas datas vai depender dos acontecimentos das próximas semanas. Enquanto isso, a organização consulta locais que possam acolher o evento no segundo semestre.

Além das recomendações para evitar aglomerações e dos custos de uma eventual mudança de data na última hora, Ortiz explica que o adiamento das atividades no Centro Cultural da UFRGS e em espaços do Estado foram decisivos para optar pelo adiamento.

Na visão de Ortiz, falta um posicionamento mais claro sobre redefinições de datas em espaços culturais geridos pelo Estado. “Não estamos pleiteando indenização, mas acho que está faltando orientação explícita”, afirma.

Os mais prejudicados, no entanto, segundo o produtor, são os artistas: “Mesmo que o evento se realize no segundo semestre, eles perderam uma sexta, um sábado e um domingo, quando poderiam estar faturando algum outro cachê”.

O produtor Carlos Badia – responsável, entre outros eventos, pelo Bento Jazz & Wine Festival, programado para ser realizado entre 27 e 29 de março e recentemente cancelado – ressalta a importância de medidas mais rígidas para evitar aglomerações e do apoio aos profissionais do setor.

“É absolutamente natural, além de uma atitude solidária para com a coletividade, que produtoras, eventos e casas de espetáculos tenham optado por esse caminho”, defende. “É preciso também gerar ânimo nas pessoas, nos grupos, nos coletivos. Especialmente na área cultural, que tem sofrido ataques de todos os tipos.”

Para Badia, a crise provocada pelo vírus também deve ser vista como uma oportunidade. “Sinto que muita gente tem procurado se engajar em busca de alternativas e soluções. Precisamos detectar oportunidades, criar pontes, inventariar possibilidades.”

Brechas e novos caminhos

Diante de um cenário restritivo que pode se prolongar por meses, uma das oportunidades que vem à tona são as transmissões de apresentações via streaming. O músico Arthur de Faria cita a Filarmônica de Berlim como exemplo desse tipo de iniciativa – a orquestra fará transmissões ao vivo de seus concertos pela internet. “É a única opção que se vê”, explica o compositor. Segundo Arthur, a possibilidade de transmissões online pagas vem sendo discutida por artistas gaúchos nos últimos dias.

A atriz Liane Venturella, uma das atrizes – e tradutora do texto – do espetáculo O Palácio do Fim, que estreou na última quinta, na Galeria La Photo, conta que desde sábado foram adotadas medidas como a redução do limite de público (de 25 para 12 pessoas) e um distanciamento de um metro entre as poltronas, além de maior ventilação e higienização do espaço. O grupo está avaliando se realizará apresentações especiais para quem não conseguiu assistir à peça e estuda alternativas como a gravação em vídeo da montagem.

Liane vê com preocupação o momento atual e os meses que vêm pela frente. “São tempos tristes”, define. Embora abismada, reforça sua confiança na arte. “Ela vai encontrar brechas, mesmo nessa situação. Serão outros caminhos, mas a arte não para. De alguma outra forma – ou da forma possível – ela continuará”.

Estado avalia “alternativas para minimizar o impacto” a artistas beneficiados por LIC e FAC

Ainda sem oferecer detalhamento sobre a ideia, a secretária-adjunta de Cultura do Rio Grande do Sul, Carmen Langaro, revela que o governo do Estado busca maneiras de compensar a classe artística em meio à crise que deve se instalar em razão do coronavírus: “Estamos estudando alternativas especialmente para minimizar os impactos nos projetos que se utilizam da Lei de Incentivo à Cultura e do Fundo de Apoio à Cultura”. A pasta também garante estar atenta às necessidades dos “grupos selecionados nos editais de ocupação pública de alguns espaços” públicos. E prevê ainda a substituição de eventos e “ações presenciais por virtuais, utilizando a internet”.

O SATEDRS (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos e Diversões comunicou que a entidade “está lutando para que vereadores, deputados estaduais e federais pressionem o governo ou usem seus orçamentos de emendas parlamentares para criar um fundo de amparo aos trabalhadores da cultura por reconhecimento a seus trabalhos prestados no desenvolvimento do setor”.

Município assegura temporadas a grupos selecionados por editais

Com espaços culturais fechados desde o sábado por orientação das equipes municipais de Saúde, a Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre garante que grupos selecionados através de editais para se apresentarem em teatros ou salas públicas terão suas temporadas asseguradas, quando o funcionamento voltar à normalidade.

“A suspensão temporária da programação é um impositivo da situação. O vírus vai se espalhar pelo Brasil em proporções alarmantes nas duas próximas semanas, dizem os especialistas da Saúde. Correto, nessa circunstância, não colaborar para a aglomeração de público. Mas não seria correto prejudicar grupos que legitimamente, através de edital, ganharam o direito de uso. Assim que a situação estiver sob controle, e a Saúde liberar,  os teatros voltam a funcionar com os grupos que adquiriram esse direito, em ordem cronológica, sem necessidade de concorrerem a novo edital”, garante o titular da Cultura de Porto Alegre, Luciano Alabarse.

O cancelamento de atividades culturais determinado em Porto Alegre impactou a programação regular de espetáculos e também atividades extraordinárias - caso da 248º Semana de Porto Alegre, que seria realizada de 19 a 29 de março. Com isso, o espetáculo Un pied avant d’autre (Um pé depois do outro), da companhia de dança francesa Scalène, agendado para os dias 24 a 28 de março, foi cancelado.

As pinacotecas municipais também fecharam suas portas, entretanto, a coordenação de artes plásticas informou, através das redes sociais, que seguirá trabalhando para a divulgação dos acervos na internet. “Nosso espaço físico estará fechado, mas isso não significa que as pinacotecas não estarão presentes no dia a dia do público”, diz o comunicado, que convida os cidadãos a seguirem os perfis da Pinacoteca Aldo Locatelli e da Pinacoteca Ruben Berta.

O caso do Atelier Livre Xico Stockinger, que envolve matrículas de alunos, estava sendo discutido a portas fechadas com a coordenação e até o fechamento dessa reportagem, não havia definição de novo calendário.

Cronograma para terceirizações está mantido, mas reuniões com críticos não

Embora os espaços estejam fechados, aqueles que são alvo de projetos de terceirização administrativa - ou, como a prefeitura prefere chamar, contratualização – seguem com os cronogramas dos editais sem alteração. No caso do Atelier Livre e Pinacoteca Ruben Berta, cuja seleção já está em andamento, houve um adiamento da etapa de apresentação de propostas, agora aberta até o dia 07 de abril – mas segundo a assessoria da Secretaria Municipal de Parcerias Estratégicas, a alteração não está relacionada à epidemia de coronavírus.

Já o edital da Cinemateca Capitólio, que tem previsão de lançamento ainda em março, nada se altera, segundo a pasta. Entretanto, de acordo com a SMC, as reuniões para debater as terceirizações com entidades críticas ao modelo estão suspensas temporariamente, por envolverem “aglomeração de pessoas”.

Edição: Katia Marko