Revogar o teto dos gastos é urgente e absolutamente necessário
Prezados parlamentares, deputadas e deputados federais, senadoras e senadores da República: o povo brasileiro está sendo convocado a colaborar com o enfrentamento do coronavírus. O próprio Congresso Nacional e diversas outras casas legislativas já restringiram o acesso da população às suas dependências. Diante deste cenário, espera-se dos senhores e senhoras parlamentares que não votem nenhuma reforma que desestruture o Estado estabelecido na Constituição Federal de 1988.
O ministro Paulo Guedes já manifestou sua clara intenção de se aproveitar da situação de exceção que estamos vivendo para aprovar rapidamente as suas propostas de reformas que, praticamente, extinguem o Estado de Bem-estar, inclusive relativizando a própria responsabilidade do Estado na garantia do direito à Saúde e de todos os demais direitos sociais. Sem o povo presente, senhores parlamentares, não há democracia e o ministro parece ainda não ter compreendido a gravidade deste momento.
Em relação ao coronavírus, praticamente, tudo já foi dito. Todos os cuidados sugeridos pelos cientistas e profissionais da saúde servirão, não para evitar o contágio, mas para garantir que o mesmo se dê em tempo mais elástico e menos concentrado, o que impediria de colapsar de vez o sistema de Saúde pública, como já está acontecendo em outros países. A experiência internacional nos indica o que deve e o que não deve ser feito. O volume de atendimento no sistema de saúde tem limite estabelecido pelos recursos alocados no setor e é justamente neste ponto que eu gostaria de focar este apelo, destacando o importante papel destinado aos senhores e senhoras no enfrentamento desta inesperada crise social e humanitária.
Primeiramente, convém ressaltar que desde a promulgação da Emenda Constitucional 95, em dezembro de 2016, os recursos alocados na Saúde só vêm caindo. De 2018 a 2020, a estimativa de perda de recursos é de quase R$ 30 bilhões. A Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento, do Conselho Nacional de Saúde, já havia calculado que até 2036, o SUS deixaria de receber R$ 434 bilhões do governo federal. Mesmo sem essa presença indesejada do coronavírus, a falta de recursos na saúde pública já ameaçava colapsar em breve todo o sistema de atendimento à população.
Neste momento de urgente mobilização social para evitar a propagação do vírus, impõe-se que sejam retomadas as discussões sobre as questões fiscais do país, e isso exige coragem e espírito republicano dos senhores e senhoras para, inclusive, rever algumas medidas que foram adotadas no passado, como a própria Emenda Constitucional 95. Coragem e espírito republicano que, aliás, os senhores e senhoras já demonstraram recentemente quando derrubaram o veto do presidente da República ao projeto de elevação do nível máximo de renda para ter direito ao BPC [1].
Caros congressistas: Por mais eficientes que sejamos na contenção dessa epidemia, certamente nosso sistema de proteção não se encontra adequadamente estruturado para atender a população afetada. Em outros países, com mais recursos disponíveis, como a Itália, Alemanha e Espanha, a epidemia já escancarou de forma dura as suas carências estruturais. No Brasil, temos um dos sistemas de saúde mais complexos do mundo, mas a falta de recursos tem sido um limitador importante da nossa capacidade operacional.
A principal medida, que afetou negativamente essa capacidade do sistema, como já dito acima, foi, sem dúvida, o congelamento dos gastos primários, aprovado em 2016. O regime de congelamento de gastos é absolutamente incompatível com o momento emergencial que vivemos. É preciso revogar urgentemente a EC 95/2016, e este é o momento, pois num estado de epidemia, todos os esforços devem estar voltados à contenção do seu avanço e isso só se faz com o fortalecimento das estruturas de proteção e controle do Estado.
Revogar o teto dos gastos é urgente e absolutamente necessário, mas não é suficiente para a solução dos problemas que se apresentam. Assim, precisamos também ampliar nossas fontes de financiamento para as políticas públicas e, neste aspecto, já há estudos suficientes que demonstram que a revogação da isenção do Imposto de Renda das Pessoas Físicas dos lucros e dividendos distribuídos, além de ser uma importante medida de justiça fiscal, tem a capacidade de gerar uma arrecadação de aproximadamente R$ 100 bilhões ao ano. Somente esta medida já permitiria mais do que dobrar o investimento previsto na Saúde pública para 2020.
Além disso, outras medidas poderão ser adotadas imediatamente, como a tributação das exportações de produtos primários, a criação de uma Contribuição Social Sobre Movimentações Financeiras e modulação das alíquotas da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido, para aumentar alíquotas das atividades de baixa empregabilidade e alta lucratividade e o fortalecimento do combate à sonegação tributária [2].
Senhoras e senhores Parlamentares: Não será cortando ainda mais os gastos públicos e aprofundando as medidas de redução do Estado, como propõe o ministro da Economia, que vamos vencer o coronavírus. As PECs 186, 187 e 188, que se encontram sob análise do Congresso Nacional, só enfraquecem ainda mais o Estado e suas estruturas e priorizam o interesse do setor financeiro. Todas as reformas propostas pelo governo são reformas que desorganizam os sistemas de proteção social, na contramão, portanto do que a realidade está nos exigindo. Sem Estado Social não seremos capazes de enfrentar as demandas que a realidade já nos impõe, quanto mais, enfrentar situações extraordinárias como esta que estamos prestes a vivenciar.
O combate eficaz a este tipo de ameaça se faz com aumento de recursos e com o fortalecimento da capacidade do Estado, tanto na área da Saúde como da Educação e da pesquisa científica e tecnológica, e não com cortes de gastos.
Prezados e prezadas parlamentares: O momento exige responsabilidade social e humanitária e toda a sociedade brasileira espera que Vossas Excelências cumpram o importante papel de representação do povo que lhes foi delegado. Para salvar vidas, de nada adianta apenas elogiar ou homenagear os profissionais da Saúde, é preciso garantir-lhes todas as condições materiais e estruturais necessárias à sua missão.
[1]BPC - Benefício de Prestação Continuada: valor de um salário mínimo que é garantido a idosos e pessoas incapacitadas com baixa renda.
[2]Todas estas propostas já se encontram consolidadas no estudo sobre a Reforma Tributária Solidária, promovido pela ANFIP e pela FENAFISCO, e foram incorporadas na Emenda Substitutiva à PEC 45, de 2019.
Edição: Katia Marko