O que vai acontecer no resto de 2020?
Os tempos andavam perigosos. Muito perigosos. Eu, pré-adolescente em 1963/64, jovem em 1968, compreendia pouco das coisas e dos acontecimentos – morava no interior do interior do Rio Grande do Sul, Linha Santa Emília, município de Venâncio Aires, recém chegado ao Seminário Seráfico de Taquari. Fui saber-compreender a conjuntura, o golpe e a ditadura em 1971, em Porto Alegre, ao fazer a Faculdade de Filosofia, e via leitura, movimento estudantil, etc. Não muito mais adiante, acabei duramente perseguido pela ditadura e seus aliados: expulsão da PUCRS, demissão como professor em diferentes colégios privados, etc., etc.
Não estamos em março/abril de 1964, ou em 1968. Estamos em março de 2020. E novamente os tempos andam perigosos, muito perigosos. Nem parece que passamos um período de paz e democracia quase plenas, entre 2003 e 2014. Governos populares democraticamente eleitos, uma Nação soberana afirmando-se no mundo, um povo sorridente e feliz: direitos assegurados, direito à moradia, a salário digno, a emprego, até os filhos dos pobres entrando na universidade.
Leio o ‘Xadrez do Pibinho e o futuro desenhado por Guedes e Bolsonaro’, de Luís Nassif (05.03.2020): “Peça 1 – a teoria do choque. O ministro Paulo Guedes apertou o botão do pânico, quando anunciou ter 15 semanas para ‘salvar o Brasil’. Agora, esse tempo começa a se esgotar.”
Segue o Xadrez do Nassif: “Peça 5 – as consequências. Dificilmente, as expectativas resistirão ao anúncio de um PIB de 1,1%. Já havia caído a ficha do próprio Bolsonaro, quando deixou vazar a informação de que havia um prazo para Guedes apresentar resultados. Por outro lado, há um acirramento cada vez maior na opinião pública, com a falta de expectativas econômicas e as provocações permanentes de Bolsonaro, além do estímulo às rebeliões das PMs. Do lado da população, abandono das famílias do Bolsa Família, as filas da Previdência, a uberização.
Os próximos meses serão emocionantes e quem tiver certeza sobre o que ocorrerá, estará mentindo. O país enfrentará momentos decisivos tendo na presidência uma pessoa violenta, acuada e ligada às milícias privadas e públicas.”
O que esperar? Mais um golpe? O caos? Se nem o super bem informado e atilado analista Luís Nassif sabe, ou arrisca algum prognóstico/diagnóstico mais definitivo, que dirá eu!
Aproveitando uns dias de descanso/reflexão na praia da Armação, Sul da Ilha de Floripa, e enquanto como pitangas bem vermelhas de três pitangueiras no pátio da casa onde estou, (re)visito guardados antigos: artigos, relatórios, documentos do SNI, etc. E encontro relato da primeira reunião do Conselho Político Informal da Secretaria Geral da Presidência da República, formado pelo ministro Gilberto Carvalho com lideranças de movimentos sociais e sindicais: 01.02.2012, início do segundo ano de governo da presidenta Dilma Rousseff. Destaco algumas anotações de 8 anos atrás.
Gilberto Carvalho: “O Conselho ajuda com um olhar externo. Ajuda nas cegueiras situacionais, com críticas, sugestões, caminhos pelos quais a Secretaria Geral deve transitar. Precisamos dar um salto de qualidade. Muitas dificuldades. 2012 é um ano peculiar. Queremos dar uma marca de participação, por ser ano eleitoral, ano da Rio + 20, ano importante de consolidação do governo.”
Pe. Júlio Lancelotti, pastorais: ‘Nosso coração está ferido. Brasil tem democracia formal, mas não real. O conjunto do governo tem que ter um eixo que garanta participação, intercâmbio de ideias.”
João Pedro Stédile, MST: “A presidenta Dilma diz que o projeto é combater a desigualdade social. No entanto, falta um projeto que construa mudanças estruturais. A falta de projeto tem várias pernas: responsabilidade do governo, da sociedade, dos movimentos sociais. Estamos num período histórico complexo, com descenso do movimento de massas. O governo deveria pautar as reformas necessárias: política, tributária, urbana, da educação, agrária. Na grande política, ou se retoma este debate, ou nada vai acontecer. Há o monopólio dos dos meios de comunicação social. O que tem na cabeça dos 40 milhões que tiramos da fome e da miséria?”
Artur Henrique, CUT: “Se você, Gilberto, está incomodado com o governo, imagina nós. Nos aspectos positivos, há várias frentes de atuação da Secretaria Geral. Mas a agenda estrutural, estratégica dos trabalhadores empacou. Nas mudanças estruturais, há dificuldade da agenda e pauta social do governo.”
José Antônio Moroni, INESC: “Do ponto de vista da política, há problemas no sentido do projeto de Nação. O país aceitou a agenda na campanha de forma conservadora. Há uma transformação na sociedade que não se sabe onde vai dar.”
Frei Sérgio Görgen, MPA: “Há pouco avanço no campo no campo estrutural. A estratégia é de resistência. Projeto da Secretaria Geral é um oásis dentro do governo. Ver como fortalecer.”
Sugestões dos participantes da reunião do Conselho Informal em fevereiro de 2012.
João Pedro Stédile: “Responsabilidade do trabalho ideológico é nossa. Por isso, precisamos recurso para formação de massa. E fazer trabalho de base, miudinho. Também é preciso retomar campanhas/mutirões por exemplo do analfabetismo, programa de reflorestamento, agroecologia.”
Daniel Rech, CPT: Precisamos reforçar processos organizativos mais consistentes. Avançar com medidas concretas. Fortalecer o poder popular.”
Luís Dalla Costa, MAB: “Precisa formação cidadã de massa, com debate das questões estratégicas.”
José Antônio Moroni: “Precisa fazer leitura crítica dos processos de democracia participativa, com Conselhos, Conferências. A disputa provoca transformação. Na participação popular, colocar também a questão do orçamento público.”
2012-2020: apenas 8 anos. Mesmo com todas as críticas, muita coisa boa estava acontecendo em 2012 e anos seguintes: Conferências de todos os tipos, Políticas nacionais de Educação popular na Saúde, na Economia Solidária, na Juventude, nos Direitos Humanos, na agroecologia e produção orgânica. Houve a promulgação da Política Nacional de Participação Social e do Marco de Referência da Educação Popular para as Políticas Públicas. Estava em formulação a Política Nacional de Educação Popular.
Um golpe interrompeu tudo. E um governo eleito via Fake News, depois do governo golpista, está acabando com todas as políticas sociais e políticas de participação popular. Onde vamos parar, como pergunta o Nassif? Do lado de lá, tem as manifestações do dia 15. Do lado de cá, tem as manifestações dos dias 9, 14 e 18. O que vai acontecer no resto de 2020?
Edição: Marcelo Ferreira