Desde janeiro, uma série de entidades e organizações feministas do campo e da cidade vêm se reunindo para realizar a Jornada Unitária do 8 de Março, que inicia com uma programação cultural na Orla do Guaíba ainda no domingo (8). As atividades serão finalizadas com um ato em memória dos dois anos do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL).
Homenageada no Carnaval do ano passado pela Mangueira, do Rio de Janeiro, e neste ano pela escola Tom Maior, de São Paulo, Marielle tornou-se um ícone da resistência contra a barbárie e a injustiça. Quem mandou matar Marielle? Essa é a pergunta que não cala desde aquela triste noite de 14 de março de 2018.
Recentemente, a ex-companheira de Marielle, Mônica Benício participou de um debate na Universidade Federal da Paraíba, onde destacou o fato de o Rio de Janeiro ser uma cidade dominada pela milícia, que tem uma Câmara dos Vereadores extremamente fundamentalista e um prefeito bispo da Igreja Universal do Reino do Deus, Marcelo Crivella (Republicanos), que não sabe o que significa Estado laico.
“Tem cadeira no Senado, na Câmara Federal, na Assembleia do Rio de Janeiro, na Presidência da República. A milícia é hoje o Estado brasileiro. A milícia não domina apenas território. Faz projeto de poder no país. E não é um projeto de poder que inclui o povo. É pra manter a ordem vigente desses homens brancos, fundamentalistas, machistas, LGBTfóbicos, racistas tudo que a gente já sabe desde que o Brasil começou sua história”, afirmou Monica.
Segundo ela, quando o corpo da Marielle tomba a vida de ninguém aqui está segura. “Todas correm riscos quando o Estado brasileiro não responde quem foi que mandou matar. O corpo da Marielle é um corpo que o Brasil olha e julga um corpo descartável. O corpo da Marielle é um corpo matável no Brasil, é o corpo negro, feminino, favelado, periférico, LGBT. Esse é o corpo que o Brasil mata todo dia”, alertou.
"Tragédia anunciada"
Mônica Benício considera fundamental entender o ano de 2018 em qualquer debate sobre a realidade brasileira. “Um ano que não começa em 2018. A gente vai ter que olhar para o que foi o ano de 2016, o golpe misógino contra a presidenta Dilma, para poder fazer uma leitura”, ressaltou.
Segunda ela, tudo era uma tragédia anunciada, “quando a gente tem um deputado que faz a menção ovacionando um torturador dentro de um plenário e não sai algemado desse plenário, a gente começa a entender que a atual conjuntura não é favorável à democracia", afirma em referência ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
No momento do impeachment de Dilma Rousseff, ainda deputado pelo PSC- -RJ, Bolsonaro homenageou o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do Departamento de Operações Internas (DOI- -Codi).
Assassinato político
Para Mônica, o assassinato de Marielle Franco é emblemático por ser uma ruptura do Estado democrático de direito no Brasil e um recado político daqueles que não querem disputar espaços de poder com corpos como aquele que Marielle representava. “Uma vereadora democraticamente eleita, a segunda mulher mais votada do Brasil, a quinta pessoa mais votada da cidade do Rio de Janeiro com 46.502 votos, Marielle fez uma campanha pautada no fato de ser uma mulher negra e da favela", ressalta.
“O caso da Marielle é um caso emblemático porque ela era uma figura política. E pedir justiça por Marielle, pedir resposta, é dizer que a gente no Brasil, enquanto pessoas que defendem o Estado democrático, não quer que isso aconteça nem com outras Marielles, nem com qualquer outra pessoa nessa sociedade. Enquanto essa resposta não chega, a imagem que o Estado brasileiro passa para a sociedade brasileira e internacional é que se pode matar qualquer um no Brasil", disse.
Mas quem mandou matar Marielle mal podia imaginar que ela era semente, e que milhões de Marielles em todo o mundo se levantariam no dia seguinte.
“Escritório do crime” pode estar envolvido
Dois ex-policiais militares, o sargento Ronnie Lessa e o soldado Élcio de Queiroz, estão presos sob a acusação de terem cometido os assassinatos de Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes. Lessa reside no condomínio Vivendas da Barra no Rio de Janeiro, onde o presidente Jair Bolsonaro também mantém residência.
Segundo laudo da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Lessa autorizou a entrada de Queiroz no condomínio no dia do assassinato da vereadora. Do condomínio ambos partiram juntos até o local do crime, segundo o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ).
Uma das linhas de investigação sobre o assassinato de Marielle e Anderson tem como foco a participação da organização criminosa "Escritório do Crime" com atuação em Rio das Pedras, de onde teria partido o carro utilizado no crime. Apontado como chefe da organização e foragido desde janeiro, Adriano da Nóbrega foi executado no dia 9 de fevereiro na Bahia. Nóbrega chegou a ser ouvido pela Polícia Civil do Rio de Janeiro sobre sua possível ligação com o ex-policial Ronnie Lessa.
Até novembro de 2018 quando ainda era filiado ao PSL - partido do qual se desligou em outubro de 2019 - o senador Flávio Bolsonaro (sem partido), empregava a mãe e a esposa de Adriano de Nóbrega em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), pois era deputado estadual.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), afirmou que a "família Bolsonaro deve explicações" sobre o assassinato de Nóbrega.
*Fonte: Leandro Melito e Heloisa de Sousa – Brasil de Fato Paraíba
Edição: Marcelo Ferreira