A ditadura está na porta, se é que já não entrou dentro de casa
Estes dias, em reunião dos movimentos sociais para discutir a unidade da esquerda e do campo democrático-popular nas eleições/2020 em Porto Alegre, arrisquei: “Não cravo 100% que haverá eleições municipais em outubro. E se acontecerem, em que contexto e condições vão se dar.”
É a dura e triste realidade e verdade, a ser levada em conta nas análises e nas ações coletivas do próximo período.
Os fatos: a crescente e quase total militarização do governo federal, a crise econômica e social à vista, denunciada até por parte da grande imprensa, o Judiciário dominado, com suas honrosas exceções, o Congresso apático senão quase calado, tudo que envolve o assassinato do miliciano Adriano na Bahia, o motim da Política Militar do Ceará e o que está no seu entorno, ameaçando espalhar-se por outros Estados, o ‘foda-se’ do general ministro, os atos contra o Congresso prometidos para o dia 15 de março, chamados pelo bolsonarismo e apoiados pelo próprio e seus filhos, o fascismo correndo lépido, livre e solto. Os fascistas jogam todas as fichas que têm na mão, estão se lixando para o povo, não lhes fazem cócegas tema como a soberania nacional e os princípios democráticos da Constituição Cidadã, não têm sentido de justiça, valores como a solidariedade e o respeito pelo outro e diferente são desprezados.
Se alguém disser que isso tudo, todos estes fatos e outras tantas coisas que poderiam ser elencadas, não é absolutamente sério e preocupante, deve lembrar dos idos de 1963/64, quando a sociedade também foi mobilizada contra as Reformas de Base, o delírio do comunismo chegando era infundido nas massas populares, a democracia foi jogada no lixo. E seguiu-se o golpe militar que instalou a ditadura por longos 21 anos.
E sequer chegamos no final de fevereiro de 2020, por coincidência ou não, com 29 dias. Ou seja, o quadro pode piorar, e muito, nos próximos meses.
Por outro lado, nos dias anteriores e posteriores à reunião dos movimentos sociais, saiu Editorial do Estadão: – ‘O Presidente e os golpistas’ -, falando em ‘desgoverno’. A Folha de São Paulo publicou Editorial semelhante: – ‘Limite a Bolsonaro – Talvez apenas o temor de um processo de impeachment possa deter a perigosa aventura’-. O Globo fez editorial de página inteira hoje, 27.02, quando escrevo este artigo, dizendo, entre outras coisas: “Bolsonaro atenta contra a Constituição. O direito à livre manifestação é garantido pela Constituição. Se apoiadores de Bolsonaro querem transmitir alguma mensagem política, a Carta está do seu lado. Mas ninguém pode, de dentro ou de fora do Planalto, querer impor a vontade própria na marra. ” E Editorial do Valor Econômico, também hoje, 27.02: “Presidente flerta com uma crise institucional. O presidente Jair Bolsonaro resolveu trilhar caminhos perigosos.”
Terão as elites conservadoras, ou parte delas, que sempre sustentaram Bolsonaro e sua política econômica, acordado? Não parece ser o caso, ainda que os editoriais dos jornalões e algumas poucas manifestações de setores empresariais e de setores da intelectualidade antes inteiramente abraçados ao governante eleito tenham colocado algum tipo de dúvida sobre o que está acontecendo no Brasil ou poderá vir a acontecer, ante o destempero presidencial e de seus áulicos mais próximos. Mas a agenda econômica de reformas permanece intocada, assim como o antipetismo conservador. Ou seja, o ideário ultraneoliberal não foi abandonado, nem estão sendo questionadas as raízes mais profundas da crise instalada.
Neste contexto, a unidade do campo democrático e popular, mais que fundamental, é decisiva, para salvar a democracia. Alguém sabe ou imagina como este país estará no início de outubro, na data das eleições? Com o fascismo não se brinca nunca. Hora de deixar vaidades e interesses particulares de lado, pensar no povo e na Nação, nos valores da democracia, na preservação dos direitos mínimos das trabalhadoras e dos trabalhadores, em especial os mais pobres.
O grito no carnaval foi de esperança. A Escola campeã de São Paulo, Águia de Ouro, falando das grandes lideranças e exaltando Paulo Freire, as Escolas do Rio, especialmente a Mangueira, mas também a campeã Viradouro, falando das lideranças feministas.
Mas é preciso muito mais, até porque a repressão no carnaval foi violenta em todo país. É preciso unidade do campo de esquerda, do campo democrático-popular, para ir para as ruas, para debater um projeto estratégico de transformação, para enfrentar eleições numa conjuntura muito complexa, para construir um pólo unificador como foram as Diretas-já, no final da ditadura, ou a Constituinte Livre e Soberana, já em tempos de redemocratização, ou o grito de impeachment em tempos coloridos.
A ditadura está na porta, se é que já não entrou dentro de casa. Faz-se urgente falar com o povo, organizar Núcleos de Resistência em cada bairro, em cada comunidade, em cada escola, em cada sindicato, em cada igreja, em cada movimento social, em todos os lugares possíveis. Todos unidos, ninguém largando a mão de ninguém.
O tempo urge. “Vem, vamos embora/ que esperar não é saber./ Quem sabe faz a hora,/não espera acontecer.
Edição: Marcelo Ferreira