Nos momentos de deterioração política, entretanto, tudo pode ocorrer
Bolsonaro está sentindo que começa a ficar só. Ao que tudo indica, o empresariado golpista e a mídia golpista já começaram a abandoná-lo. Por isso, ele está arregimentando suas tropas (formada por milicianos, setores das classes médias arrivistas, pela baixa oficialidade das forças armadas e policiais militares e civis), para demonstrar força e resistir ao impeachment que se esboça. Um impeachment que, ocorrendo, levará ao poder o general Mourão.
Acredito que seja essa a estratégia de Bolsonaro e seus apoiadores de extrema direita, pois os setores empresariais e de mídia que possibilitaram sua eleição parece que já se deram conta de que ele está por demais envolvido com as milícias, tem seu projeto de poder próprio e não será controlado. Além disso, a economia não deslancha e o mandato de Rodrigo Maia, que é o fiador das reformas, está no seu último ano e, por lei, está impedido de ser reeleito, o que poderá colocar em risco as reformas e as privatizações tão ao gosto das elites que bancaram o golpe e a eleição da chapa Bolsonaro-Mourão.
Tudo isso somado, pode ter levado os setores midiáticos e empresariais a se convencerem de que está chegando a hora de descartar Bolsonaro e colocar o general Mourão no seu lugar. Com isso, eles se livrariam das grosserias e estultices de Bolsonaro e seus quadros mais próximos e passariam a contar com um governo estritamente militar, agora levado ao poder pelo voto popular e não mais pela força, como no período ditatorial, e que, por isso teria “legitimidade” para fazer todas as "reformas", desmontes e entregas que lhes interessam.
A reação dos militares no governo, entretanto, principalmente do general Heleno, parece contradizer a análise acima. Talvez ainda reste ao general a desconfiança de que Mourão e todos os militares que assumiram posição no Palácio do Planalto possam ser defenestrados do poder, caso se inicie algum movimento sobre o qual eles possam não deter o controle. Isto seria possível, por exemplo, por meio de um processo de cassação da chapa presidencial em decorrência da utilização de fake news e de sua disseminação pelas redes sociais através de milhares de robôs, conforme denunciou a reportagem da jornalista Patrícia Campos Melo na Folha de São Paulo, ainda durante o processo eleitoral e que agora voltou à tona durante a CPI instalada no Congresso Nacional.
Dificilmente qualquer tentativa de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão terá sucesso, pois isso traria de volta o risco de Lula ou um seu indicado (Haddad, por exemplo) ser eleito, o que não interessa aos setores empresarias golpistas, à mídia golpista e também aos setores políticos de centro e de centro direita que se uniram no apoio ao golpe e levaram ao poder Bolsonaro e Mourão.
A conjuntura está se deteriorando. Quando isso ocorre, a tendência é a de que os acontecimentos se precipitem, tomando velocidade crescente. De um lado, Bolsonaro prepara o golpe e convoca seus apoiadores para sair às ruas e confrontar as instituições democráticas. De outro, as forças democráticas parecem começar a sair da letargia e se aglutinar para reagir. Nos momentos de deterioração política, entretanto, tudo pode ocorrer, inclusive, no caso presente, Bolsonaro, Mourão e seus grupos de apoio se unirem e aprofundarem o golpe político, mandando às favas qualquer resquício de veleidade democrática. É sempre bom ter em mente que os militares que cercam Bolsonaro são os herdeiros da linha-dura da ditadura civil-militar de 1964/1985.
É mais do que hora de os democratas de todos os naipes se unirem.
Edição: Katia Marko