Rio Grande do Sul

Cinema

Capitólio: A luta para que continue a ser um espaço público

Além da sala de exibição, o espaço guarda um acervo de filmes, biblioteca e projeto de educação audiovisual

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Além da sala de exibição, o espaço histórico guarda um acervo de filmes, biblioteca e projeto de educação audiovisual - Marcelo Ferreira

Ao chegar na esquina da Borges de Medeiros com a Demétrio Ribeiro, no centro de Porto Alegre, um letreiro luminoso chama a atenção. O prédio de três andares, datado de 1928, abriga um dos espaços de cinema de rua da capital, a Cinemateca Capitólio. Inicialmente chamado de Cine-Theatro Capitólio, passou por décadas de sucesso, viveu  tempos de crise, chegou a ser fechado, reabriu, e agora, enfrenta o risco de privatização. No último sábado, 8, manifestantes realizaram ato cultural onde coletaram assinaturas contra o projeto de terceirização, proposto pela prefeitura, que desde 1995 é a responsável pela administração do espaço.

Uma criança nas contas da mãe, empunhando um cartaz “Meu primeiro filme foi na Cinemateca Capitólio”, era uma entre centenas de manifestantes que se juntaram em frente ao prédio da esquina. Promovido pela Associação dos Amigos do Cinema Capitólio (AAMICA), o ato contou com atrações culturais, como a banda Carnapitólio, cortejo e abraço simbólico. Na ocasião foi feita a divulgação de duas cartas abertas, assinadas por personalidades do setor audiovisual gaúcho. Conforme os organizadores, está prevista para essa semana uma reunião entre a prefeitura e entidades.

A Cinemateca surgiu de um processo coletivo da sociedade civil, comunidade cultural, principalmente pessoas ligadas ao cinema e funcionários, em 2001. Depois de uma longa obra de restauração que durou 11 anos, abriu ao público em março de 2015. Conforme explica Elisabeth Tomasi, secretária da AAMICA, e que até abril de 2019 era funcionária da Capitólio, o espaço vem funcionando com poucos recursos públicos. “O governo municipal não repassa o que está previsto no orçamento. Quando o governo Marchezam assumiu, piorou à enésima potência, porque ficamos praticamente sem orçamento para programação e para os cuidados necessários”.

Ela explica ainda que a entidade sempre contou com parceria público-privada, como por exemplo, a Fundação de Cinema do Rio Grande do Sul (Fundacine). “A cinemateca vem ao longo desses anos sendo gerida pelo poder público e teve a participação de uma entidade sem fins lucrativos que trouxe recursos da Petrobras, BNDES, para conseguir executar projetos”. Apesar das dificuldades, Elisabeth destaca o trabalho feito pela equipe conseguiu ao longo dos anos resistir e fazer não só uma programação de excelência, mas manter também um cuidado e um conceito de divulgação e difusão do acervo.

A prefeitura alega que a contratualização trará melhorias e ampliação dos serviços. Para a reportagem do Sul21 publicada na semana passada (LEIA AQUI!), o secretário municipal de Parcerias Estratégicas, Thiago Ribeiro, defendeu que o procedimento proposto é necessário para ampliar e qualificar a oferta de serviços à população. Ele afirma que o processo de contratualização começou a ser gestado na SMPE em setembro de 2019 e assegurou que nada será perdido quando uma Organização da Sociedade Civil (OSC) assumir a casa.

Na avaliação de Leonardo Bonfim, programador da Cinemateca, será muito difícil - até impossível – a casa ser administrada pelo setor privado. De acordo com ele, há  algumas especificidades que para serem atendidas se faz necessário ter vínculo e relação com a cidade, além de um pensamento de administração pública. “Eles dizem que pretendem aumentar, mas não temos esses estudos técnicos de como vão aumentar de 30 para 50 mil por ano, mantendo o perfil da programação, que tem a qualidade que tem por conta de 20 anos de trabalho, e que agora esse edital pretende transformar em diretrizes”, explica.

Segundo Lonardo, o publico da Cinemateca é hoje duas vezes maior que a média nacional. “Era obrigação da administração pensar em melhorias para a Cinemateca a partir do trabalho feito há 20 anos. Bonfim afirma que a luta é justamente por esses anos de trabalho. "Esse projeto acaba com essa história, a equipe será desmanchada, cada um vai para um lado e você quebra uma trabalho que tem um vínculo muito grande com a cidade”.

 

Para além do cinema

Além da sala de cinema, com sessões sempre cheias, o coração da Cinemateca Capitólio é o seu acervo, que existe há cinco anos e que ainda está sendo montado, organizado e catalogado. De acordo com Bonfim, é um espaço ideal para guardar toda a memória e história do cinema realizado no Estado. “Volta e meia esses filmes são exibidos em mostras e exposições. São filmes que circulam pelo país em outras exibições e que são cuidados pela equipe da coordenação”.

Também existe ali uma biblioteca para consulta local e um setor educativo que promove ações e atividades com professores e alunos de escolas públicas. Existente há 10 anos um projeto resultante de uma parceria entre a prefeitura e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que promove a alfabetização audiovisual, tendo atendido cerca de 10 000 pessoas, entre estudantes e professores

Para Juliana Costa, que trabalha no projeto educativo, a intenção da prefeitura faz parte de um movimento mundial muito amplo, que está presente em todas as áreas. “Sabemos que na saúde estão contratualizando postos de atendimento, na educação há experiências que não estão dando certo de terceirização em atividades junto a escolas municipais, como por exemplo o contra-turno. No caso da Cinemateca, tem uma característica que é muito peculiar que é de ser um espaço que está funcionando, ainda não foi sucateado” ilustra.

“A Cinemateca é um equipamento cultural que está na flor do seu do seu funcionamento, que funciona bem, apesar do pouco investimento público. Toda a atividade feita e produzida aqui tem um custo muito baixo. Com a contratualização o custo vai triplicar, porque os funcionários que estão na folha de pagamento da prefeitura continuarão ser pagos por ela e vão ser realocados para outro setor. O funcionário público que ficar acabará sendo reduzido a um fiscal de contrato”, detalha, explicando que as pessoas que atualmente atuam ali são especialistas nas áreas do cinema, acervo e educação.

Juliana cita como exemplo o Museu de Arte do Rio de Janeiro que foi contratualizado pelo Instituto Odeon – que é uma das empresas que está pleiteando a Cinemateca, e com boa chance de levar o contrato. “A prefeitura do RJ demorou para repassar a verba contratualizada e a empresa ao chegar no terceiro mês sem o repasse, começou a dar aviso prévio aos funcionários. Quando tu tem um quadro de funcionários pagos pela folha da prefeitura isso não acontece, porque mesmo com pouca ou nenhuma verba para programação e para o setor educativo, o equipamento não fecha”.  Para ela não há problema em se fazer parceria público-privada desde que a gestão se mantenha com o poder público que é garantir a abertura e qualidade de funcionamento do espaço.

 

Entidades acusam falta de diálogo

De acordo com a matéria do Sul 21, uma das primeiras medidas da prefeitura foi conversar com as organizações sociais que poderiam ter interesse em assumir a gestão da Cinemateca. As entidades que defendem o espaço, por sua vez, afirmam que a atual administração não é aberta ao diálogo com os representantes da sociedade civil.

Além do edital do Capitólio que está prestes a ser lançado, a prefeitura lançou iniciativas semelhantes para com a Pinacoteca Ruben Berta e o Atelier Livre. A primeira contratualização foi feita no Centro Multimeios da Restinga. De acordo com Elisabeth, há um silêncio em relação ao contrato que não teria respeitado requisitos legais. “Eles tiveram um exemplo mal suscedido  que está prestes a ser anulado. Um processo viciado. Eles lançam mais um edital,  mais a Cinemateca Capitólio, sendo que a única experiência que eles tiveram  vão ter que anular”, questiona.

Com a iminência de sair o edital e com a pressão da AAMICA, da Associação dos Profissionais e Técnicos Cinematográficos (APTC) e a Associação dos Críticos do Sindicato da Indústria Audiovisual, a prefeitura fará uma roda de conversa. Para Elisabeth o que a administração quer é que se concorde com a contratutalização. “Ela diz que está aberta a sugestões, mas sugestões nos moldes dela, ou seja, não abre mão que a contratualização se dê em uma organização social para assumir um gerenciamento que é de responsabilidade pública”. De acordo com Elisabeth, essa entrega dos equipamentos públicos para iniciativa privada representa o desmonte executado por uma administração neoliberal que não respeita a educação e a cultura.

Na avaliação do vereador Marcelo Sgarbosa (PT), essa onda privatizante é irracional. Ela diz que você precisa fazer parceria publico-privada, mas “quando privatizam, eles entregam para alguém que tem interesse de lucro, esse é seu direcionamento, e tem atingido não só Capitólio, mas por exemplo, o DMAE de Porto Alegre, que é um órgão superavitário e que mesmo assim está na mira da privatização”. 

O vereador comentou também sobre a fake news propagada pelos liberais que afirmam que os partidos de esquerda esperam que tudo seja estatal. “Talvez como um ideal de futuro, em projeto socialista, ou seja, em uma utopia a ser perseguida, sim. Mas hoje nenhum partido, mesmo de esquerda, defende a estatização total e irrestrita dos bens de produção da sociedade. Contudo os liberais sim, querem privatizar tudo e estão pegando a sua ideologia e aplicando na fábula rasa na sociedade, causando os estragos que estão aí demonstrados”.


*com informações do Sul 21


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Edição: Marcos Corbari