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Quarentinha

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"Os quarentinha do PT exigem reflexão. Quem é grande precisa ser humilde ao mesmo tempo. E generoso." - Crédito: Roberto Parizotti / Fundação Perseu Abramo
Os tempos são difíceis. A unidade é fundamental, decisiva, assim como estar nas ruas.

40 anos é um tempo e tanto. Em 10 de fevereiro de 1980, eu era morador da Lomba do Pinheiro, periferia de Porto Alegre, uma dezena de vilas populares onde a maioria da população era de trabalhadores da construção civil e domésticas em casas de família de classe média.

As lutas na Lomba do Pinheiro, nos anos 1970/1980, em tempos de ditadura, eram por água, posto de saúde, através das Associações de Moradores, articuladas pela União de Vilas da Lomba do Pinheiro. Eram tempos de lutar por melhores salários, direitos, consciência e dignidade, com oposições sindicais combativas em todas as categorias, com greves como a dos bancários e a da construção da civil em Porto Alegre. Tempos de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Grupos de Reflexão nas famílias, fé e vida andando na mesma trilha. E eram tempos de O Lomba, um jornal impresso no mimeógrafo e vendido em todos os mercadinhos das vilas da Lomba.

Eram, pois, e sobretudo, tempos de movimento, de estar na rua, de mobilizar, de juntar povo, de conscientizar. Mas faltava uma coisa: entrar na política, ter um partido para chamar de seu. Toda vez que tinha eleição - e não eram muitas então -, a Lomba era inundada de candidatos vindos de fora, que nada tinham a ver com as lutas, nem com o cotidiano dos seus moradores. Fundou-se o Núcleo do PT, Partido dos Trabalhadores, da Lomba do Pinheiro, juntando todas as lideranças populares, os que queriam transformar a sociedade. O Núcleo era unificador dos movimentos, debatia as estratégias políticas de mobilização, fazia formação e organizava as lutas. E começou a colocar na roda, nos processos eleitorais, candidatos locais, moradores da Lomba. Foram eleitos um deputado estadual, vereadores. O campo popular e a esquerda nunca mais perderam a eleição na Lomba do Pinheiro, nem mesmo em 2018.

Os anos 1980 foram, sobretudo, tempos de Movimento: fundação de Centrais Sindicais, movimento sindical combativo, surgimento dos Movimentos do campo, Diretas Já, reconquista da democracia, Constituinte livre e soberana, construção do Programa democrático-popular, Orçamento Participativo, campanha Lula presidente em 1989. Não eram, fundamentalmente, tempos de Instituição.

Os anos 1990 foram de Movimento e Instituição ao mesmo tempo. A Instituição, aos poucos, foi se sobrepondo ao Movimento, especialmente através dos mandatos parlamentares e mesmo dos governos populares conquistados, e as sucessivas eleições, a cada dois anos, consumindo quase todas as energias.

Os anos 2000, Lula presidente, um novo tempo, o sonho de uma vida, ‘um outro mundo possível’ acontecendo. Mas a Instituição estava em crescimento, misturada de vez em quando com tintas de corrupção. Mas havia as políticas sociais, os governos populares, o povo tendo vez e voz, direitos e dias melhores, Fome Zero, dignidade, soberania.

Os anos 2010 foram tempos da burguesia acordar e buscar reocupar seu espaço e hegemonia. Nacional e internacionalmente, foram tempos de mídias sociais e digitais emergindo, os primeiros sinais da crescente uberização de quase tudo, as elites acordando e dizendo não a uma nação soberana que era voz respeitada no mundo, que dava, pela primeira vez na história, direitos aos pobres e voz às trabalhadoras e aos trabalhadores. A Instituição PT, em boa parte e em muitos momentos, passou a dominar o PT Movimento. A elite conservadora aproveitou a oportunidade, deu, mais uma vez, um golpe na democracia e promoveu o impeachment.

Os anos 2020 podem ser, têm tudo para ser, de novo, tempos de Movimento, sem desprezar a Instituição, onde as urgências conjunturais e históricas de mudança e transformação, de ‘um outro mundo possível’ colocam-se de forma imediata, urgente e necessária, como foi nos anos 1980. São tempos de voltar às ruas com um partido de base e popular, movido pelo sonho da mudança, tempos de (re)construir um programa democrático-popular, que leve em conta as transformações do mundo e da classe trabalhadora.

Os tempos atuais são tempos, como durante a ditadura, onde a unidade de lutadoras e lutadores torna-se fundamental, se se quer pensar o futuro, dar e ter esperança.

O papel do Partido dos Trabalhadores continua essencial nos tempos de hoje. É o maior partido de esquerda, e praticamente o único dos partidos surgidos na década de 1980 que ainda pode chamar-se de partido, presente nacionalmente, com força política e programática. Onde estão e o que defendem hoje, por exemplo, o PMDB e o PSDB, para citar apenas dois partidos outrora da luta democrática, que são, nos anos 2020, meros e podres aliados dos ditadores de plantão e dos destruidores dos direitos das/os trabalhadoras/es e, por extensão, da democracia?

Os quarentinha do PT exigem reflexão. Quem é grande precisa ser humilde ao mesmo tempo. E generoso. Saber do seu papel, como saber dos seus limites, para nascer e renascer todos os dias ao lado do povo trabalhador, que vê de novo a miséria, a fome, o desemprego, a desigualdade ao seu redor e dentro de sua casa, como anos 1970/1980.

Os tempos são difíceis. Os desafios são imensos. A unidade é fundamental, decisiva, assim como estar nas ruas, pensar e propor um projeto estratégico de transformação. E ser Movimento, em primeiro lugar, além de estar na Instituição ou ser Instituição. Os tempos são de servir, não apenas de querer ser servido. Os tempos são de ninguém largar a mão de ninguém. Quem enfrentou a ditadura e a derrotou não pode temer a ditadura disfarçada dos anos 2020. E há de garantir a democracia, a igualdade e a soberania.

Longa vida ao Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras!

Edição: Marcelo Ferreira