Rio Grande do Sul

Entrevista

Movimentos sociais se mobilizam por uma frente unitária das forças populares

Benedito Tadeu César fala sobre a articulação da sociedade pela construção da unidade para as eleições municipais

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"O objetivo é termos uma voz, uma manifestação de segmentos populares organizados."
"O objetivo é termos uma voz, uma manifestação de segmentos populares organizados." - Divulgação

A construção de uma frente de partidos de esquerda e de centro-esquerda na disputa das eleições à Prefeitura de Porto Alegre é apontada por militantes e dirigentes políticos como imprescindível para frear o crescimento das forças de direita e de extrema-direita na capital gaúcha, cidade que já foi considerada a Meca das esquerdas no país. No entanto, os principais partidos de esquerda (PT, PCdoB e PSOL) têm demonstrado dificuldades na desafiadora tarefa de articulação desta frente.

Angustiados pela falta de consenso e pela demora com que o tema tem sido tratado pelas lideranças partidárias, representantes de diversos movimentos, coletivos, associações e organizações da sociedade civil tomaram a dianteira do processo para a construção da unidade das forças populares e democráticas de Porto Alegre. A primeira plenária será realizada no próximo sábado, a partir das 10 horas, no Memorial Luiz Carlos Prestes.

Um dos principais articuladores desse movimento é o cientista político e professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Benedito Tadeu César. Confira a entrevista abaixo.

Brasil de Fato RS - Como surgiu a iniciativa por parte dos movimentos sociais no sentido de buscar a construção da frente pela unidade das forças populares?

Benedito Tadeu César - Já faz tempo que vínhamos discutindo a necessidade de articular os movimentos sociais, os partidos políticos e lideranças em um grande movimento em defesa da democracia, contra o fascismo e contra o desmonte do incipiente Estado de bem-estar social brasileiro.  E agora, no momento de pensarmos as eleições desse ano, surgiu a oportunidade de discutirmos essa possibilidade de atuarmos em conjunto. Não sabemos até que ponto os partidos políticos vão incorporar essa bandeira. Até que ponto, de fato, vão se articular em uma grande frente para se opor a esse estado de coisas que vivemos no país, essa política que vem se implantando nacionalmente, mas também em plano estadual com o governador Eduardo Leite (PSDB) e no plano municipal com o Nélson Marchezan Júnior (PSDB). Não sabemos qual a intenção dos partidos. Mas a intenção dessa plenária não é substituir os partidos políticos. O objetivo é termos uma voz, uma manifestação de segmentos populares organizados. Isso desde os movimentos de periferia até os movimentos de classe média, de intelectuais, diferentes formas de organização, até mesmo de grupos não formalizados e indivíduos que estão insatisfeitos e estão percebendo a necessidade de somar forças para resistir.

A oportunidade surgiu durante o Fórum Social das Resistências. O Mauri Cruz (diretor regional da Associação Brasileira de ONGs / Abong) fez uma saudação, no dia do Congresso da Cidade, que foi exatamente nesse sentido. Eu e o Mário Madureira (advogado e ex-deputado Constituinte) vínhamos fazendo esse tipo de discussão nos grupos dos quais participamos, buscando essa articulação mais ampla. Então, procuramos o Mauri e, a partir daí, começamos a conversar. Também buscamos contato com diversos partidos políticos do campo da esquerda e do campo democrático popular e houve receptividade. A partir desse encontro do sábado pela manhã, veremos como as discussões se desenvolverão.

 

"Essa articulação é legítima, inclusive para fazer pressão no sentido da construção de uma grande frente."

 

BdF RS - De certa forma, essa discussão, esse encontro dos movimentos sociais se antecipa à iniciativa que normalmente é dos partidos, de construção de uma frente? Na sua opinião, isso ocorre em função de divergências ou de dificuldades de sentar-se à mesa para definir a situação ou os movimentos organizados estão assumindo um protagonismo que antes era dos partidos, o que denota enfraquecimento dos mesmos, uma espécie de superação e até falência desse modelo de participação política?

Benedito - Os partidos políticos têm dificuldade para se articularem em uma grande frente. Acredito que exista a percepção, por parte das lideranças dos partidos de esquerda e até mesmo de centro e, espero eu, dos partidos da direita democrática, de que é necessária a construção de uma grande articulação para resistir ao arbítrio, para resistir a esse avanço da extrema-direita mundial. E estamos vendo, em várias partes do mundo, que essa articulação de resistência democrática vem acontecendo. No Brasil, ainda está engatinhando. É compreensível que seja assim, porque cada partido político precisa delimitar seu campo, disputar seu espaço.  Ou seja, é um processo lento. Mas repito, os movimentos sociais não têm a pretensão de ocupar os espaços dos partidos políticos. No entanto, sabemos que essa articulação é legítima, inclusive para fazer pressão no sentido da construção de uma grande frente. Mas não existe nenhuma pretensão de superar ou de substituir os partidos políticos.

BdF RS - As divergências internas nos partidos em relação à formação da nominata, com disputa para indicação para prefeito(a) ou vice, acaba sendo um empecilho ou os próprios partidos não estão conseguindo superar as suas divergências, principalmente PT e PSOL?

Benedito Tadeu César - As questões de relacionamento entre PT e PSOL são históricas e é preciso compreendermos as dificuldades existentes entre eles. Porém, nos cabe, como segmentos da sociedade civil, fazer um apelo para algo que é muito maior do que cada partido. Veja o seguinte, em Porto Alegre, os partidos de esquerda têm tido uma votação para os cargos majoritários, somando-se PT, PSOL e PCdoB de quase 30% do total dos votos válidos. Não estou incluindo nesse cálculo o PDT e o PSB, pois nesse momento ainda não acenaram com a possibilidade de participar de uma frente que os inclua. Então, o que está em discussão, no campo da esquerda, em Porto Alegre, neste momento, é uma frente entre PT, PCdoB e PSOL. Nas últimas eleições, o candidato do PT ao governo do estado, Miguel Rossetto, ficou em terceiro lugar na disputa, no primeiro turno, em Porto Alegre. Chegou pouco atrás de Eduardo Leite. No total, a esquerda, em Porto Alegre, somando-se os votos de Rossetto, pelo PT, e Robaina, pelo PSOL, somaram 25,1% dos votos válidos, não chegando aos 30%. Trata-se de uma conta simples. Ou seja, o percentual histórico desses dois partidos tomados separadamente é insuficiente para levar qualquer um deles ao segundo turno. Somados, entretanto, passam a ter alguma chance. Nas últimas eleições municipais em Porto Alegre, em 2016, Raul Pont, do PT, fez 16,4% dos votos válidos no primeiro turno e Luciana Genro, do PSOL, fez 12,1%, e ambos ficaram fora do segundo turno. Se eles estivessem juntos e seus votos fossem somados, eles teriam conquistado 28,5% dos votos válidos e teriam ido ao segundo turno, com apenas um ponto percentual menos do que Marchezan Jr, que foi o vencedor do pleito e se elegeu Prefeito. Fica claro, portanto, que, a se manter a prática dos últimos pleitos, mesmo que a direita e a extrema-direita saiam divididas no primeiro turno, um dos seus candidatos chegará ao segundo turno e, com a esquerda dividida e fora do segundo turno, vencerá as eleições. O resultado será mais quatro anos de uma administração de direita ou de extrema-direita na cidade. Por isso, é muito importante que as divergências menores sejam superadas.

BdF RS - Existem militantes que estão descontentes com a forma da indicação do nome da Manuela à Prefeitura. Algumas manifestações, principalmente de militantes do PT, não aceitam que o PT seja apenas vice ou não participe da nominata, participando apenas do Governo, caso vençam as eleições. Qual sua opinião?

Benedito - Não nos cabe, enquanto movimentos da sociedade civil, que são não partidários, opinar sobre a forma interna como os partidos políticos decidem suas questões. Ainda que, como militantes, como quadros partidários, cada um tenha a sua posição. Eu não estou aqui falando como militante de nenhum partido. O nosso esforço, deixando de lado o que é a discussão de cada partido político, é chegar a um consenso. É buscar uma forma ampliada de participação da sociedade, dos movimentos sociais, na construção de uma frente popular capaz de vencer as eleições, na elaboração do plano de governo desta frente e na construção da nominata de candidatos. Mas não basta definir os candidatos, é fundamental nesse processo definir, inclusive, um compromisso quanto à forma de relacionamento com os movimentos sociais em um possível futuro governo dessas forças.

Espero que na reunião de sábado possamos chegar a pontos de consenso entre os movimentos sociais, organizações, entidades e que consigamos abrir um canal de diálogo com os partidos políticos. O objetivo é convencê-los de que ainda não é o momento de definir nomes. Agora é o momento de discutirmos métodos de construção dessa chapa e de seu programa. Para isso, eu espero que a gente possa definir um calendário de reuniões e de atividades.

Edição: Katia Marko