Rio Grande do Sul

OUTRO MUNDO É POSSÍVEL

Direito a Cidade: A luta por uma cidade mais inclusiva, participativa e unificada

Segundo dia do Fórum das Resistências, em Porto Alegre, abordou, entre outras temáticas, o direito à cidade

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Assentamento 20 de Novembro sediou atividades relacionadas ao direito à moradia e à cidade
Assentamento 20 de Novembro sediou atividades relacionadas ao direito à moradia e à cidade - Foto: Fabiana Reinholz

“Mesmo na destruição, com tudo se desfazendo, na união ganha-se força. Outra vida é possível, outro mundo é possível andando juntos. O que nos move é a indignação com a injustiça. É juntos que serão conseguidas as pequenas vitórias do dia a dia. Localmente, com redes e articulações somadas, é possível.” Proferida pela professora Betânia Alfonsin, diretora-geral do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), a afirmação resume o sentimento que norteou os debates que abordaram o direito à Cidade, nessa terça-feira (23). O encontro aconteceu dentro da programação do Fórum Social das Resistências, no Assentamento 20 de Novembro, prédio abandonado há mais de 50 anos na região central de Porto Alegre que desde 2016 serve de lar para 40 famílias.

Corpos políticos em disputa pelo direito à cidade, em uma cidade onde esses direitos nem sempre não assegurados, essa é a realidade observada em Porto Alegre pelos participantes do debate Ocupa Tudo: convergências, redes e ações diretas para resistir e avançar no direito à cidade, e da reunião de convergência “Direito à Cidade, Cidade sem direitos”. As atividades trouxeram relatos das discussões feitas pela manhã sobre a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre e outras atividades ligadas à luta pela moradia, como: Por uma cidade sadia: direitos da natureza, direitos humanos, agroecologia e ecossistemas urbanos e Invisibilidade social e humanização do acesso à justiça.

O ano de 2020 será um emblemático para a discussão do projeto de futuro para a política da cidade, apontaram os participantes dos debates. O ano eleitoral também será marcado pela articulação e os desafios para unificação e unidade social, a reinvenção da participação e mobilização nas ruas e espaços públicos.

Desafios da cidade

Uma gama de temas que reverberam os desafios da cidade marcaram a roda de conversa Ocupa Tudo. Entre eles a acessibilidade universal, a violações em relação ao direito à terra, a moradia, o transporte coletivo, o trabalho, a vulnerabilidade social, o distanciamento da base social, a precarização das políticas públicas, os ataques à democracia e a participação popular, a falta de moradia, a proteção e cuidado com os ativistas, a interiorização dos movimentos e das ações e a importância de ter uma pauta geral de todos os movimentos sociais.

Para o dirigente do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), Ezequiel Morais, é preciso pensar para frente, como se organizar e quais são as ações diretas pelas quais se pode resistir e avançar em relação ao direito à cidade. “Precisamos nos unir e, mais do que isso, buscar a mão de outras pessoas para somar. Ação prática, ação de massa. Compreender qual é o tipo de participação popular e não cair na mesmice. É necessário ouvir as pessoas e inovar”, ilustrou.

Participaram da roda de conversa o Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU), o Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), o Fórum Municipal dos Conselho da Cidades, o Centro de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), a Central dos Movimentos Populares (CMP), FEGAMEC, a União Nacional de Moradia Popular (UNMP), o Movimento de Luta dos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), o Movimento dos Trabalhadores por Direitos (MTD), a Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM) e o Clube de Mães Santa Rosa – Departamento PCDs.

Representantes do Fórum Municipal dos Conselho das Cidades, Nelson Khalil e Neusa Heinzelmann alertaram para o Projeto de Lei (PL ainda sem número) que se encontra na Câmara Municipal e que enfraquece os conselhos municipais de Porto Alegre. Segundo os representantes, ele tira competência e mexe na composição dos conselhos. “O PL que está na câmara dos vereadores quer rever o estatuto dos 34 conselhos municipais e tolher a atuação popular, deixando praticamente a representatividade só do executivo. Ele tira o poder deliberativo dos conselhos e a autonomia administrativa”, apontaram.

“Fora das questões eleitorais, precisamos atuar de outra forma a organizar as pautas que saírem daqui e pensar em ocupar outros espaços, como a Câmara de Vereadores e prefeitura, questionando qual é a democracia que eles defendem, para quem”, destacou Luciano Potosí, do MLB, que apontou que existe quase 8 milhões de famílias no país que não têm onde morar e que é preciso estar atento para a situação psicológica desse grupo.

Na avaliação do representante do Coletivo Cidade Mais Humana, Gilnei da Silva, além da presença cada vez mais atuante das igrejas pentecostais nas comunidades, existe um distanciamento da base social. “O grande desafio que existe hoje é a aproximação com a base enquanto movimento social, enquanto organização social e organização política, hoje a igreja evangélica está na base”, expôs.

A roda de conversa também oportunizou a discussão sobre as questões identitárias, como as pautas LGBT, que de acordo com Célio Golin, do Nuances, também está colocada quando se aborda o direito à cidade. “A pauta LGBT se tornou um tema fundamental na disputa político-eleitoral, o que muda o cenário e a interpretação sobre essas questões”, apontou. Ainda de acordo com ele, o movimento foi ocupando terreno e fazendo a disputa pelo espaço público, criando tensões.

“Quando várias vidas precárias e vários corpos precários se juntam, ganha-se força nas ruas, com as paradas, as ocupações e suas resistências. Precisamos apostar mais em abrir mão das pautas pessoais, que são importantes, que cada um as tenha como entidade, mas é importante compreender que é nas pautas coletivas que as coisas se fortalecem; é preciso procurar atuar mais coletivamente”, assinalou Betânia.

Para os participantes, além do agir coletivo, de um olhar participativo, de acionar os corpos na luta por meio das atividades em espaços públicos, místicas e outras manifestações, também é preciso ter preocupação com a realidade de cada um, de como as pessoas viram alvos na periferia. “Não negligenciar, não naturalizar, não fingir que não é problema nosso. São necessárias medidas para proteção e cuidado com os ativistas”, salientou Ezequiel.

Pautas convergentes

À tarde, os relatores de cada atividade expuseram os pontos principais de tais discussões. Logo após, iniciaram-se as falas e o debate da mesa de convergência “Direito à Cidade, Cidade sem direitos”. O debate teve a participação de representantes do Coletivo a Cidade Que Queremos (CCQQ), Articulação Juízes pela Democracia (AJD), Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), Central dos Movimentos Populares (CMP), Federação Gaúcha das Uniões de Associações de Moradores e Entidades Comunitárias (FEGAMEC) e Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAN).

Entre os apontamentos, foi levantada a necessidade de somar trabalho e renda à questão habitacional e desenvolvimento de um projeto econômico para a comunidade, de reinventar o momento presencial nas comunidades e de reuniões presenciais e relações pessoais. Também foram destacadas questões como o uso das redes redes sociais, que deve ser apenas ferramenta, a urgência de superar divergências e a necessidade de apostar na construção coletiva.

“É preciso unidade na luta nos bairros, na luta cotidiana de cada um. Quais as ações que vamos tomar coletivamente em Porto Alegre para construir a necessária unidade da luta? Quando falamos em resistência, essa convergência de resistências tem que se dar na prática, com instrumentos que ajudem a construir a unidade dos movimentos na superação do atual modelo sociedade. Não apenas na retórica, mas na prática. Outra práxis para retomar Porto Alegre”, assinalou o presidente da CONAM, Getúlio Vargas Júnior.

Na avaliação de Betânia, a conjuntura que se vive atualmente tem muito a ver com a falta de momentos como o Fórum. “O nosso desafio é que isso não fique circunscrito nesse período do Fórum Social das Resistências, mas que a gente possa construir um tecido social que possa permanecer durante o ano e nos ajude a enfrentar os desafios que ainda estão por vir”, concluiu.

Edição: Marcelo Ferreira