Mais uma vez observo movimentações de quadros partidários de esquerda na capital gaúcha influenciados por pesquisas que supostamente indicam a “preferência” do eleitorado porto-alegrense.
As mesmas pesquisas mostravam na última eleição para prefeito em Porto Alegre Luciana Genro à frente dos demais candidatos. Resultado final do pleito? Sequer a esquerda foi para o segundo turno.
Estou convencido de que pensar em uma estratégia eleitoral séria para 2020 passa necessariamente pela compreensão de que o único caminho viável para o chamado campo progressista é a formação de uma unidade fundada em uma plataforma de governo cujo programa atenda minimamente a uma perspectiva de democratizar a democracia, como diria Boaventura de Sousa Santos, ou seja, uma atuação governamental que verdadeiramente viabilize a participação do cidadão no desenvolvimento e implementação das políticas públicas, bem como a construção da cidade que queremos.
Na compreensão de David Harvey, uma cidade que possibilite o cidadão construir-se junto, dentro de uma lógica que o eleve à condição de sujeito de direitos, assim adquirindo um papel de centralidade em todos os espaços sociais, sem distinção de classe social ou qualquer outra valoração de matriz preconceituosa e segregadora.
Nesse cenário, ao contrário do que mencionou o atual prefeito, a “Dona Maria” e o “Seu João” merecem e devem participar ativamente das deliberações que envolvam a cidade onde vivem, pois ao fim e ao cabo estarão decidindo sobre suas próprias vidas.
Os partidos que se deixarem seduzir pelo canto da sereia correrão o risco de novamente se afogarem no mar de leituras equivocadas da realidade sem uma análise de conjuntura que tenha o altruísmo como farol de atuação na busca de uma unidade democrática.
Tivemos casos, como na Argentina, de que a capacidade de diálogo na esquerda alcançou resultados concretos. A Frente Ampla no Uruguai é outro belo exemplo, que obteve êxito em três pleitos presidenciais e, na mais recente disputa, embora não tenha vencido as eleições, conquistou um desempenho eleitoral muito significativo.
Experiências em nossa América Latina não faltam e demonstram que acima de tudo é preciso que os partidos estejam à altura do momento histórico que vivem.
Para tanto, é necessário que a mosca azul do poder, nas palavras de Frei Betto, não infecte a visão daqueles que têm a responsabilidade de oferecerem um novo caminho para Porto Alegre com a necessária viabilidade eleitoral. Logo, dados apresentados por pesquisas de intenção de votos devem ter restrito peso nas avaliações conjunturais, sob pena de repetirmos equívocos que já custaram inúmeros pleitos.
Nessa trajetória, os anseios individuais devem ceder lugar à ideia do coletivo, com aspirações que possibilitem que a sede eleitoral seja saciada pelos valores da igualdade como fundante da esquerda, como advogou Norberto Bobbio.
Do contrário, estaremos fadados a mais uma disputa fratricida da esquerda cujo único resultado prático será a pavimentação do caminho para mais uma eleição na qual a vitória do conservadorismo terá como um dos principais responsáveis a própria esquerda.
*Advogado e militante comunitário
Edição: Katia Marko