“Unidos seremos fortes”, estampava a faixa à frente da marcha de abertura do 2º Fórum Social das Resistências, sob chuva, na tarde desta terça-feira (21), em Porto Alegre. Realizada junto com a XII Marcha Estadual pela Vida e Liberdade Religiosa, a manifestação percorreu o centro da cidade demonstrando a capacidade de unidade e resistência de variados segmentos sociais contra o avanço das políticas neoliberais e a crescente onda de intolerância e fascismo no Brasil e no mundo.
O 2º Fórum Social das Resistências está sendo realizado em Porto Alegre entre os dias 21 e 25 de janeiro, sob o lema “Democracia e Direitos dos Povos e do Planeta”. Reúne diversas atividades como plenárias, seminários, assembleias e debates. Soma-se a outras iniciativas previstas para este ano ao redor do mundo, articuladas no âmbito do Fórum Social Mundial (FSM). “É muito importante novamente ter Porto Alegre sediando o evento com essa característica, preparando o próximo Fórum Social Mundial, que acontecerá no México, em 2021”, explica Mauri Cruz, representante do CAMP, organização que compõe a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong).
“O Fórum nunca perdeu sua vitalidade”, avalia Mauri. Ele aponta que a conjuntura atual está muito parecida com a de 2001, quando ocorreu a primeira edição do Fórum Social Mundial em Porto Alegre. “Volta a ter essa radicalidade. Teve um período, principalmente na América Latina, com governos democráticos e populares, que o Fórum estava afirmando agendas com esses governos. E hoje, de novo, o Fórum Social Mundial ganha essa dimensão antissistêmica”.
A concentração da marcha ocorreu no Largo Glênio Peres, em frente ao Mercado Público de Porto Alegre, local simbólico para povos e religiões de matriz africana. Lá, um carro de som reuniu representantes de diversas organizações. Por volta das 18h, a marcha seguiu pela Borges de Medeiros, com destino ao Largo Zumbi dos Palmares, mas os manifestantes seguiram em caminhada até as proximidades da Usina do Gasômetro.
O babalorixá Jorginho de Xangô, representante do Conselho Municipal dos Povos de Terreiros de Rio Grande, destacou que a luta do seu povo é cotidiana. “Nós dormimos com uma história, em uma luta. Quando acordamos, temos outra guerra à nossa frente. O Fórum é para mostrar o que está acontecendo”, afirma, ressaltando a importância da unidade com a Marcha Estadual pela Vida e Liberdade Religiosa.
A representante do Fórum Nacional de Segurança Alimentar dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, Iyá Vera Soares, denunciou os retrocessos enfrentados pelo povo brasileiro. “São perdas em cima de perdas e a perseguição dos povos tradicionais de matriz africana, do povo de terreiro, cresce descaradamente. O racismo se instaura sem ser velado, explicitamente, com um governo, um poder nazista, excludente e que promove a violência”, denuncia.
“A gente se junta com os povos de matriz africana e o movimento negro nessa luta contra o racismo por conta da nossa responsabilidade porque entendemos que o amor à terra e à natureza é o que nos alimenta”, aponta Pietra Dolamita, do povo Apurinã, do sul do Amazonas, antropóloga que tem o nome indígena de Kauwá Apurinã.
A indígena afirmou a necessidade da luta contra o genocídio dos povos tradicionais: “O atual governo decretou a morte do povo indígena, há mineração nas nossas terras. Além de não demarcar as nossas terras, que são constitucionalmente legítimas, há o racismo estrutural que se impõe sobre a sociedade contra nós, povos indígenas”.
Rosane da Silva Pires, do Movimento Negro Gaúcho, destacou que está se começando um trabalho de apoio a candidaturas negras no Estado. “Nós estamos na luta, somos a resistência como negros, como índios, como pobres que estão sendo atingidos, principalmente na saúde e na economia do país. Estamos sendo atacados todos os dias, fora o feminicídio e muitas outras coisas que estão acontecendo desde que esse governo assumiu”, critica.
O capoeirista e apoiador do Movimento Nacional de População em Situação de Rua (MNPR), Alexandre Flores da Rocha, aponta o Fórum como um espaço crucial de resistência no que diz respeito aos grupos sociais mais invisibilizados. “O povo da rua não tem nenhuma política pública, está à mercê, se não é o movimento apoiar, vão ser todos entregues a igrejas pentecostais. Mesmo estando nas ruas, são cidadãos, precisam de uma política pública que dê saúde, educação e moradia, não é só jogar para a margem da sociedade”, critica, destacando o retorno das políticas de perseguição e internações compulsórias.
Ele explica que essa situação não é recente, mas vem piorando no atual governo. “Estão agredindo, expulsando os moradores de rua das praças. Se eles não têm onde morar, onde vão ficar? Não tem abrigo ou albergue. Na rua não tem só drogados ou vagabundos, como todo mundo rotula, tem muita gente boa que a gente não sabe o que aconteceu com ela”.
Para o ex-governador Olívio Dutra, o Fórum das Resistências é muito importante para que o povo participe cada vez mais e para mostrar a grave situação política em que se encontra o país. “Vivemos uma democracia mitigada imposta por um grupo que chegou no governo através de um golpe que derrubou uma presidente eleita e honesta, a Dilma, e depois impediu a candidatura de quem tinha condições de ganhar aquela eleição”, critica.
“Estamos vivendo situações muito adversas para a maioria do povo brasileiro e uma situação muito favorável aos muito ricos, o patrimônio público brasileiro vem sendo desmontado. Esse governo está vendendo as riquezas brasileiras”, avalia Olívio. Para ele, o princípio fundamental é resistir lutando, se mobilizando, organizando e defendendo a democracia. “Queremos que esse governo e a sua política sejam questionados constantemente pelo povo, que com um movimento consciente de baixo para cima, esse projeto, com esse governo, com essa equipe, com esses interesses, não se repita, não se reeleja. Queremos que o povo se torne sujeito e não objeto da política”.
Lurdes Marta Santin, que faz parte do Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), destacou também a disparada do desemprego. “Estamos aqui no Fórum Social das Resistências com os jovens. Queremos pensar o futuro do trabalho e o MTD, na sua luta por direitos, pensa que esse tipo de atividade é fundamental, com o povo organizado, mantendo a esperança e a resistência, para que a gente possa em um futuro breve retomar nossos processos de direito.”
O secretário de Organização e Política Sindical da CUT-RS, Claudir Nespolo, lembrou que o Fórum das Resistências acontece paralelamente ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. “Lá está o ministro da Economia, Paulo Guedes, nosso carrasco, aquele que está tirando direitos, quer botar a carteira verde amarela. Nós estamos aqui resistindo, temos a missão de acordar a população, o Fórum é uma oportunidade para fazer isso, unificar o povo e sair mais forte”, destacou.
Representante da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) no conselho internacional do Fórum, Salete Valesan Camba ressalta o agravamento do contexto político adverso. “Já tem muitos anos que o Fórum aponta isso. Desde 2000 que a gente aponta isso e, nesse momento, esse Fórum das Resistências marca, na mesma semana de Davos, que os povos do mundo estão insatisfeitos com os grandes organizadores do capital mundial”, afirma.
Para a mexicana Rosy Zúñiga, secretária-geral do Conselho de Educação Popular de América Latina e Caribe (CEAAL), o encontro em Porto Alegre “é muito importante para congregar os movimentos sociais de resistência frente aos retrocessos que se vive na América Latina, não só no Brasil, mas também no Chile, Equador, Haiti, Honduras”, afirma. “É muito benéfico nos juntarmos aqui para pensarmos juntos como nós vamos nos unir para sair dessa opressão.”
“No Chile, o povo está mobilizado, pensando como querem ser, querem uma nova constituição. No entanto, as forças oficiais não querem escutar o povo. Então nesse momento precisa ter solidariedade com o Chile”, exemplifica. “Temos a preocupação com o que passa na Bolívia, com o racismo, a discriminação sofrida por mulheres e povos indígenas. Também estão assediando muito os jovens, sobretudo no Brasil, os negros, e também as mulheres. Há uma preocupação muito grande com esse sistema patriarcal que existe agora. É preciso derrotar todo esse sistema que normaliza a violência”, afirma.
Acesse a programação completa das atividades do 2º Fórum Social das Resistências.
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Edição: Katia Marko