Rio Grande do Sul

Crise

Governo e Assembleia do RS são alertados por agricultores sobre a gravidade da seca

Enquanto governador Eduardo Leite goza de período de férias, agricultores vivem situação desesperadora

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Reunião no Palácio Piratini colocou a seca em pauta e ampliou a participação para segmentos antes excluídos do grupo de trabalho
Reunião no Palácio Piratini colocou a seca em pauta e ampliou a participação para segmentos antes excluídos do grupo de trabalho - Leandro Molina

Parece cena de ficção, mas é fato: enquanto o setor da agricultura – maior força motriz da economia do Rio Grande do Sul – está entrando em crise devido às perdas provocadas pelo período de estiagem que se estende desde novembro passado em dois terços do território, o governador Eduardo Leite (PSDB) ausentou-se para gozar de férias. Descontentes com a situação, representantes de movimentos sociais ligados ao campo, associações de classe, federações sindicais e municipalistas solicitaram e foram atendidos pelos deputados estaduais Luis Augusto Lara (PTB) e Edegar Pretto (PT), respectivamente governador e presidente da Assembleia Legislativa em exercício, para que tomem providências concretas e quebrem a barreira de isolamento que aparentemente existe entre os poderes constituídos e as principais vítimas da seca.

“A estiagem é o tema que mais angustia os gaúchos e gaúchas neste momento, mas não é um tema novo, ele é reincidente a cada 4 ou 5 anos, mas temos a impressão de que o estado é sempre surpreendido como se fosse a primeira vez que isso acontece”, aponta o deputado estadual Edegar Pretto, que no momento preside interinamente o poder legislativo do RS. “Temos que tratar das questões emergenciais, mas também com o olhar voltado para o futuro, até mesmo porque os prejuízos de hoje se prolongam, ficam para daqui um ano, dois anos”, explicou.

“Precisamos enfrentar a estiagem com vontade política, mas também com orçamento, em que pese a situação difícil que enfrenta a economia do RS, não podemos ficar de braços cruzados”, acrescentou o deputado, propositor da reunião. “A economia gaúcha está sendo atacada e precisa ser defendida”, cobrou o parlamentar, mostrando indignação com a passividade com que o problema tem sido tratado pelos governos do Estado e Federal até o momento.

Em tom mais conciliatório, evitando polemizar com o mandatário ausente, Luis Augusto Lara apontou na necessidade de se colocar em consonância as ações desempenhadas até o momento pela Assembleia Legislativa, pelo Poder Executivo do RS e demais órgãos governamentais. “Estamos aqui para buscar sugestões e encaminhamentos que possam amenizar os efeitos da estiagem no RS”. Igualmente afirmou a necessidade de se ampliar os esforços para além do estado e buscar efetividade na participação do governo federal para auxiliar no atendimento das necessidades.

Ao final do encontro, comprometeu-se em tentar aglutinar as diferentes demandas apresentadas pelos segmentos presentes aos encaminhamentos que já vêm sendo discutidos internamente no governo. Um aceno concreto é a possibilidade de um decreto “guarda-chuva” que contemple a homologação dos decretos de situação de emergência já encaminhados pelos municípios mais atingidos pelos efeitos da estiagem. Uma das críticas mais efetivas dos gestores municipais é quanto à demora dos governantes em efetivar as homologações – até o momento nenhuma foi efetivada, apesar do pleito já ter sido encaminhado por mais de 70 municípios.

Movimentos cobram ações concretas

Frei Sérgio falou em nome dos movimentos sociais ligados ao campo e cobrou ações concretas da parte do governo do estado e federal, bem como questionou porque MPA, MST e Fetraf não foram convidados a participar do grupo de trabalhos que está tratando do tema da seca (Foto: Leandro Molina)

“A situação da estiagem é muito grave, muito mais do que aparenta, além mesmo dos dados que trazem até o momento os relatórios apresentados pelo governo do estado”, afirmou o representante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Frei Sérgio Görgen, que reconheceu a importância da ampliação do espaço de manifestação proporcionado por Lara e Pretto a segmentos que até então não tinham tido oportunidade de se manifestar.

“MPA, MST e Fetraf tem uma representatividade significativa no segmento da agricultura familiar e até o momento não foram chamados para nenhuma reunião”, afirmou, acrescentando ainda que “os relatórios não são suficientes para representar o todo porque não expressam as situações específicas, onde há áreas específicas nas quais as perdas não foram tão representativas, enquanto em outros lugares os danos já se aproximam da totalidade”. Para o dirigente camponês, “aqueles que perderam tudo, que são os que mais precisam de socorro, ficam escondidos na média apresentada nos relatórios”.

Outro aspecto ressaltado por Görgen é a questão da seguridade, pois a maior parte dos pequenos agricultores, que são socialmente mais vulneráveis, os mais pobres, não tem conseguido mais acessar ao Pronaf e ficam sem nenhum tipo de cobertura por parte do Estado. “Nós concluímos que existem três secas atingindo a agricultura: a crise financeira que se estabeleceu sobre o país, as políticas públicas para os pequenos que minguaram nos últimos anos, e, por fim, a estiagem que se estabelece pela natureza, que apesar de todos saberem ser cíclica continua sendo tratada como um fenômeno isolado”.

Entre os representantes dos movimentos sociais ligados ao campo e de boa parte dos municipalistas, é unânime a impressão de uma total ausência do governo estadual e federal. “Não estamos vendo existir políticas públicas e sequer podemos notar a presença do governador junto dos agricultores, manifestando algum tipo de solidariedade com os atingidos e atingidas pela estiagem”, expressou Görgen. Por fim, arrematou sua participação na reunião entregando a pauta proposta pelos movimentos e voltou a pontuar a importância simbólica do encontro realizado no Palácio Piratini, na manhã desta terça-feira (21): “Quando há um vácuo de presença dos representantes legítimos, a história nos brinda com momentos como este, em que alguém que está provisoriamente no poder lembra da situação grave que a grande maioria da população está submetida”.

Pauta de reivindicações dos movimentos sociais

Deputado Edegar Pretto solicitou ao governador em exercício, Lara, que abrisse a pauta de diálogo com os segmentos populares e movimentos sociais ligados ao campo que estavam até o momento isolados da formação da pauta oficial relativa aos danos da seca. (Foto: Leandro Molina)

Diferente do que foi levantado até agora nas reuniões do grupo restrito – onde movimentos sociais de forte representação no campo como o MST e o MPA, assim como a Fetraf, não foram convidados a participar – as forças populares cobraram ação mais forte do Estado e da União e exigem a presença dos governantes perto dos atingidos.

Adilson Schuu, do município de Canguçu, relatou um bom debate realizado na semana passada, onde agricultores de várias regiões se reuniram para uma plenária organizada pelo MPA e MST. O encontro colocou o assunto em pauta com vistas a construir um documento que apresente as reivindicações de modo mais concreto do que vinha sendo conduzido até o momento com o protagonismo de agentes políticos e isolamento dos camponeses e camponesas, que são os que mais sofrem com os efeitos climáticos adversos. “Acreditamos que esse vai ser um processo de negociação duro, mas pode ser que hoje se consiga dar um pontapé inicial”, afirma Schuu. “Temos uma certeza muito forte que o Estado precisa atender as famílias, que a conta de mais essa estiagem não pode ficar novamente nas costas dos agricultores”, desabafou o dirigente camponês.

Para Leandro Noronha, de Encruzilhada do Sul, a principal questão desse momento é não perder a esperança. “Nós fizemos uma pauta que dialoga com as demandas dos agricultores, porque a realidade é muito grave, as necessidades são concretas, há famílias de agricultores que correm o risco de ficar sem alimento para sua subsistência”. A omissão do governador Eduardo Leite é um dos pontos que mais revolta o dirigente camponês: “O pobre precisa do governo, precisamos que o governador Leite comece a governar, estamos tratando com o Estado do RS e esperamos que, quando ele retornar, se dê conta que estamos em meio a uma seca e que tem que assumir a postura de ajudar na busca por soluções”.

A pauta proposta pelo Movimento dos Pequenos Agricultores, com adesão do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, abrangendo o amplo espectro dos agricultores camponeses, familiares, assentados e povos tradicionais, divide-se em dois segmentos, sendo um de Caráter Emergencial e outro de caráter Estrutural. No primeiro ponto se apresenta a necessidade urgente de estabelecer ações que cheguem diretamente aos atingidos, contemplando: doação de milho para alimentação animal com subsídio do frete por parte dos governos federal e estadual; criação de um cartão emergencial para os pequenos agricultores recuperarem a sua condição produtiva e manutenção da família no valor de R$ 500,00 mensais, por um período de 06 meses, de forma desburocratizada e direta; anistia das dívidas de até R$ 30 mil da agricultura familiar, no valor de contratação, incluso o custeio pecuário e repactuação do saldo devedor em 10 anos; anistia do troca-troca; doação de sementes forrageiras de inverno.

Já no segundo ponto, a pauta dos movimentos sociais busca o desenvolvimento de ações que criem condições para o enfrentamento das estiagens, contemplando: criação de um Programa de Armazenamento de Água e Estrutura de Irrigação, possibilitando condições para que se irrigue de 3 a 5 hectares por propriedade da agricultura familiar, assentados e povos tradicionais; reedição da Lei Federal 13.340/2016 com atualização de valores e extensão para os municípios com decreto de emergência atingidos pela seca; crédito emergência para recuperação da capacidade produtiva, no valor de 10 mil reais, com 3 anos de carência e prazo de 10 anos para pagamento; crédito de R$ 30 mil através de um Programa Camponês para estruturar as pequenas propriedades, com 3 anos de carência e 10 anos para pagamento; garantir água para o consumo humano, para todas as famílias do campo.

Para Frei Sérgio, “a audiência pública foi muito elucidativa, pois escancarou a tragédia da seca no estado, exigindo das autoridades medidas reais e concretas para amenizar e resolver o problema, sob risco de grave omissão política”. Além dos já citados na matéria, também estiveram presentes ou representados na reunião as secretarias estaduais da Agricultura, Fazenda e Meio Ambiente; os deputados estaduais Edson Brum (MDB) e Capitão Macedo (PSL), o deputado federal Ronaldo Santini (PTB), Banrisul, Badesul, FAMURS, FETRAF, FARSUL, FECOAGRO e FETAG, além de prefeitos e representantes de mais de 20 municípios atingidos.

Aguardava-se para o final da tarde o novo boletim com dados atualizados pelo governo do Estado a respeito dos índices de perdas na produção e previsão meteorológica para o próximo período, mas o documento não foi disponibilizado até o fechamento dessa materia. A Defesa Civil por sua vez, atualizou ainda na terça-feira, 21, o número de municípios com estado de emergência decretado, já chegando a 76, enquanto outros 13 estão em trâmite para o decreto, porém ainda nenhum teve a homologação efetivada por parte do Governo do Estado e Federal.

Edição: Marcelo Ferreira