No capitalismo, o trabalho produz mercadorias e produz o próprio homem. As mercadorias são valores de uso que servem para trocar no mercado. A mercadoria tem um valor de troca que a iguala a todas as outras mercadorias. Essa equalização das mercadorias é dada pelo trabalho que cada uma contém em quantidades diferentes.
Portanto, o valor de uma mercadoria é diretamente proporcional à quantidade de trabalho abstrato nela materializado e inversamente proporcional à produtividade do trabalho concreto que a produz. Sendo que o trabalho abstrato é o trabalho social despojado de suas distinções qualitativas (indiferente à forma, ao conteúdo e à individualidade do trabalhador), só importando as quantidades de força de trabalho gasta na produção de um bem. Já o trabalho concreto é o trabalho qualificado específico de cada trabalhador (pedreiro, carpinteiro, serralheiro, etc.).
Assim, o ato singular de trabalho – ele mesmo uma mercadoria – compreende trabalho concreto e trabalho abstrato; sendo o trabalho concreto um valor de uso, uma qualificação do trabalhador; e o trabalho abstrato um valor de troca, uma quantificação do tempo empregado pelo trabalhador no processo de trabalho.
Marx nota que o trabalho concreto específico é reduzido – no mercado - a trabalho abstrato universal. E essa redução é também uma degradação do trabalho; ele é subtraído das suas qualidades para ser reconhecido (e daí remunerado, parcialmente) como quantidade, em medida de tempo.
O mercado, assim, não reconhece a qualidade da força de trabalho (apesar de esgotá-la), e sim a sua quantidade parcial. A transferência/incorporação de valor do trabalho à mercadoria é alienação de qualidade e de quantidade de valor, agora materializado num objeto. Objeto esse que será estranho ao trabalhador (esgotado de qualidades), sobre o qual ele não terá a mais mínima identidade; e que se voltará contra ele sob a forma de capital, para novamente subtraí-lo e condená-lo à alienação material e ideológica. Material, porque nega remunerá-lo segundo a grandeza efetiva da riqueza criada; e ideológica, porque lhe cega o conhecimento de que ele próprio é o sujeito do processo de criação de riqueza e geração de poder, fazendo-o crer que é tão-somente um objeto, tal qual a mercadoria que produz.
O mercado é definido, então, como uma instituição social, histórica que supre a sociedade de valores de uso determinada (governada) pela Lei do Valor, que submete a liberdade individual às quantificações sem-qualidades de sua própria reprodução fetichizada. As qualidades (valor de uso) do trabalhador (agora) sem qualidades estão diluídas para sempre em reproduções seriais de valores de troca que o representam de forma transfigurada no mercado de quantidades "sisificamente" repetidas.
A transcendência máxima do máximo de mercadorias é realizar-se (qualificar-se) freneticamente como dinheiro – a mercadoria modelo/forma da última vida social ou, como diz Marx, a "expressão social do mundo das mercadorias".
Todas as demais mercadorias querem "imitar" a capacidade de valorização do dinheiro, que é "a vida do que está morto (força de trabalho alienada na mercadoria, e esta transformada em moeda) se movendo em si mesma" – na genial síntese de Hegel.
Em 22 de janeiro, 2020.
(*) Sociólogo
Edição: Marcos Corbari