Reunidos no município de Canguçu – território simbólico para o campesinato, pois é onde está localizado o maior número de minifúndios na América Latina – dirigentes e militantes que compõem a base do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) colocaram a seca que vem atingindo o RS em debate. Desde Novembro as precipitações estão ausentes ou abaixo da média em muitas localidades, levando a perdas severas em culturas tradicionais como milho, feijão, hortifrutigranjeiros, fumo, bem como prejudicando a criação de animais para abate e a cadeia produtiva do leite.
Cerca de 100 pessoas estiveram presentes e os relatos dão conta de uma situação muito grave, que coloca em risco não apenas a subsistência do pequeno produtor no campo, mas também a oferta de alimento de boa qualidade ao trabalhador urbano. “A horta morreu... o gado está magro... tá faltando comida na mesa... a água só de balde e buscando longe... animais estão passando sede... produção de Leite caindo... silagem em pouca quantidade e má qualidade... perdas irreversíveis... desânimo com os governos”, desabafavam a todo instante os camponeses e as camponesas que participaram da plenária.
“A verdade é que o pequeno do campo está tendo a impressão de que não há, nas instâncias representativas, quem olhe por ele”, aponta Gilberto Wink, de Vera Cruz. “Todo o povo já vinha há bastante tempo sentindo os efeitos da crise geral que se abateu sobre o país, mas agora a seca veio com tudo e agravou esse cenário”, acrescentou.
No mesmo sentido Viviane Chiarello, que integra o coletivo de juventude do movimento e atua em uma cooperativa camponesa em Seberi, manifestou-se: “Cada dia mais a situação vai se agravando e as perdas vão ficando irreversíveis”, relatou. Lembrou ainda o caráter de não uniformidade da estiagem – algumas localidades tem tido precipitações, enquanto outras seguem expostas a uma estiagem prolongada – pode enganar a opinião pública, mas o resultado final desse momento de profunda gravidade vai chegar de uma forma ou outra até todos os segmentos sociais.
Resumindo os diversos depoimentos colhidos junto à base do MPA, Frei Sérgio Görgen afirmou que “são três as secas que atingem o povo: a crise financeira (ninguém tem dinheiro); a falta de apoio dos governos (não tem mais nada, ninguém se sente representado); e agora a falta da chuva (que agrava a situação geral)”. Para Görgen, “enquanto alguns sentem o momento pela perda da sua produção e pela dificuldade crescente em se manter trabalhando no campo, outros vão notar pela carestia, pela diminuição da oferta de comida com boa qualidade e pela alta nos preços”, arrematou.
“Há quem acredite que o Proagro (Programa de Garantia da Atividade Agropecuária) poderia ser uma tábua de salvação, mas a maior parte dos pequenos não teve mais condições de buscar financiamento. O Banco do Brasil virou tapera para os pequenos, o financiamento agrícola se tornou atrativo para o sistema financeiro e voltou a ser um instrumento inacessível para aqueles que de fato dedicam sua vida a produzir o alimento que chega na mesa do povo brasileiro”, explica Leandro Noronha, de Encruzilhada do Sul.
Já Adilson Schu, de Canguçu, resumiu a disposição de luta do MPA, relatando que, na plenária, além de decidir sobre a pauta, os camponeses e camponesas reafirmaram a necessidade de reforçar o trabalho de base, expor a situação para os demais segmentos e construir condições de esclarecimento e debate com o povo. Além disso, avaliaram ser indispensável cobrar postura concreta e comprometimento das autoridades, buscar a mobilização das comunidades e, se necessário, estar prontos para enfrentar um novo ciclo de lutas populares.
“Quem alimenta o Brasil exige respeito!”, puxaram a plena voz as jovens Marta Bringman, de Vale do Sol, e Sandi Xavier, de Santa Cruz do Sul, reforçando o significado nas palavras de ordem do dia, através da motivação que tem norteado as ações do MPA de norte a sul do Brasil desde que foi dado início às ações do Mutirão da Esperança Camponesa, há cerca de dois anos. “Tiramos decisões e posições enquanto movimento e saímos daqui com uma pauta de reivindicações e o indicativo de solicitação de uma reunião com o governador”, informou Ivonildo dos Santos, de Redentora.
Confira a íntegra da pauta afirmada pela Plenária do MPA e que passa a nortear as ações do movimento em todas as regionais do RS desde esta quarta-feira (16):
Pauta do Movimento dos Pequenos Agricultores
Considerando a gravidade da estiagem que assola o Estado do Rio Grande do Sul, com a decretação de situação de emergência em vários municípios gaúchos e com perdas incalculáveis na atividade agropecuária;
Considerando que em muitas regiões, falta água potável para consumo humano e muitas famílias passam por necessidades para garantir a alimentação do grupo familiar;
Considerando que os efeitos da estiagem, comprometeram as principais culturas agrícolas e pecuárias (milho, feijão, leite, fumo), dentre outras, e que muitas famílias de agricultores familiares perderam mais de 50% da produção;
Considerando que milhares de famílias não acessaram os recursos do crédito rural, devido à inadimplência junto aos agentes financeiros, e deste modo não possuem qualquer tipo de seguro da atividade;
Considerando o quadro acima mencionado, o Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA apresenta a seguinte pauta de reinvindicações.
Caráter Emergencial
Estabelecer ações urgentes que cheguem diretamente às famílias dos agricultores e assentados, povos tradicionais de forma massiva, contemplando:
a) Doação de milho para alimentação animal aos agricultores familiares, assentados e povos tradicionais com subsídio do frete por parte do governo federal e estadual;
b) Criação de um cartão emergencial para os agricultores familiares, assentados e povos tradicionais recuperarem a sua condição produtiva e manutenção da família, no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) mensais, por um período de 06 meses, de forma desburocratizada e direta;
c) Anistia das dividas de até 30 mil reais da agricultura familiar, no valor de contratação, incluso o custeio pecuário. E repactuação do saldo devedor em 10 anos;
d) Anistia do troca-troca;
e) Doação de sementes forrageiras de inverno.
Caráter Estrutural
Desenvolver ações que criem condições para o enfrentamento das estiagens no Rio Grande do Sul, contemplando:
f) Criação de um Programa de Armazenamento de Água e Estrutura de Irrigação, possibilitando condições para que se irrigue de 3 a 5 hectares por propriedade da agricultura familiar, assentados e povos tradicionais;
g) Reedição da Lei Federal 13.340/2016 com atualização de valores e extensão para os municípios com decreto de emergência atingidos pela seca;
h) Crédito emergência para recuperação da capacidade produtiva, no valor de 10 mil reais. Com 03 anos de carência e prazo de 10 anos para pagamento; i) Crédito de 30 mil reais através de um Programa camponês para estruturar as pequenas propriedades, com 03 anos de carência e 10 anos para pagamento;
j) Garantir água para o consumo humano, para todas as famílias do campo.
Canguçu, 16 de janeiro de 2020.
PLENÁRIA ESTADUAL DO MPA – RS SOBRE OS EFEITOS DA SECA
ORGANIZAR – PRODUZIR – ALIMENTAR
Edição: Marcelo Ferreira