Nosso Estado do Rio Grande do Sul alcançou construir uma significativa cultura própria, com seus importantes valores, amplas realizações, convívio e elaboração de conhecimento da grandeza da vida. Nossa cidade de Porto Alegre tem sido uma grande catalisadora desse trabalho com o desenvolvimento da arte, da ciência e do pensamento.
Esse é um processo de sociedade que exige a liberdade ampla às escolas, às instituições e à comunicação e um povo que luta pelo seu conhecimento e tem uma abertura que permita o diálogo e o respeito às diferenças e às variedades. A verdadeira cultura é um desafio pela e com a democracia.
Esse trajeto todo foi construído com muito esforço, que permitiu o surgimento de muitos artistas, cientistas, instituições e espaços do mais diverso relacionamento. Mesmo assim podemos dizer que, como em todo o mundo civilizado, temos o mercado e uma disputa em parte baseada na concorrência de negociação. Trata-se de pontos que podem ser superados e até absorvidos. Mas determina que quem venha assumir esse confronto esteja pronto para a resistência de defender a cultura. Não se trata de um ingênuo moralismo, mas do confronto das posições e ideias claras que defendem seus objetivos e concepção.
Hoje em Porto Alegre vivemos uma situação nesse sentido. Instituições de valor consagrado pelos artistas e pela população, com sua história, trabalhos sistemáticos com artistas já reconhecidos e os novos, com quem se trocam os seus valores e acúmulos em uma exuberante criatividade, poderão ter suas administrações contratadas ou ter suas estruturas concedidas a empresas particulares. Os perigos são diversos e muito graves. Em nenhum caso foi apresentada uma proposta ou um plano de desenvolvimento e sequer foi dito até agora o motivo de se fazer concessão ou contratos de administração, se essas instituições funcionam com alta qualidade e com orçamentos muito baixos. É uma dúvida atroz e muito perigosa.
A qualidade dessas entidades não surgiu em um estalar de dedos. Pelo contrário. Uma área cultural a que nos referimos é a Cinemateca Capitólio, que teve seu processo de elaboração desde a década dos anos 1990 até 2015, quando conseguiu abrir suas portas. Foi um longo tempo de debates, construção de objetivos e valores culturais e práticos. A população foi participativa com a elaboração, junto com intelectuais do cinema e de outras áreas do pensamento. Foi alcançado, junto com a administração da prefeitura daquela época e a alta qualidade dos profissionais, um trajeto que deve ser cuidado para impedir que seja roubado.
Trata-se de uma Cinemateca de inúmeras atividades e um imenso público, principalmente de ativos jovens, que inclusive participam. Mas não são só esses, porque muitas pessoas de outros municípios visitam e participam dessas atividades.
As salas estão sempre cheias, tanto as do cinema como as da biblioteca junto do arquivo, que permitem a pesquisa e a elaboração universitária. Mas podemos também nos referir ao acervo com recuperação dos filmes, cinema para crianças, discussões com as mais diversas entidades da sociedade. O belo prédio de estilo eclético é preservado. Temos muitos cursos, pesquisas, exposições. Organizações com críticos do cinema alcançam algo maravilhoso, que é o encontro de cineastas, tanto brasileiros como de muitos países, em debates com as pessoas da plateia. Isso tudo e muitos outros trabalhos que em quatro anos foram realizados.
Não é casual que a Cinemateca Capitólio tenha contatos em diversos países. Contatos que não são simples troca de endereços. É um mérito muito importante e que não podemos perder.
Outras entidades sob ameaça são a Pinacoteca, a Usina do Gasômetro, o Teatro Renascença e o próprio Mercado Público, obra magnífica de 150 anos que no governo do prefeito Thompson Flores correu risco de ser demolida. Diversos intelectuais na ocasião se reuniram e se dirigiram ao prefeito. Um ótimo debate fez com que não só se desistisse da ideia como surgisse a instituição localizada no interior da prefeitura, que tem acervo artístico e exposições permanentes. O belo debate permitiu evitar um desastre e construiu um local de exposições e acervo de obras artísticas do Rio Grande do Sul e de outros estados também.
É a nossa história, nossa cultura que está ameaçada. Trata-se de uma orientação semelhante à ideologia do projeto Escola sem Partido, apresentado pelo governo federal e já absorvido como orientação do governo no RS. Essa estrutura não surge do nada e mudando sem projeto ou plano, sem que se diga por que fazer essa barbaridade, e nos permite conjecturar que tem como objetivo a orientação que está em moda pelos setores de mercado mesquinho, de um conhecimento absoluto, rígido e que não permite a divergência e tampouco o diálogo. O objetivo é a “imbecilização” da população e da nossa sociedade.
* Urbanista e historiador
Edição: Marcelo Ferreira