Neste 2020, chega-se a 35 anos do que se pode chamar “A Era dos Pacotes” no Rio Grande do Sul – uma sucessão de cortes mais ou menos profundos no orçamento público para ajustar a despesa crescente à receita minguante. Este será o tema da série de artigos e reportagens que começamos a publicar, numa parceria entre o Jornal Já e o Brasil de Fato RS.
Pedro Simon, que completa 90 anos neste 31 de janeiro, foi o primeiro governador a declarar guerra frontal ao déficit crônico, herança da ditadura, e a aprovar um conjunto de medidas drásticas para conter as despesas. O primeiro pacote do pós-ditadura.
Desde então, não houve mais como escamotear o problema, como se fazia nos anos do regime militar. Todos os governadores, a partir daí, declararam o déficit “inimigo número um”. Todos aumentaram (ou tentaram aumentar) impostos e cortaram despesas, principalmente de pessoal. Com exceção de situações pontuais, não duradoras, o déficit seguiu sua trajetória ascendente.
Por conta dele, há uma dívida acumulada que supera os R$ 100 bilhões. Como resultado, o Estado atrasa salários, precariza serviços e tem o imposto mais alto do país, afugentando empresas e investidores.
Eduardo Leite (PSDB), aos 34 anos, é o décimo a enfrentar a esfinge do déficit. Teve eleição singular, dizendo que faria o ajuste que o adversário vinha fazendo, com mais dinamismo.
O resultado é que entrou no governo prisioneiro de um projeto em andamento, cujo pilar central é um acordo com o principal credor da dívida pública estadual, o governo federal. O acordo oferece suspensão do pagamento das parcelas da dívida por três anos, prorrogáveis por mais três, e acena com “apoio financeiro” que não fica claro. (A dívida já não vem sendo paga há dois anos). Em troca, exige um plano de ajuste que envolve congelamento de gastos, cortes em salários e benefícios do funcionalismo, aumento de impostos e privatizações.
Leite consumiu seu primeiro ano “fazendo a lição de casa” para atender às exigências desse rigoroso Programa de Ajuste Fiscal. Com apoio ostensivo das entidades empresariais e dos setores mais influentes da mídia, teve força política para superar obstáculos nos quais o governador anterior, José Ivo Sartori, tropeçou. A mudança da lei para poder privatizar estatais sem precisar plebiscito, por exemplo.
Mas não conseguiu completar o serviço com um pacote de oito projetos, concebidos para cortar R$ 25,4 bilhões nos gastos com pessoal, em dez anos. Obteve uma vitória expressiva no “apagar das luzes” de 2019, com a aprovação de mudanças na Previdência do funcionalismo, para enquadrá-la na reforma federal, cortando benefícios e aumentando contribuição (Os aposentados vão contribuir com uma “economia” de R$ 11 bilhões em dez anos, segundo estimativa do governo).
Mas teve que jogar para frente os outros sete projetos, entre eles o mais polêmico, que mexe no Plano de Carreira, duramente conquistado pelo magistério estadual. Devem ser votados no início deste ano e, provavelmente, aprovados com folga, apesar da aguerrida resistência, principalmente do Sindicato dos Professores, que começou o ano nas ruas.
Nem tudo estará resolvido, no entanto. O próprio Programa de Recuperação Fiscal (PRF), a estas alturas, é uma incógnita.
O Rio de Janeiro é o único Estado que conseguiu a aderir desde que o programa foi lançado, em 2017. E já está claro que ele é insuficiente.
No início de dezembro, em seminário sobre o programa em Brasília, representantes do governo admitiram que o programa pode ser reformulado. Em ocasiões anteriores, o ministro Paulo Guedes já tinha dito que o PRF “não tem potência para resolver o problema dos Estados”.
Atualmente, Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Goiás estão negociando com o Ministério da Economia a entrada no programa. Há outros onze na fila.
Novas façanhas
“Novas façanhas” é o slogan do governo Eduardo Leite, inspirado obviamente nos irredentos farroupilhas que inscreveram no hino revolucionário, hoje hino oficial do Estado, um verso atrevido: “Sirvam nossas façanhas de modelo a toda a terra”
Justificava-se o ufanismo dos republicanos riograndenses de 1836: eles haviam fundado uma República no ponto mais sensível do Império português na América. Era, portanto, uma façanha para servir de exemplo aos que lutavam contra as monarquias.
O governador Leite, até agora, buscou alinhamento incondicional ao poder central, para obter o acordo a fim de renegociar a dívida estadual, que pode trazer um alívio a curto prazo. Mas nem isso é certo. Ele terá provavelmente uma boa receita extra com as privatizações, (fala-se em R$ 3 bilhões, pode ser mais) colocará os salários em dia e depois contará com a retomada da economia para concluir seu governo e, quem sabe, tentar voos mais altos.
E para os gaúchos, quando estará encerrada a “Era dos Pacotes”, que começou precarizando os serviços públicos e hoje emperra toda a economia? Esta é a pergunta que vai orientar a série de artigos e reportagens que vamos publicar nas próximas semanas.
Edição: Marcelo Ferreira