A indicação do filme-documentário “Democracia em Vertigem” ao Oscar é notícia auspiciosa e relevante para os que lutam pela retomada democrática no Brasil. Sublinha e chama a atenção mundial para os fatos ocorridos no País, durante os anos 2013 e 2016, governo Dilma Rousseff, quando se manifestou cruelmente um esforço internacional para derrubar a frágil democracia brasileira.
Infelizmente o esforço foi exitoso, pelo menos na intenção destrutiva e entreguista. Hoje, a extrema direita no poder não consegue responder aos desafios grandiosos para recolocar o País na normalidade formal exigida para novamente ser classificado como “democracia em Estado de Direito”. Cambaleamos a cada dia e a cada hora na tentativa inglória de fingir que experimentamos a normalidade funcional da institucionalidade e da divisão de poderes. Admite-se que o fracasso é o próprio êxito da extrema direita no poder.
O filme ora indicado ao Oscar tenta contar os tempos pregressos desta nova tragédia brasileira: o golpe de Estado de 2016. A valente diretora Petra Costa faz a disputa pela versão histórica que deve prevalecer nos compêndios, nas salas de aula, nos debates públicos, nos corações e nas mentes das futuras gerações acerca de tão relevantes e tristes acontecimentos políticos. Sim, a luta de classes também envolve a disputa pela História. Petra avança bastante, mas ainda ficaram frestas por onde vertem sombras e zonas cinzentas, rachaduras por onde a verdade factual não consegue se revelar por inteira.
Ainda assim, confesso que gostei do documentário de Petra Costa. A delicada mescla de depoimento pessoal-familiar-político ficou na medida.
Tenho apenas dois apontamentos básicos:
1) Quando são mencionados os eventos de massa de junho/julho de 2013, a identificação dos motivos políticos que promoveram aqueles fatos é nebulosa e esquecida, porque ignora que ali se preparava uma futura "primavera brasileira", que a exemplo das reviravoltas no mundo árabe, sempre foram mobilizações provocadas e controladas desde fora, a saber: os USA. O bruxo da direita mundial, Steve Bannon, não nega isso. As jornadas de 2013 no Brasil foram um laboratório experimental para o que viria na sequência dos meses.
2) Hoje, está muito claro o papel que o chamado Deep State estadunidense cumpriu no golpe de 2016, na Lava Jato/Moro e na própria "eleição" de Bolsonaro e família. Essa ênfase necessária e fundamental não comparece ao documentário de Petra Costa. Eu suponho que seja pelo fato de os seus produtores/distribuidores serem oriundos dos USA.
A Netflix auxiliou na produção e investiu na distribuição do filme em 190 países ao mesmo tempo. Isso não é pouca coisa.
Afinal, a Netflix é uma empresa do grupo The Walt Disney Company, e o seu CEO, Reed Hastings, é membro do conselho administrativo do Facebook.
Quando falamos em Netflix, Walt Disney e Facebook estamos falando de importantes players da constelação estelar do super-über-dinheiro global chamada Masters of the Universe, é gente que conta e que manda de fato na bagaça mundial.
Seria muita ingenuidade pensar que não tivesse havido uma espécie atenuada (porque tácita) de pacto faustiano: você não denuncia os USA, e nós vamos promover o filme no mundo todo. É pegar ou largar.
Noves fora, o filme é muito bom. Merece o Oscar de melhor documentário do certame.
*Sociólogo
Edição: Marcos Corbari