Rio Grande do Sul

MEIO AMBIENTE

Aterro Viamão: População do município gaúcho conquista uma importante vitória

Câmara de Viamão aprova projeto que obriga aprovação legislativa para empreendimentos de alto impacto ambiental

Brasil de Fato | Porto Alegre |

Ouça o áudio:

Projeto aprovado prevê audiências públicas e aprovação pela Câmara
Projeto aprovado prevê audiências públicas e aprovação pela Câmara - Foto: Priscila Kisiolar

A comunidade do município de Viamão, cidade vizinha de Porto Alegre, conseguiu uma importante vitória no último dia 26 de dezembro. A Câmara de Vereadores aprovou o Projeto de Lei (PL) 185/2019, que obriga a aprovação legislativa para instalação de empreendimentos de aterro sanitário, reciclagem e manuseio de lixo doméstico, comercial ou industrial no município. Se sancionado pelo prefeito, o PL pode impactar no andamento do processo de instalação do aterro no município, aprovado em outubro de 2019, já que vai ser necessário o aval da população e do legislativo. “Hoje, me parece que a população não daria este aval”, opina o autor do PL, vereador Guto Lopes (PSOL).

As tratativas sobre a implantação do aterro sanitário na Zona Rural da cidade começaram no início de 2019, com o processo instaurado na Prefeitura de Viamão, sob o número 037670/2018, pela Empresa Brasileira de Meio Ambiente S. A. (EBMA), com sede no Rio de Janeiro. A Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) autorizou, inicialmente, o manejo de fauna, e a prefeitura deu a viabilidade da instalação, mas ainda não há licenciamento ambiental, esclarece Guto.

Com uma população estimada em 285.269 habitantes, no município ficam localidades como a aldeia indígena Cantagalo e as comunidades rurais Capororoca, Passo da Batalha, Beco do Pesqueiro, uma região rica em biodiversidade. Desde que ficaram sabendo do projeto, a população tem se mobilizado intensamente para barrá-lo. Morador da região, o engenheiro ambiental Iporã Brito Possantti desenvolveu estudos que comprovam riscos à zona rural. O terreno em que se pretende ser feito o aterro fica em um dos pontos mais altos da cidade e próxima a aldeia indígena Guarani Cantagalo.

Audiências marcadas

A fim de mobilizar a população contra a instalação do lixão em Viamão, uma assembleia dos moradores foi convocada para segunda-feira (13), a partir das 19h, no Centro Comunitário Nossa Senhora de Lourdes (Estrada Anielo Feula, 2289, em frente ao Terminal Cantagalo/Figueira, Viamão). A reunião terá como pauta o relato de todos os passos realizados durante o ano de lutas contra o empreendimento, a comunicação das ações recentes e o fortalecimento da união da comunidade.

No dia seguinte, terça-feira (14), será realizada uma nova consulta sobre a instalação do aterro. Convocada pela prefeitura, a consulta pública e audiência pública está marcada para às 17h, no auditório Walter Graff (rua Mal Deodoro, 220 - Centro de Viamão. As minutas estarão disponíveis no site da prefeitura de Viamão e os interessados terão o prazo de 30 dias para consultar os documentos e enviar contribuições acerca do edital. 

Aterro impacta comunidade e município

O Brasil de Fato RS conversou com o vereador Guto sobre o seu projeto e também sobre o aterro. Para ele, os riscos ambientais aos quais a população pode ser submetida com a implantação de empreendimentos dessa natureza exigem uma fiscalização atenta. Em sua avaliação é preciso antever possíveis desastres utilizando a prevenção como maneira de proteger a população e o meio ambiente.

“O ponto da discussão (hoje) não é nem a instalação em si, mas sim a localidade escolhida. Por que ali? Por que não em uma região que causaria bem menos impacto? Por que deveríamos cogitar receber lixo de tantos outros municípios sob pena de anular o potencial da zona rural? E por que não procuramos outras tecnologias ao invés de enterrar lixo? São questionamentos que fazemos ao poder Executivo”, frisa.

Segue abaixo a entrevista

Brasil de Fato RS: Vimos que a comunidade se mobilizou durante todo o ano de 2019 contra a instalação do aterro. Estudos foram feitos sobre os impactos do mesmo. E agora temos a aprovação desse projeto. Gostaria que nos falasse mais sobre o projeto e o que ele significa?

Guto Lopes: Ele significa, principalmente, a descentralização do poder de decisão sobre empreendimentos de grande impacto ambiental. Instalações de porte como a de um aterro sanitário acabam por impactar diretamente a vida da comunidade no entorno, podendo até se estender para todo o município, se tivermos uma perda em algum setor da economia, por exemplo. Portanto, nada mais justo que as comunidades envolvidas tenham poder de decisão. Este projeto obriga empreendimentos de aterro sanitário, reciclagem e manuseio de lixo doméstico, comercial ou industrial no município, a passar por aprovação do legislativo e consultar as comunidades atingidas através de duas audiências públicas.

Vereador Guto Lopes, autor do projeto / Foto: Câmara de Vereadores de Viamão

BdFRS: Que interesses estão por trás desse tipo de empreendimento?

Guto: Certamente a prefeitura vê algum benefício econômico-financeiro, no entanto não fica evidente qual seria e para quem seria. Na vida real, se um lixão de 28 cidades aqui se instalasse, perderíamos muitos produtores, teríamos mais desemprego e mais pobreza, perderíamos a AMBEV e algumas outras empresas, e acabaríamos com nossa riqueza natural que é abundante nessa região.

O ponto da discussão (hoje) não é nem a instalação em si, mas sim a localidade escolhida. Por que ali? Por que não em uma região que causaria bem menos impacto? Por que deveríamos cogitar receber lixo de tantos outros municípios sob pena de anular o potencial da zona rural? E por que não procuramos outras tecnologias ao invés de enterrar lixo? São questionamentos que fazemos ao poder Executivo!

BdFRS: Quais são os próximos passos?

Guto: O Projeto foi aprovado na Câmara de Vereadores e agora tem 8 dias para ser sancionado pelo prefeito. Se ele for vetado, ele volta para a Câmara e o veto pode ser derrubado. Esperaremos este prazo, mas ficaremos atentos às decisões da prefeitura e esperamos que a população ajude a pressionar os poderes.

O engenheiro ambiental Iporã Brito Possantti desenvolveu estudos que comprovam riscos à zona rural. Os estudos comprovam que Viamão tem baixa aptidão para receber aterros sanitários. Que alternativa poderia ser feita no município em relação ao assunto?

Primeiramente é preciso difundir a conscientização sobre o consumo, precisamos pensar sobre o que compramos e o que utilizamos para descarte, quase imediato. Ainda, a educação ambiental é uma importante aliada e deveria estar dentro das escolas, principalmente. E claro, até zerarmos nossa produção de lixo, ou aumentarmos significativamente a coleta seletiva, sempre teremos algum volume que não poderá ser aproveitado, então se houver uma destinação para um aterro, por exemplo, que seja feita com prudência e de forma a reduzir ao máximo os danos.

BdFRS: Qual a importância da participação popular?

Guto: Não existe governo justo sem participação popular! Se não fosse pela união, organização e perseverança da comunidade, talvez já estivéssemos recebendo lixo de 28 cidades, perdendo agricultores com selo de produção orgânica, gastando mais com saúde pública pela poluição da água ingerida, e teríamos perdido a AMBEV, hoje maior arrecadadora de impostos do município, instalada aqui justamente pela pureza da água. Em Águas Claras, a forte mobilização popular também derrubou a instalação do mesmo tipo de empreendimento na região.

Governar de forma unilateral é escolher beneficiar alguns em detrimento de muitos. Além disso, sem alinhamento com a população não é possível compreender a realidade do município, e tampouco resolver os problemas existentes. E sem resolução você tem um povo que se sente negligenciado, esquecido, insatisfeito, que não produz e que não desenvolve, o que rebate justamente no município. Nada está desconectado! Então o povo é peça chave em uma administração de sucesso.

Edição: Marcelo Ferreira