Ainda estamos longe de alcançar o Estado social que queremos no Brasil
Acompanhamos, recentemente, a grande final da Copa Mundial de Clubes, da FIFA, com vitória do bilionário Liverpool, vencendo, nada menos que, o nosso milionário Flamengo[1]. Mas não é de futebol que eu quero falar aqui, até porque, de futebol, eu entendo tanto quanto de astronomia, ou seja, quase nada. O que eu gostaria é de comentar sobre uma entrevista concedida pelo técnico do Liverpool, o Sr. Jürgen Klopp, ao jornal alemão TAZ, em que ele afirma que é de esquerda e que nunca votaria em um partido que prometesse baixar os impostos. Confesso que, até então, não conhecia as posições deste treinador, mas a partir desta manifestação resolvi buscar mais informações. O blog DCM[2] publicou uma reportagem interessante que revela algumas características de sua personalidade e as posições politicamente engajadas deste profissional, que acredita no Estado de Bem-estar social, que não tem plano de saúde, que quer que todos possam viver bem e que jamais votaria na direita.
Em diversas outras reportagens, garimpadas da internet, pude verificar que o Sr. Klopp, além de um grande treinador de futebol, é um militante político muito identificado com as causas sociais. As suas declarações em defesa do Estado de Bem-estar são realmente muito oportunas, especialmente neste momento em que ressurge em vários lugares do mundo, inclusive no Brasil, uma nova onda neoliberal, que nem poderia ser chamada de nova, pois são as mesmas velhas fórmulas que já se demonstraram incapazes de promover o desenvolvimento econômico e social.
No Brasil, esta onda chegou determinada a promover a minimização do Estado da forma mais rápida possível. Representantes de vários setores do governo defendem abertamente esta lógica reducionista para o setor público, como forma de promover a ampliação dos espaços de geração de lucros para o setor privado, contrariando dispositivos constitucionais que definem a essência do Estado social que somos, desde 1988.
O técnico campeão mundial Jürgen Klopp defende claramente o Estado de Bem-estar. A maioria da população brasileira também defende as políticas públicas como prioridades para a redução das desigualdades sociais[3]. No entanto, construiu-se, por aqui, uma narrativa de que a carga tributária é insuportavelmente alta, discurso que se impregnou de tal forma no consciente coletivo que se torna quase impossível travar-se qualquer debate sério sobre este tema. Políticos que ousam falar do assunto repetem quase sempre a mesma coisa, ou seja, que é preciso reduzir os tributos, ainda que muitos, paradoxalmente, defendam, ao mesmo tempo, o aumento de investimentos em políticas públicas. Menos tributos e mais serviços públicos virou uma espécie de mantra.
A carga tributária brasileira representa aproximadamente 33% do PIB, o que não a torna tão elevada, quanto dizem. Está longe de ser a maior do mundo e é inferior à média dos países da OCDE[4]. Há países com cargas tributárias que chegam perto de 50% do PIB, e vários outros, como a França, Itália, Áustria, Suécia, Finlândia, Bélgica, que são as nossas referências em termos de Estado de Bem-estar social, têm cargas superiores a 40%.
Mas então por que insistem neste discurso de que pagamos impostos demais no Brasil?
Muito simples, o tamanho da carga tributária determina o modelo de Estado que teremos. Altas cargas tributárias estão relacionadas com Estados de Bem-estar social mais bem consolidados e baixas cargas identificam Estados mínimos. Evidentemente, Estados de Bem-estar social dependem, além de arrecadação suficiente de impostos, também de outras variáveis, como tributação progressiva e políticas de gastos sociais voltadas aos setores mais vulneráveis. Por outro lado, com cargas tributárias reduzidas, não há como se ter um Estado de Bem-estar.
Portanto, defender redução de tributos é, sim, defender Estado mínimo, e é importante que isso fique muito claro. Estado mínimo significa menos investimentos em saúde pública, em educação, em segurança, em assistência social e em previdência, para citar apenas algumas das centenas de funções que são executadas pelo setor público e financiadas por tributos.
Assim como o Sr. Jürgen Klopp, eu também não voto, nem votarei, em ninguém que prometa reduzir tributos, sobretudo porque ainda estamos longe de alcançar o Estado social que queremos. Acho que ninguém que defenda o Estado de Bem-estar poderia apoiar quem defenda redução de carga tributária. Precisamos ter a coragem de dizer que a arrecadação tributária no Brasil ainda não é suficiente para construir o Estado social que a população necessita. Ainda faltam recursos para a saúde, a educação, a previdência, a assistência, a segurança, a proteção social. Faltam recursos para a pesquisa, para melhores salários, para a geração de empregos. Faltam recursos para garantir todos os direitos para todos os brasileiros. Então, como poderia, alguém que exija mais políticas públicas, afirmar que precisamos arrecadar menos?
Aliás, é muito importante ressaltar que a sonegação está estimada em cerca 10% do PIB e as renúncias fiscais, em torno de 5% do PIB. Então, se não houvesse sonegação e todos pagassem seus tributos, e se não houvesse tantas renúncias fiscais e privilégios para altas rendas, nossa carga tributária seria certamente maior do que 40% do PIB, e seria, com certeza, muito mais fácil superar a crise fiscal decorrente da atual conjuntura econômica recessiva, sem destruir os direitos duramente conquistados pela maioria da população brasileira. Prefiro o Estado de Bem-estar ao Estado mínimo, logo não defendo redução de tributos.
[1] Estes dois gigantes do futebol mundial, juntos, tiveram receitas superiores a R$ 3 bilhões no ano passado e uma folha de salários que ultrapassa a R$ 1,4 bilhão ao ano, segundo o jornalista Rodrigo Mattos, sendo que o custo da folha do Flamengo representa cerca 25% da do seu adversário.
[2] https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/jurgen-klopp-tecnico-do-liverpool-eu-sou-de-esquerda-naturalmente-acredito-no-estado-de-bem-estar-social/
[3] https://oxfam.org.br/noticias/segunda-edicao-da-pesquisa-oxfam-brasil-datafolha-revela-a-percepcao-dos-brasileiros-sobre-as-desigualdades/
[4] OCDE: Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.
Edição: Katia Marko