Criança inspira ternura, solidariedade, bons sentimentos, sensibilidade. Com criança pobre, nem sempre.
Voltemos dois mil e dezenove anos atrás.
Aquele recenseamento no local de nascimento, imposto pelo exército romano em toda a Galileia militarmente ocupada, com o fim de cobrar impostos, em si, já era uma violência.
Mesmo com a esposa Maria grávida e nos últimos dias, José não teve escolha e foi a Belém, sua terra natal, para se recensear.
Chegou à cidadezinha e as hospedarias estavam lotadas. Mesmo com a mulher grávida, ninguém cedeu lugar. Nem hospedou.
“Migrante desconhecido, vire-se. Quem garante que não é um bandido usando uma mulher grávida?”
Alguém, por fim, oferece uma gruta, atrás da casa, já no campo.
“ É o que temos. Há muita gente no povoado por causa deste recenseamento”.
“Serve. Somos gente sem luxo”. José conhece as agruras da vida.
“Animais circulam por lá....”
“Não nos importamos. Vivemos bem com os bichos ao nosso redor. Em Nazaré, onde moramos, também é assim. Agradecemos de coração”.
E era a noite de Maria. Vieram as dores. Veio o parto. José mesmo foi o parteiro. E veio a grande alegria pelo menino nascido.
Os bichos por companhia.
Depois foi se achegando mais gente. Pastores, vizinhos, curiosos, até alguns cidadãos importantes. Entre eles, uns magos famosos, estudiosos dos astros. Acabam espalhando boato, que, de acordo com uma estrela em movimento, ali nascera um rei.
O rei no poder, Herodes Antipas, carrasco, violento, traidor do seu povo e aliado dos romanos invasores do território judaico, mandou matar todas as crianças com menos de 2 anos. Assim eliminaria o pretenso rei, filho de pobre. Para ser rei tem que ser filho de rei.
Violência brutal, gritos de horror, dor de mães sem consolação possível, caçada dos poderosos ao sinal de possível esperança para os empobrecidos e humilhados.
José e Maria escapam ao horror buscando refúgio no Egito onde experimentam o exílio como migrantes e estrangeiros. A ternura sobrevive à violência graças à determinação de um casal heroico.
O menino da gruta, o sobrevivente do massacre, o criado no exílio, o Filho do Carpinteiro José e da Camponesa Maria, cresce em Nazaré, vive do trabalho, torna-se mestre e cativa discípulos, chama Deus de Pai e diz que dEle só vem Amor, prega o Reino de Deus, prega o amor e a paz, perdoa pecadores, cura doentes, anuncia esperança aos pobres, expulsa demônios, arrasta multidões, combate o preconceito, aceita mulheres discípulas, anuncia e defende um mundo de irmãos, reparte e ensina a repartir, abraça e protege as crianças, chora a morte do amigo Lázaro, arrasta multidões e assusta os poderosos.
Condenam, supliciam, pregam na cruz e matam. O corpo.
Porque não morrem ideais como este. O amor e a ternura sofrem mas não desabam. A violência, a injustiça, a desigualdade, a mentira, a falta de amor, o desprezo.......doem, machucam e matam. Mas não são a última palavra.
É de Jesus de Nazaré que celebramos o nascimento no dia de Natal. Qualquer outra semelhança é mera coincidência.
Levantemos a cabeça, juntemos as mãos, façamos preces, unamos corações e celebremos: a ternura, o amor, a esperança, a fraternidade, a bemquerença. Os que se identificam com o menino que nasceu, seu projeto e sua vida, fortaleçam a esperança.
É o Deus da Vida que se manifesta no melhor da humanidade com o nascimento desta Criança.
*Sérgio Antônio Görgen é Frei Franciscano, militante do Movimentos dos Pequenos Agricultores e autor dos Livros "Em prece com os Evangelhos" e “Trincheiras da Resistência Camponesa”, entre outros.
Edição: Marcos Corbari