Após mais de oito horas de debate no plenário da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, a bancada governista aprovou, na quarta-feira (18), a reforma da Previdência dos servidores públicos civis estaduais, o projeto de lei complementar (PCL) 503/2019. O projeto, que tramitou em regime de urgência e compõe o pacote de reforma administrativa enviado pelo governador Eduardo Leite (PSDB), recebeu 38 votos favoráveis e 15 contrários.
Os demais seis dos sete projetos restantes do pacote, que alteram o os planos de carreiras de diversas categorias do funcionalismo e tramitavam no mesmo regime, tiveram a urgência retirada, após uma das maiores greves da história do estado, que fez o governo encontrar resistência inclusive junto a sua base de apoio.
Poucas senhas foram disponibilizadas para o acesso ao parlamento, que contou com a presença de alguns servidores e dirigentes sindicais, que pressionaram os deputados durante os debates e as votações. Do lado de fora, milhares de pessoas protestavam em frente a Assembleia, no acampamento montado junto na Praça da Matriz.
O dia de manifestações contou com cortejo fúnebre simbolizando a morte dos direitos dos trabalhadores que prestam os serviços disponibilizados pelo estado.
A nova lei institui idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Também estabelece uma nova fórmula de cálculo para a aposentadoria dos servidores estaduais, que passarão a receber uma média de todas as contribuições ao longo da carreira. Antes, o benefício era contabilizado a partir das 80% maiores contribuições.
Ainda no final da tarde, um requerimento de preferência proposto pela base do governo para a discussão do PLC 503 impossibilitou a apreciação das emendas feitas pelos outros deputados, entre eles da bancada do PT e PDT, por 35 a 19. Também foi aprovado, com 39 votos, a emenda que o governo articulou para viabilizar a votação do projeto, que cria oito faixas de alíquotas progressivas (de 7,5% até 22%) para a contribuição previdenciária dos servidores civis, ativos, inativos e pensionistas. Confira as faixas:
- 7,5% daqueles que ganham salário de até R$ 998;
- 9% para os que ganham de R$ 998 a R$ 2 mil;
- 12% de R$ 2 mil a R$ 3 mil;
- 14% de R$ 3 mil a R$ 5.839;
- 14,5% de R$ 5.839 a 10 mil;
- 16,5% de 10 mil a R$ 20 mil;
- 19% de R$ 20 mil a R$ 39 mil;
- 22% para os que recebem acima de R$ 39 mil.
Com a aprovação, o governo poderá aplicar as novas alíquotas a partir de abril de 2020. O Executivo espera arrecadar R$ 650 milhões ao ano com essa proposta. Ao final, foi aprovado o requerimento de pedido de retirada do regime de urgência dos demais projetos: os PLCs 504, 505, 506, 508 e 509/2019 e o PL 507/2019. Conforme o acordo com as bancadas, os projetos devem entrar na pauta de votação no final de janeiro.
Críticas ao projeto
O PLC 503 estava na pauta de votação da terça-feira, mas foi suspenso instantes antes do começo da sessão plenário, através de liminar concedida pela justiça, que acatou o pedido de mandado de segurança feito pela deputada Luciana Genro (PSOL). A decisão sustentava a inconstitucionalidade do projeto, pois ele altera através de projeto de lei itens que estão previstos na Constituição Estadual, que necessitariam antes de uma mudança através de um projeto de emenda constitucional (PEC).
Na quarta-feira, após o Procuradoria geral do Estado (PGE) recorrer da decisão junto ao Supremo Tribunal federal (STF), o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, suspendeu a liminar, alegando que, caso os projetos não tramitassem, haveria “grave risco de lesão à economia, saúde e segurança”.
A redação do Brasil de fato conversou com deputados da oposição, que teceram diversas críticas ao desenrolar do projeto. “A derrubada da liminar foi feita com argumento mentiroso por parte da PGE, que escreveu no seu recurso que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) analisou o projeto de lei complementar, e isso é mentira. Não houve análise porque o PLC tramitou em regime de urgência, e dessa forma não ha prazo para a CCJ analisar”, disse a deputada Luciana Genro (PSOL).
“É um ataque muito grave, especialmente aos aposentados e futuros aposentados. Houve uma mudança positiva nas alíquotas, que foi fruto da greve do magistério, da mobilização dos policiais civis, dos brigadianos, do conjunto de servidores públicos que entraram em luta. E que foi consolidada quando ganhamos a liminar junto ao Supremo, que o governo anunciou de fato que ia ter uma redução de alíquota para o segmento dos servidores. Mas os aposentados que ganham hoje até o teto do INSS não pagam contribuição e vão passar a pagar. Isso é um ataque muito grave ao servidor”, critica Luciana.
Para o líder da bancada do PT, deputado Luiz Mainardi, com a aprovação, o governo busca quer resolver parcialmente as suas dificuldades de caixa, cobrando o percentual do salário dos aposentados e dos servidores. Ele recordou que já existe um fundo previdenciário “criado aqui no estado durante o governo de Tarso Genro, que hoje tem praticamente R$ 3 bilhões. Os aposentados que serão taxados são aqueles que nem estão nesse fundo, que estão sendo pagos pelo tesouro do estado. Portanto, ao descontar esse valor, o governo vai fazer caixa, vai ajudar a financiar as ações do governo tirando dinheiro dos servidores que ganham menos”, aponta.
“O governo não tem um projeto, ele não trabalha com receitas, apenas com despesa, e ele foca só no funcionalismo. Como se os servidores fossem o problema da crise. Mas ele não tem um projeto para fazer o RS crescer economicamente e com isso gerar mais recursos, consequentemente maior arrecadação e então fazer frente às necessidades que o estado precisa nas áreas sociais e na infraestrutura”, destaca Mainardi.
No mesmo sentido, a deputada Juliana Brizola (PDT) avalia que Eduardo Leite aplica uma velha fórmula, vendendo-a nova. “O governo não tem projeto de desenvolvimento para esse estado, brincou de ser candidato e acabou se elegendo. A única coisa que ele fez até agora foi continuar a majoração da alíquota de ICMS, ou seja, até para quem empreende e produz ele também não é um bom governador. E a retirada de direitos e venda de patrimônio público, algo tão velho que esse estado já viveu e pior, constatou que não deu certo”, assinala.
Assim como os demais deputados de oposição, Juliana destaca a importância da mobilização dos professores e demais servidores estaduais. “Não tem outra saída, ninguém gosta de greve, alunos querem acabar o ano, professores querem descansar. Mas se na pressão já não está funcionando, imagina sem pressão. Inclusive a retirada da urgência se deu por conta dessa pressão, foi a mobilização dos nossos servidores, porque infelizmente, hoje, dentro dessa Assembleia Legislativa, a nossa oposição é muito reduzida e a base aliada é muito grande, então é praticamente patrolada. Se não fosse a mobilização das ruas, hoje estaríamos votando o pacote na sua integralidade”, pondera.
Na sexta-feira (20), será realizada uma assembleia geral unificada dos servidores públicos para deliberar os próximos passos do movimento grevista.
Edição: Marcelo Ferreira