Domingo de manhã, duas meninas brincam de pega pega ao lado de uma escola estadual abandonada, enquanto suas mães seguem na cozinha com os preparativos da festa que acontecerá mais tarde. Aila, quatro anos, a mais falante e sorridente, presenteia com um anel e volta a brincar com Lavinia, de dois anos. Eis que outras crianças surgem, duas meninas e quatro meninos. São crianças que passaram e outras que estão com suas mães na Casa de Referência da Mulher - Mulheres Mirabal, espaço que há três anos dá suporte, apoia e acolhe mulheres vítimas de violência. A casa, que não recebe aporte do governo, seja municipal ou estadual, já acolheu milhares de pessoas e abrigou mais de 300 mulheres.
Atualmente moram na casa cinco mulheres e três crianças, entre elas Aila e Lavinia. Andressa Guedes, uma das coordenadoras, explica que no final de semana sempre aparecem mais crianças e suas mães que já foram acolhidas pela casa. “São laços que foram se solidificando, construindo uma família”. A casa Mirabal foi a primeira entidade a receber doações da Greve Solidária dos servidores estaduais, no domingo, 15 de dezembro. Andressa destacou a importância da mobilização dos servidores por seus direitos, assim como as mulheres presentes.
Na segunda-feira (16), véspera do início da votação do pacote de reestruturação do estado encaminhado pelo governador Eduardo Leite (PSDB) em regime de urgência à Assembleia Legislativa, foi a vez da ocupação Baronesa receber doações dos grevistas. Situada no coração do bairro Cidade Baixa, a ocupação atualmente é uma casa de passagem e acolhimento dos povos indígenas que se deslocam das suas comunidades para vender seus artesanatos, sua principal fonte de renda. A casa que acolhe oferece aos visitantes uma feira de artesanato permanente das mulheres Mbyá Guarani da Tekoá Jataí"ty de Viamão, outra maneira de dar sustentabilidade ao dia a dia dos mesmos.
A ocupação vem, desde março desse ano, fazendo a discussão sobre o direito à cidade, o direito a defesa do território e moradia, como questão de pertencimento, tanto o povo indígena quanto do povo negro. Desde julho desse ano a Ocupação está situada em um prédio que se encontra em litígio de herança, que estava há mais de 20 anos abandonado.
Alice Martins, mulher indígena guarani em contexto urbano, coordenadora da Ocupação Baronesa, ao receber a equipe responsável pela entrega das doações, destacou a desestruturação e o sucateamento dos órgãos públicos. Um desmonte, segundo ela, esperado, visto à linha política seja do governo federal, estadual e municipal.
“É importante essa unificação que vocês servidores construíram, e mais importante que ela permaneça independente do resultado”, afirmou Alice, ao destacar a massiva participação das mulheres nesse processo “A mulherada está unida e resistente para enfrentar o patriarcado, o machismo e o pacote do Leite”, destacou.
Na sequência, doações foram entregues ao Asilo Padre Cacique, que atualmente abriga 120 idosos a partir dos sessenta anos e que tem renda de até um salário-mínimo. De acordo com um dos funcionários que recebeu a equipe, apenas 20 idosos recebem a visita regular de familiares. Os demais, contam apenas com voluntários que visitam o asilo. A última entrega foi feita ao asilo da Spaan, administrado atualmente pelo servidor aposentado da Secretaria do Planejamento, Luiz Niederauer. Ambos os asilos se mantêm em parte por doações.
Mirabal e Baronesa são exemplos do descaso do poder público e de resistência frente ao enfraquecimento das políticas públicas, aponta Fernanda Corezola, servidora da Secretaria do Planejamento. “Foi uma atividade bastante importante em que a gente destinou as doações dos servidores públicos que estão em greve justamente para comunidades de idosos aqui de Porto Alegre e também de mulheres da ocupação Mirabal e da Baronesa, que são justamente as populações que precisam de políticas públicas, que precisam fortalecer os servidores públicos, o serviço público. Esse é um dos objetivos da nossa greve”, comenta.
As servidoras que realizaram as entregas destacam a importância da oportunidade de conhecer esses espaços e da possibilidade de se construir e fortalecer esse diálogo. Para elas a greve, além de uma reivindicação pelos direitos dos servidores e pela defesa do serviço público, foi uma oportunidade de sair dos espaços institucionalizados e ficar mais perto desses segmentos sociais, muitas vezes não assistidos pelo poder público.
“Há um interesse, uma vontade dos servidores públicos de mostrar pra sociedade que a sua ação, que o seu serviço é importante, que ele precisa ser valorizado. Por isso fizemos essa ação das doações dos servidores públicos que estão em greve em apoio a esses segmentos sociais, que são os mais vulneráveis da sociedade e que precisam que as políticas de bem-estar social, que as políticas de direitos humanos e que as políticas de saúde de educação sejam fortalecidas”, conclui Fernanda.
Ao todo, a campanha arrecadou mais de 200 brinquedos empacotados, cerca de 500 unidades de produtos de higiene, mais de 200 peças de roupas e 55 kg de alimentos não perecíveis.
Edição: Marcelo Ferreira