A situação do funcionalismo público estadual do Rio Grande do Sul e o pacote de reforma administrativa do governo Eduardo Leite (PSDB) foram tema da edição de dezembro dos "Debates Mensais Sobre Conjuntura Econômica". Promovido pelo Comitê em Defesa da Democracia e do Estado Democrático de Direito e pelo Ceape - Sindicato de Auditores Públicos Externos do Tribunal de Contas do Estado, foi realizado na sexta-feira (13), tendo como debatedores a presidente do CPERS, Helenir Schürer, a presidente do Sindsepe-RS, Diva Costa, a economista do Dieese, Anelise Manganelli, e o servidor público estadual e doutor em Economia de Desenvolvimento, Volnei Piccolotto.
Anelise Manganelli abriu o debate retomando as principais mudanças do pacote que altera os planos de carreira e aposentadoria que o governador enviou à Assembleia Legislativa do RS. Segundo ela, a avaliação do DIEESE é que as diversas explicações dadas pelo governo demonstram um mecanismo cada vez mais frequente: o vale tudo em nome de um ajuste fiscal. “O contexto que o pacote é apresentado é em meio a uma crise financeira e econômica, com um discurso de que o Estado é inchado. Eduardo Leite, para justificar as mudanças, diz que o Estado é ineficiente e busca descentralizar administrativamente, encaminhando essas propostas, que na verdade nada mais são do que a retirada de direitos daqueles que atendem a população”, destaca.
O governo divulgou que a economia alcançada com o pacote será de R$ 25 bilhões ao longo de 10 anos, mas conforme Anelise, esse valor poderia ser economizado de outras formas e não há interesse nesse debate. Na análise de impacto realizada pelo Dieese, “se olharmos paro o direito dos servidores sendo retirados, a gente vai ver que alguma coisa em torno de R$ 8 bilhões de economia em 10 anos. São R$ 800 milhões por ano. Isso equivale a 10% das renúncias fiscais que o governo concede, esses são alguns fatores que a gente critica”.
Helenir Schürer lembrou que o governador, que diz ser do diálogo, nem sequer enviou uma correspondência informando o magistério do que está acontecendo, e destacou a força da greve e da mobilização junto aos parlamentares e câmaras de vereadores pelo RS. A seguir, falou sobre as alterações no projeto que o governo apresentou aos líderes partidários, em reunião na semana anterior.
“O governo disse que, em três anos, os servidores do magistério vão receber 16,8% de reajuste, daí tentei enxergar o reajuste dentro do meu contracheque, eu gosto sempre de lembrar que sou professora com 33 anos de magistério e meu contracheque para 20 horas é de R$ 1.795. Esse é o valor que está quebrando o estado do RS. Primeiro, não foi mexido naquilo que mais brigamos, que é utilizar nossos triênios para colocar numa caixinha, pra fazer uma parcela autônoma, que é uma poupança do governo com nosso dinheiro. Seria a mesma, por exemplo, se fosse subir o salário-mínimo em janeiro, daí o patrão tira o valor do teu vale-transporte para não gastar. Dos 16,8% no meu contracheque, lá em 2022, quando tiver gasto todo o meu triênio nas recomposições, só terei reajuste real de 3%, que significa R$ 66,00. Lembrando que o RS é o estado que pior paga seus professores no Brasil”, disse a presidente do CPERS.
Diva Costa explicou a diversidade de trabalhadores estaduais que serão atingidos pelo pacote, que fazem parte da base do Sindsepe-RS. O quadro geral apresenta desde auxiliares de enfermagem que trabalham na Susepe, uma atividade de risco, por ser dentro de presídios, passando por guarda-parques, profissionais de saúde nos níveis básico, técnico e superior, entre outros.
“Um técnico de enfermagem, quando entra no estado, recebe um básico que não chega a R$ 800. Então para que o estado não caia na ilegalidade de pagar ao servidor menos que o salário-mínimo nacional, nem é o regional, esse servidor recebe uma parcela autônoma. Então temos servidores assim, que recebem esse valor para completar o mínimo nacional, que está em R$ 998,00. E no pacote do Leite, quem recebe acima disso na sua aposentadoria vai ter que contribuir com 14% do que excede esse valor”, explica.
A presidente do Sindsepe-RS explicou o que são os benefícios que o governo chama de privilégios e quer cortar: “o discurso é que temos muitos privilégios, porque temos triênios, adicionais, mas a gente tem que entender. Como a gente não tem ascensão funcional nas nossas carreiras, a única garantia que faz alguma diferença salarial do servidor são os triênios. Porque no serviço público não importa se tu faz doutorado, isso não vai acrescentar nada no teu salário básico. Então o governo cria esses ‘penduricalhos’, que são gratificações, valores fechados e que tu tem que brigar na justiça para levar na aposentadoria”.
Numa avaliação mais sistêmica, o economista Volnei Piccolotto afirma que o RS carece de um projeto de desenvolvimento econômico há décadas. Recordou das privatizações do governo de Antônio Britto, nos anos 90, que vieram com o discurso de ajustar as contas públicas, mas de nada adiantaram. “Onde foram parar esses recursos? Teve renegociação da dívida na década de 90. A gente pagou mais de R$ 20 bilhões nesse período, que em valores nominais estava em menos de R$ 10 bilhões, em 1997. Estamos sem pagar essa dívida há 2 anos, está acumulando e quando voltar, vai estar impagável”, relata, duvidando também dos benefícios anunciados pela atual reforma.
Na sua análise, desde o golpe de 2016, a pauta no Brasil se resume a forte ajuste fiscal. “A gente pode fazer ajustes de várias formas e focos, com crescimento ou com corte de despesas. E todos os ajustes são no corte de despesas públicas. Só que isso acaba gerando mais recessão ainda, cortam benefícios, salários”. Ele explica que corte de custos, na verdade, é corte de manutenção de escolas, de medicamentos, de vacinas, de hora extra da segurança pública. Salário de professor, de policial, de agente de saúde é considerado custeio, então não necessariamente cortar custeio vai melhorar economia”, explica o economista.
“O que temos que mudar é essa lógica de austeridade, e infelizmente os estados do sudeste para baixo, todos estão seguindo a mesma lógica e aprofundando. Precisamos mudar a lógica de ajustes só pelo lado do gasto público, temos que ter ajuste pelo lado do crescimento, ter políticas de desenvolvimento”, destaca Volnei, que trouxe ainda ao agravante do congelamento de gastos públicos por 20 anos no Brasil com a Emenda Constitucional 95. “O teto olha para os anos anteriores e não tem crescimento real. Então, em termos per capita, é queda de investimento, porque população cresce cerca de 1% ao ano”, avalia.
Helenir falou ainda da estratégia política que representa o ataque ao funcionalismo estadual. “Nós temos certeza, O governador já deixou escapar que ele quer privatizar a educação pública, tanto a fundamental como a média no nosso estado. Esse projeto é um largo passo para isso, porque cada vez teremos menos pessoas querendo ir para a área da educação. Daqui a 10 ou 15 anos, nos podemos não ter mais professores qualificados para o estado, abrindo espaço para aquilo que eles querem. Logo vai ter propostas de PPP (parcerias público-privadas) para a educação”.
Foram quase três horas de debate, em que se manifestaram também os presentes na atividade, numa intensa troca de informações com os convidados. Assista a transmissão da atividade realizada pela Rede Soberania.
Edição: Katia Marko