Rio Grande do Sul

ANÁLISE

“É uma desconstrução de políticas públicas”, diz Haddad sobre a educação no Brasil

Em Porto Alegre, o ex-ministro da Educação criticou o desmonte, mas lembrou que o setor tem capacidade de mobilização

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Haddad participou de atividade do setor de educação da CUT-RS
Haddad participou de atividade do setor de educação da CUT-RS - Fotos: Fabiana Reinholz

O tema da educação é preocupante com Bolsonaro na presidência. Não são apenas restrições orçamentárias, mas uma completa falta de “estratégia do país para melhorar a qualidade, o acesso, a permanência da juventude, da criançada nas escolas”. A avaliação é do ex-ministro da Educação e ex-candidato do PT a presidente da República, em 2018, Fernando Haddad, feita durante o debate “Perspectivas para a Educação no Brasil”, promovido pelo setor de educação da CUT-RS. A atividade fez parte de uma série de compromissos de Haddad em Porto Alegre, na segunda-feira (09). Antes, o ex-ministro havia sido homenageado com a Medalha do Mérito Farroupilha, a maior honraria concedida pelo parlamento gaúcho.

Durante o debate, Haddad teceu um panorama crítico sobre os rumos da educação no Brasil. Destacou o contraste do atual desmonte das políticas públicas com o esforço e investimento dos governos petistas, período no qual, segundo ele, o Brasil foi o país que mais expandiu a educação superior, a educação profissional, a educação inclusiva e a educação infantil. “Foi o período que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) mais cresceu, foi o período que o Brasil mais subiu no Pisa (na sigla em inglês, Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), que é esse exame internacional, que é motivo de preocupação de todo mundo. E o que aconteceu? O Brasil foi estacionando, parou e agora já há sinais de regressão em vários aspectos”.

O ex-ministro trouxe números que justificam sua preocupação. “Nós tínhamos 148 campus universitários no país quando eu assumi o Ministério, eu e o Tarso [Genro]. Eu, pessoalmente, entreguei 126 novos, depois a Dilma entregou mais 47 novos. Nós fizemos em 12 anos mais do que o país fez de 1808 para cá. Foram 200 anos para construir 148 Campus, e nós, em 12 anos, fizemos 173 novos. Escolas técnicas foram 644”. Após, questionou se Temer ou Bolsonaro entregaram uma. “Se entregou foi uma coisinha ou outra fisiológica de um deputado para pressionar, não é como a gente, política de escala”.

Atividade foi realizada na sede do SindBancarios, no centro de Porto Alegre

Atualmente, com o fim do crescimento da educação infantil, da educação superior pública e da educação superior privada presencial, ele considera preocupante o aumento da educação à distância. “Quando a gente falava contra a educação à distância, é da maneira como está sendo feito. Ninguém é contra a tecnologia, ninguém é contra uma organização. O que está acontecendo é um desmonte, inclusive da educação à distância, você está abrindo polos de educação à distância como abre padaria hoje no Brasil. Tudo pelo barateamento das mensalidades, porque o povo não está conseguindo pagar os cursos presenciais”, afirma.

Para Haddad, o governo Bolsonaro está promovendo uma desconstrução das políticas públicas. “Para onde se olha, tem a pós-graduação cortando bolsas de mestrado e doutorado, o fim do Ciência Sem Fronteiras, não existe mais programas de educação integral no Ministério da Educação, todos foram cortados”. Ressaltou estar falando sobre educação, mas poderia ser sobre outras áreas, como saúde e cultura. “O que está acontecendo com a cultura, com esse [secretário da Cultura] Roberto Alvim, é um negócio incalculável do prejuízo de todas as políticas públicas. Agora estão querendo criminalizar os pontos de Cultura, desmontando a Ancine, desprestigiando cinema nacional. E, por incrível que pareça, uma parte expressiva da população apoia esse desmonte, porque foi doutrinada a achar que tudo que vem do Estado é ruim, que tudo é desperdício, que tudo é corrupção e assim por diante”.

Criticou ainda a tentativa de destruição das universidades federais, que entre os diversos ataques enfrenta ainda o Programa Future-se. “Ele está pondo pressão nas federais para aderirem ao programa, mas o fato é que ninguém adere, porque todo mundo sabe onde vai dar o Future-se. É a antessala de um programa de privatização. Ele quer transformar as federais em Organização Social para em seguida começar a cobrar mensalidade e privatizar. E aí vai ter bolsa para quem é muito pobre, mas vai virar uma instituição particular, gestão privada, tudo privado”, aponta.

O ex-ministro também falou da situação da educação do Rio Grande do Sul, criticando as medidas tomadas pelos últimos governadores gaúchos. “O Ideb do Rio Grande do Sul é o mesmo do Maranhão, e estamos falando de um estado que investe metade do que o RS investe por aluno. No meu tempo de ministro, o Ideb do RS era o primeiro ou segundo. A julgar pelas iniciativas do Sartori (MDB), e agora do Eduardo Leite (PSDB) - que até é um cara educado, um cara de trato, não é o Dória, o Bolsonaro, o Witzel, mas um cara de mais fácil trato - pode ser que a gente tenha novos retrocessos para a qualidade da educação do estado que liderou a educação durante décadas”.

“O que eu vejo é que o país está sem rumo na educação”, lamenta. Ao mesmo tempo, destaca que a educação foi um dos poucos setores que mostrou capacidade de mobilização no país, quando centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas exigindo o descontingenciamento do orçamento da educação. “É o sinal de que o setor pode contribuir para a resistência democrática nesse país. Mas a gente tem que estar ciente dos desafios, Bolsonaro não governa, ele se vinga”. Para Haddad, essa via de diálogo que o setor da educação tem aberta com a comunidade, diferente do que ocorre no plano sindical, que teve sua capacidade de mobilização diminuída pelas transformações no trabalho e pelos ataques do governo, traz consigo uma oportunidade de protagonismo muito grande na sociedade.

Assista à cobertura da atividade pela Rede Soberania:

Edição: Katia Marko