Na semana em que se comemora os 71 anos da proclamação dos Direitos Humanos, aproveitando a realização da 23ª da edição da Parada Livre de Porto Alegre, o Brasil de Fato RS conversou com Celio Golin, do Nuances, uma das organizações responsáveis pela realização da parada.
Em tempos de conservadorismo e retrocessos, em um cenário político brasileiro e internacional que ameaça direitos já consolidados e futuros avanços para a comunidade LGBT+, a parada vem como afirmação de resistência frente a esse cenário.
“Sem Vergonha de ser o que Somos é muito em resposta a todo esse ataque moral que a sociedade vem tendo em relação às pautas LGBT. É um espaço para nós nos afirmarmos enquanto a nossa identidade de gênero e orientação sexual, expressão sexual, dizer que a gente está super tranquilo e firme do que a gente é”, afirma Celio.
A programação da Parada acontece nesse domingo (08), das 14 às 22h e contará com diversos shows, discursos e a tradicional caminhada que contorna o Parque da Redenção. O evento também marca os 50 anos de Stonewall – a manifestação que aconteceu nos Estados Unidos e que tornou-se um marco para o movimento LGBT+ no mundo todo.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato RS: Como tu analisas a questão da parada e o cenário da questão LGBT no país hoje, com toda essa onda conservadora?
Célio Golin: Olha, na realidade, as paradas estão sendo emblemáticas no atual cenário político brasileiro, principalmente por todos os ataques que as pautas LGBTs vêm sofrendo, todos os retrocessos. No processo eleitoral, com o Bolsonaro e o Haddad, uma das questões centrais foram as pautas LGBTs também. E todo o cenário político e da Lgbtfobia que está colocado no Brasil hoje.
As paradas têm esse papel fundamental da gente estar fazendo um processo não só de resistência, mas também de imposição, nós não estamos aceitando mais toda essa essa violência que está sendo colocada. Então ela tem um significado político muito grande nesse cenário, que também envolve toda a questão da precarização do Estado, da questão do Estado mínimo no qual os e as LGBTs acabam ficando muito mais vulneráveis, sem políticas públicas de proteção em relação a saúde e segurança e educação.
Todos esses temas que tem a ver com a questão de gênero, sexualidade, orientação sexual, eles estão no cenário político brasileiro hoje. Para nós, a parada acaba sendo um momento fundamental para estarmos na rua dizendo que não vamos aceitar esse processo de invisibilidade que querem nos colocar, de cidadania precarizada que a gente vive hoje. A gente não aceita mais essa situação.
Então a parada tem muito significado e no Estado e no município a gente vê também que há uma omissão muito grande dessas pautas, principalmente no discurso.
Nos últimos vinte anos as pautas LGBTs se empoderaram muito, tiveram uma visibilidade e criaram uma reação dos setores conservadores, que agora enxergam que a gente está colocado no cenário político e a gente não volta mais para o armário, como se fala. Nós rompemos com aquele lugar de subalternidade que estavam colocadas essas pautas, essas pessoas, os LGBTs, e isso incomoda essa moral hipócrita da sociedade brasileira. Isso é um outro fator que está colocado dentro dessa conjuntura. Talvez seja por isso que ela foi tanto utilizada pela direita, pela extrema-direita, nos processos eleitorais, o que não foi uma realidade só no Brasil. Isso é em toda a América Latina, inclusive na Europa, como em Portugal e Espanha. Essas pautas acabaram aparecendo também nos processos eleitorais de disputa.
BdFRS: A prefeitura, desde 2017, tem deixado de dar apoio a realização da parada e inclusive esse ano resolveu cobrar uma taxa do coletivo de entidades organizadoras para utilização do Parque da Redenção. Como a questão foi resolvida?
Celio: Essa questão da relação com a prefeitura, até a entrada do prefeito Marchezan nós sempre tivemos o apoio na infraestrutura da prefeitura. Com a chegada do governo do PSDB, do Marchezan, esse apoio da infraestrutura foi tirado. Além disso, queria nos cobrar as taxas de limpeza do uso do parque. E aí a gente teve que negociar, porque existe uma legislação que quando tem uma marca da iniciativa privada, e a POP 99 está apoiando, essa legislação protege a prefeitura, garantindo que ela tenha que cobrar pelo espaço como uma contrapartida. Então nós negociamos, mas achamos um absurdo que a prefeitura, um órgão público, em um evento que não visa lucro, que é organizado pelo movimento social, que não tem nenhum objetivo de lucro, cobre encargos. O poder público tem obrigação de dar essa garantia, de oferecer pra toda sociedade, os LGBTs fazem parte da sociedade gaúcha, porto-alegrense, brasileira e mundial.
Então a gente acha uma distorção nesse sentido. Mas é importante também ressaltar que o slogan desse ano, “Sem Vergonha de ser o que Somos”, é muito em resposta a todo esse ataque moral que a sociedade vem tendo em relação às pautas LGBTs. É um espaço para nós nos afirmarmos, enquanto a nossa identidade de gênero e orientação sexual, expressão sexual, dizer que a gente está super tranquilo e firme do que a gente é. Então essa é mais ou menos a ideia do slogan desse ano.
Edição: Marcelo Ferreira