Para enfrentar essa realidade, buscando a democratização do esporte e a volta às raízes populares, torcidas antifascistas e coletivos de torcedores de todo o país criaram a Frente Nacional pelo Futebol Popular, durante o 1º Encontro Nacional Direito de Torcer, realizado em novembro, sediado no Beira Rio, em Porto Alegre.
Para Alex Gomes, presidente Associação Nacional das Torcidas Organizadas do Brasil (Anatore),o debate é importante já que as torcidas tendem a ter posições conservadoras. Ele conta que a eleição de Bolsonaro confirmou o alerta feito pela Anatore às torcidas organizadas. “Ele é autoritário, não respeita as instituições, acabou literalmente com o Ministério do Esporte, acabou com a secretaria do torcedor, não existe mais políticas públicas voltadas para as torcidas organizadas. Queremos que as torcidas reflitam sobre sua importância, sua grandeza, e saibam que a política pode nos mover para o lado mais positivo”.
A Força Feminina Colorada, torcida da qual faz parte Malu Barbará, surgiu há dez anos somente para torcer, mas os casos de assédios e abusos levaram o grupo e debater questões de gênero. “Esse evento é importante para nós, enquanto mulheres que lutam. É bom sabermos que não estamos sozinhas, que tem mais gente na trincheira conosco”, avalia. “Nós esperamos que os torcedores levem aos seus clubes os anseios das suas bases. As gestões não podem dizer que não precisam de nós. Nós somos clube e temos que ter voz, somos a parte mais forte e esse encontro nos dá essa certeza”, conclui.
O 1° Encontro Nacional Direito de Torcer contou com representantes de torcidas, coletivos e frentes antifascistas de Botafogo-PB, Corinthians, Flamengo, Fluminense, Internacional, Palmeiras, Santa Cruz, Vasco e Vitória. Na Frente Nacional participam, ainda, torcedores e torcedoras do CSA, ABC, Botafogo-SP, Botafogo-RJ, Bahia, Sport, Náutico, Cruzeiro, Ceará e Comercial-SP.
Para além das quatro linhas do campo
Por ocasião do mês da Consciência Negra, a torcida Grêmio Antifascista promoveu o debate “Racismo no Futebol: uma reflexão para além das 4 linhas” em Porto Alegre. Uma das convidadas, Aretha Santos, advogada e assessora jurídica no Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, saudou a presença de mulheres no evento. “O debate, mesmo do racismo, mesmo sendo mais progressista, fica muito em torno de homens e é importante que também se tenha a visão da mulher nesse espaço, porque a gente também é atravessada por outras intersecções que não só negritude”.
Clarícia da Rosa Domingues, militante do movimento negro, lembrou da zagueira francesa que sofreu racismo durante a Copa do Mundo, por causa do cabelo. “É ridículo ela ser vista por isso e não pelo quanto ela joga. Quando se fala do racismo, não se fala muito das mulheres dentro do futebol. Quando se fala de mulheres, mulheres negras e racismo, menos ainda. A Formiga, por exemplo, é uma excelente jogadora, carregou todo o futebol do Brasil junto com a Marta, e ela não é reconhecida”.
Desde 2014, o Observatório da Discriminação Racial no Futebol vem monitorando casos de racismo no esporte. Seu idealizador, Marcelo Carvalho, conta que as punições vêm aumentando e destaca que o RS, por três anos dos cinco observados, foi o estado com maior número de casos. “Em 2014 foram 20 casos; em 2015, 35; em 2016, 25; em 2017, 43; em 2018, 44; e em 2019 estamos com 45 casos monitorados até novembro. Desses, 13 casos são no RS. Temos um problema de fato e precisamos trabalhar. Mas como se a gente chega na federação e diz que aqui é o Estado mais racista e eles dizem ‘tá louco, que dados são esses, mas você olhou os outros estados?’ E aí de novo aponta-se paro o outro como racista e não trabalhamos a nossa questão”.
Protagonistas em campo, são poucos os negros entre dirigentes e treinadores. É o racismo estrutural e estruturante, aponta o professor de história Jorge Eusébio Assunção. Para ele, se o povo brasileiro tivesse pela justiça social a metade da paixão pelo futebol, o Brasil estaria bem melhor. “Estamos dormindo mediante tudo isso que está acontecendo, toda essa crise, todo esse racismo, estamos meio que apáticos mediante toda essa circunstância”. Para ele, isso é o reflexo de duas décadas de ditadura militar no Brasil.
Edição: Katia Marko e Ayrton Centeno