“Contra o Pacote
Vamos a Luta
O pacotão não vai não, não vai não, não vai não, não, não
Vamos a Luta
Pra garantir o direito do servidor
Serviço público
É para todos
Não está a venda, tá não, não tá não, não, não
Vamos a luta
Pra derrotar o Leite e trabalhar com amor”
Parodiando a canção Bella Ciao, servidores públicos da cultura marcam presença em diversos atos dos trabalhadores do serviço público do Rio Grande do Sul, que desde o dia 26 estão em greve contra o pacote de reestruturação do governador Eduardo Leite (PSDB). Em uma roda de conversa, realizada na última sexta-feira (29), na Praça da Alfandega, centro da capital gaúcha, foi a vez da cultura expôr a situação pela qual passa a categoria. O encontro, que contou com presença indígena, sindicalistas de outras categorias, corria bem, quando, perto do final, a guarda municipal abordou os manifestantes pedindo que retirassem do varal os cartazes, com a alegação de que estariam compurscando (manchando) o patrimônio público.
A cultura, como outras áreas do Estado e também nas esferas municipal e estadual, está sucateada, com poucos recursos, observa a historiadora e servidora pública Estela Galmarino . Ela pontua que a cultura, geralmente, tem o menor orçamento e também padece da falta de funcionários nas instituições. “Apesar de termos pessoas muito aguerridas, com muita vontade de trabalhar, a gente tem falta de infraestrutura. Além do atraso salarial que já soma quase 50 meses, desde o Governo Sartori.”, relata, ao apontar a falta de recursos para investimento às políticas públicas.
“Estamos vendo retrocessos, sobretudo no âmbito federal, aos quais alguns governos também acabam se alinhando. No RS não é diferente, apesar de termos pessoas técnicas capacitadas, há falta de recursos para investimento em todas as áreas, como por exemplo, com relação às políticas para as populações tradicionais, os povos indígenas, povos quilombolas. Lutamos por isso também, a nossa luta, dos servidores em greve, é uma luta unificada também com os povos tradicionais”, afirma.
Os servidores da cultura trabalham com a área de fomento de investimento, pontos de cultura, que envolve a diversidade cultural, a valorização e a preservação do patrimônio cultural material e imaterial das diferentes culturas, dos museus. “Tudo isso será afetado com esse pacote, porque não podemos pensar que é só salário dos servidores, tem toda uma série de políticas públicas por trás. Esse pacote vai impactar não só na vida salarial dos servidores, como na sua produtividade, pode impactar também na redução de carga horária e salários, afetando também o serviço público à população de modo geral”.
A cultura, assim outras pastas do estado, há anos está sem a realização de concursos públicos para reposição dos quadros. A cientista social da área da antropologia, Rozana Prado Pérez, do museu antropológico, informa que o Museu já chegou a ter 12 funcionários, hoje trabalha somente com três. Há 40 anos aguardando uma sede própria, o museu funciona dentro do Memorial do Rio Grande do Sul. Além disso, estão há 11 meses sem direção.
“Se a gente pensar a especificidade da cultura, ninguém dá muita bola. Então nossa estratégia é fazer do limão uma limonada. Vamos fazer o que a gente sabe fazer, como essa roda de conversa para que a gente possa explicar à população e aos nossos companheiros de luta o que mais ou menos cada um faz e porque estamos fazendo essa organização desta maneira”, explica Rozana. Ela pontua que o panorama da cultura no governo atual está um pouco mais tranquilo que no governo anterior, contudo ressalta que o pacote será terrível para os servidores e para o serviço. “A gente começa a ter problemas de saúde, ter outras demandas que ultrapassam o que é humanamente possível”, aponta ao destacar a união de todas as categorias: “Finalmente nós conseguimos uma união histórica dos sindicatos, dos servidores. Isso é fantástico”.
Analista em assuntos culturais da secretaria da Cultura há nove anos, Fernanda De Lannoy Stürmer trabalha há dois anos na Casa de Cultura Mário Quintana, um dos cartões-postais mais queridos do estado. Para ela, que já passou pelo Teatro de Arena e o Arquivo Histórico e o Museu da Comunicação Hipólito da Costa, o panorama atual da cultura está complicado. “A realidade das instituições é bem difícil. Existe as associações de amigos que hoje em dia cumprem um papel, digamos, que tapa um buraco que o estado não provê”, observa.
Segundo Fernanda, as instituições funcionam muito pela vontade dos servidores e dos trabalhadores terceirizados. Assim como Estela e Rozana, ela ressalta a necessidade de mais pessoas para trabalhar nas instituições de cultura. “Esse pacote vai destruir ainda mais a nossa condição como trabalhadores. Já estamos com salário desfasado, a perspectiva de não ter reajuste e continuar à míngua, o que nos desmotiva, e também a falta de perspectiva de concurso público, porque a gente precisa de colegas pra trabalhar junto com a gente. Isso nos enfraquece. Se não lutarmos juntos, seremos massacrados”.
Um varal, o vandalismo
Durante a roda de conversa, cartazes foram feitos pelas crianças participavam, também elaborados pelos manifestantes. Foram colocados em um varal, amarrados em uma cordinha entre duas árvores, com dizeres relativos às lutas específicas da greve, em específico dos servidores da cultura. Quase no final do evento, a Guarda Municipal se aproximou e disse que aquilo estava compurscando o patrimônio público, um ato de vandalismo, de acordo com uma lei imposta em 2017, que proíbe, entre outras ações, “colocar em postes, árvores, ou com utilização de colunas, cabos, fios ou outro meio, indicações publicitárias de qualquer tipo, sem licença do Município”.
Mesmo estando em uma área de patrimônio histórico, a Praça da Alfândega, com uma forte ligação indígena e afrobrasileira, o material foi retirado, a fim de proteger os presentes no debate e, principalmente, as comunidades indígenas, explicou Rozana. “Encerramos as atividades, levantamos os materiais sem problema nenhum, com o mínimo possível de impacto dentro da ambiência. Nem o próprio guarda, agente municipal, concorda com isso, mas teve que solicitar”, expôs.
José Cirilo, cacique do povo guarani, presente na roda de conversa, disse que a comunidade está participando da greve dos servidores para somar também na luta, já que a situação do povo indígena também está sendo atacada. “Tem muitos servidores indígenas que estão sendo atacados no seu direito e viemos aqui pra poder lutar juntos. Estamos lutando para que esse pacote não seja aprovado”.
Edição: Marcelo Ferreira