A vida hoje está precisando de sol, de água, de ar para respirar, de cuidados
O inverno gaúcho foi tenebroso este ano, como tem sido tenebroso o ano de 2019 em todos os sentidos. O inverno entrou, e atravessou, em boa parte da primavera. Muita chuva, muito tempo nublado, tempestades, frio, pouquíssimo sol.
Uma das plantas do meu apartamento, presente e ‘herança’ da amiga Dirce Machado Carrion quando ela se mudou para São Paulo há mais de 30 anos, além da geladeira Westinghouse, que me doou, sofreu os males do inverno rigoroso. Esta plantinha fica num vaso verde, retangular, de uns 30 centímetros de altura, apenas com água, nada de terra, raízes fincadas no fundo do vaso, regada permanentemente pela água. Minha planta preferida começou a morrer. Estava com apenas duas folhas verdes, sobrevivendo corajosamente a toda intempérie. Nas correrias da vida dos últimos meses, sem tempo para nada, meus cuidados com ela andavam a desejar. Achei que ia perdê-la definitivamente.
Como salvá-la? Como dar-lhe vida? Como fazê-la reflorescer? Comecei a mudá-la de lugar no apartamento da Tomás Flores, Porto Alegre, para ver se pegava algum sol, algum vento e ar para respirar. E vontade de viver.
O sol começou a dar o ar da graça, timidamente, por alguns dias, depois de semanas sem sol, só chuva e tempo nublado. Carreguei-a da sala para o quarto, depois para a sacada dos fundos, para o espaço externo ao lado da cozinha, e assim por diante. Para ela ser abençoada por alguns raios de sol e luz, tímidos e raros que fossem, e sentisse que vida e futuro no horizonte.
Minha planta agradeceu aos meus cuidados, meu olhar de compaixão, e começou a renascer. Hoje, final de novembro, já está com seis folhas viçosas, bem verdes, balançando ao vento da manhã e da tarde, outras em nascimento. Está viva, muito viva.
‘Meu quintal é a Amazônia’ foi nome que damos coletivamente ao grupo de trabalho formado no Seminário nacional do Movimento Fé e Política, acontecido no último final de semana em São Paulo, com o tema geral da comunicação e suas exigências na conjuntura. Contei a história da minha planta. A escolha do nome do grupo foi providencial, veio na melhor hora e oportunidade.
Assim é a vida. Assim é nos tempos de hoje, de pouco sol, de muito ódio e intolerância, de poucos cuidados com os outros, com a natureza, com o mundo. A vida hoje está precisando de sol, de água, de ar para respirar, de cuidados e de ternura.
As plantas resistem enquanto podem. Os homens e mulheres também procuram resistir. Os tempos atuais são de resistência diante das ameaças à democracia, aos direitos, à soberania, à existência da Casa Comum.
O cuidado com as plantas que estão no nosso cotidiano, assim como com os bichos, e, sobretudo, com os humanos que nos rodeiam, pode garantir, não só a sobrevivência, está em primeiro lugar, mas igualmente a dignidade, o pão para comer, a beleza de ser cidadão, a alegria da convivência no cotidiano da família, da comunidade, da escola, do local de trabalho, da sociedade.
A Amazônia não é lá longe. Os igarapés estão no meu, no nosso dia a dia. As plantas e árvores estão ao meu, ao nosso redor, na minha, na nossa casa e apartamento, na minha, na nossa rua, no nosso, no meu quintal. Como eu cuido, nós cuidamos da quantidade de água que usamos na hora do banho, na hora de cozinhar, no cotidiano? Como eu separo, nós separamos ou não o lixo? Como eu, nós reciclamos tudo que é reciclável? Como eu cuido, nós cuidamos da vida das pessoas e de todos os seres vivos? Como me alimento, nos alimentamos, e cuidamos do corpo e da alma? Quais alegrias proporciono, proporcionamos? Quais carinhos e abraços dou, damos todos os dias com quem me encontro? Que palavras de apoio dou, damos a quem sofre, a quem está triste e desesperançado? Minhas, nossas mãos, braços, pensamento, utopias estão firmes, entrelaçados nas mãos, nos braços e nos pensamentos de todas e todos, sem soltá-los em nenhuma circunstância?
Meu quintal é meu apê, com minhas plantas, é minha casa, onde moro, é meu entorno, onde circulo, são as ruas e estradas por onde caminho, são os cultivos e plantações que faço, são as relações que estabeleço com as pessoas e os seres vivos, são a força coletiva da solidariedade, são as lutas e compromissos comuns que assumo com a Casa Comum.
A Amazônia não é, não está lá longe. A Amazônia sou eu e minha consciência. A Amazônia sou eu e minha vida. A Amazônia sou eu e toda solidariedade e cuidado de que sou capaz.
Edição: Marcelo Ferreira