Faltando pouco mais de 10 meses para o primeiro turno das eleições municipais, marcado para 4 de outubro de 2020, as peças no tabuleiro eleitoral começam a se mexer. Um dos cenários que emerge é a possibilidade de uma frente de partidos de oposição ao governo de Nelson Marchezan Júnior (PSDB). De olho nessa articulação, a reportagem do Sul21 conversou com os presidentes municipais de partidos de esquerda e centro-esquerda para entender se essa é uma possibilidade real e se há chance de união no primeiro ou em eventual segundo turno.
A frente de esquerda é possível?
Uma das principais questões colocadas para a eleição de 2020 diz respeito à possibilidade de composição de uma frente de partidos de esquerda e centro-esquerda. Nos últimos anos, representantes de PT, PDT, PSB, PSOL e PCdoB participaram de reuniões políticos sobre os cenários nacional e municipal em Porto Alegre, bem como tem votado contra o governo Marchezan na Câmara dos Deputados — com exceção do PCdoB, que não tem representação no momento. No entanto, quatro desses partidos já apresentaram nomes de possíveis candidatos à Prefeitura, com o PT, até o momento, sendo a única exceção.
Presidente municipal do PT em final de mandato, Rodrigo Dilelio diz que, de concreto, há uma disposição do partido em não apresentar nomes para a cabeça de chapa e trabalhar para construir uma frente de unidade com, pelo menos, PCdoB e PSOL. “Outra coisa concreta é que, no âmbito da articulação dos vereadores e presidentes de partidos, incluindo PDT e PSB, há um acordo de reciprocidade num eventual segundo turno. Essas são as duas coisas bem concretas que se tem”, diz.
Dilelio destaca que uma possível frente de esquerda e centro-esquerda seria uma situação inédita, visto que PT e PSOL nunca estiveram em uma mesma chapa desde que o segundo foi criado. “Em segundo lugar, acho que o PDT e o PT nunca estiveram juntos em Porto Alegre, nem no primeiro, nem no segundo turno. Talvez em 1992, no segundo turno. Então, essa é uma situação que para nós não é pouca coisa, por isso a nossa confiança de que é possível conquistar a Prefeitura. Nós partimos de um patamar bom, o difícil é chegar no segundo turno. Se tiver essa unidade, acho que a gente vai ao segundo turno liderando a eleição”, diz.
Presidente municipal do PCdoB, Márcio Cabral ainda é cauteloso em anunciar que Manuela D’Ávila será a candidata da unidade. Ele avalia que o cenário político para 2020 ainda é incerto e sempre pode surgir alguma novidade de última hora que mude o rumo da eleição. Destaca, por exemplo, que a soltura do ex-presidente Lula no início do mês já é um elemento novo que precisa ser levado em contra. O que ele diz poder confirmar é que a ex-deputada oficializou para o PCdoB e para os demais partidos a intenção de colocar o seu nome à disposição para construir uma possível unidade. “A Manu chamou para ela a responsabilidade de construir esse bloco político e defende que a candidatura mais competitiva deve representar o campo. Nesse sentido, é natural que a Manuela seja candidata”, diz.
Presidente municipal do PSOL, Roberto Robaina diz que o nome da deputada federal Fernanda Melchionna foi escolhido pela direção do partido como pré-candidata, mas ainda sem passar por um processo de discussão interno. “Mas nós conhecemos bem o pessoal de Porto Alegre e há uma ampla acolhida ao nome dela entre os militantes. Nós temos o dela e temos a preocupação também de ter a possibilidade de unificar forças contra o prefeito Marchezan, para firmar uma alternativa em Porto Alegre e também para fazer com que a eleição de Porto Alegre seja uma indicação de que nós não queremos o autoritarismo do Bolsonaro”. Robaina não descarta a participação do PSOL em uma unidade mais ampla, mas diz que isso depende da existência de “acordos mínimos”.
Presidente municipal do PDT, o vereador Mauro Zacher diz que a orientação da direção nacional do partido é que as cidades com mais de 200 mil eleitores tenham candidaturas própria. Neste cenário, o nome que o partido já está trabalhando para participar da disputa é o da deputada estadual Juliana Brizola. “Temos o projeto nacional, que é a candidatura do Ciro, somado com a mudança da legislação que reforça a tese de candidatura própria, haja vista a necessidade de nominata forte para ter a manutenção e ampliação de bancada”, diz.
Nesse cenário, o PDT estaria trabalhando agora para conseguir alianças à candidatura de Juliana. “Estrategicamente, para qualquer candidato a prefeito é necessário construir alianças, aumentar o leque, ampliar o tempo de televisão, ter mais candidatos a vereadores apoiando. Não vejo razão para o PDT não conversar com outros partidos”, diz. “O partido já está construindo em cima desse cenário. É uma posição bastante minha, mas que se reflete na base do partido, de que as nossas alianças devem ser primeiro dentro do campo progressista ou que ao menos estejam na oposição ao governo Marchezan”, afirma. No final da semana passada, o deputado estadual Rodrigo Maroni (Podemos) anunciou que irá compor chapa com Juliana, o que não foi confirmado oficialmente por ela. “Desconheço qualquer conversa. Mas, não vejo problema”, diz Zacher sobre essa eventual chapa.
Presidente municipal do PSB, Antônio Elisandro de Oliveira diz que o diretório do partido em Porto Alegre tirou uma posição em setembro em defesa de uma candidatura própria para prefeito, o que não ocorre desde 2004. Em 2008 e 2012, o PSB apoiou as candidaturas de Manuela D’Ávila (PCdoB). Já em 2016, apoiou o então vice-prefeito Sebastião Melo (MDB). Nestas ocasiões, o partido sequer teve um candidato a vice. “Tem um desejo muito forte dentro do partido”, diz.
Ele destaca que tanto Manuela, quanto Melo — que ainda não se apresentou oficialmente como candidato –, tem procurado “direta ou indiretamente” o PSB, bem como estão sendo mantidos diálogos com o PDT. No entanto, ressalta que já há três nomes do PSB que se apresentaram como pré-candidatos. O mais conhecido deles é Airto Ferronato, vereador de Porto Alegre em seu quinto mandato. Também se apresentaram para a disputa Carlos Breik e Lauro Hagemann. Outro nome do PSB lembrado para a disputa é justamente do última candidatura do partido em 2004, Beto Albuquerque. “O Beto é sempre um nome lembrado, mas ele não se colocou formalmente nesse processo que a gente está trabalhando”, diz Elisandro.
PT, PCdoB e PSOL juntos?
Dilelio avalia que, para que exista a possibilidade de o campo ter uma candidatura competitiva, o ideal seria “ungir” o nome de Manuela D’Ávila como candidata a prefeita e o PT oferecer uma opção formal para o candidato a vice. Segundo ele, o partido trabalha com a possibilidade de não ter a candidatura a vice, mas diz ser “óbvio” que o PT deseja estar na chapa. “A decisão da base dos partidos já está tomada, tem que sair pelo menos esses três partidos juntos. O que falta agora é as direções assimilarem essa decisão. Para isso, todo mundo vai ter que correr o risco de não ter o seu desejo atendido”, diz.
Robaina afirma que não se pode dizer que existe um acordo programático entre os partidos de esquerda, mas que há pontos em comum. “O primeiro ponto em comum se expressa na Câmara de Vereadores daqui, onde as bancadas do PT e do PSOL, em geral, votam juntas contra projetos levados adiante pelo Marchezan, projetos para demitir os trabalhadores da área da saúde, para liquidar com os cobradores, para terminar com a categoria dos guardadores de carro. O governo Marchezan tem muitos projetos antipopulares. Aqui há acordo, nesse sentido”, diz.
Ele defende, no entanto, que a novidade trazida por esta frente de esquerda seria justamente a presença do PSOL. “Não tem nenhum sentido uma chapa que seja composta entre PCdoB e PT, porque é a mesma de sempre. Isso não é uma aliança, é a afirmação de um projeto que já é conhecido”, diz. “Que proposta têm o PCdoB e o PT se querem incorporar o PSOL? Se não tem proposta para incorporar, nós não vamos aderir”.
Cabral avalia que a aliança de partidos de esquerda pode ocorrer em torno de bandeiras como a retomada do protagonismo político da população, da recuperação da capacidade de produção e do desenvolvimento local de Porto Alegre. “A Manuela tem usado as bandeiras de mudança, esperança e reunir os comuns, aqueles que comungam da mesma ideia. Não necessariamente só partidos, mas movimentos organizados da sociedade. Acho que tem um sentimento hoje de engajamento, o que a polarização traz é essa vontade das pessoas discutirem política. No nosso campo, da esquerda, tem muito essa vontade do indivíduo se sentir parte de algo e acho que tem uma renovação acontecendo no campo progressista em Porto Alegre. Novos atores estão surgindo e a tendência é renovar as lideranças de esquerda”, diz.
Na última segunda, ela participou de um debate político com lideranças do PT e do PSOL na Lomba do Pinheiro. Cabral diz que a pré-candidatura dela deve ser lançada em um evento do partido marcado para o próximo sábado, em um hotel do Centro de Porto Alegre.
Como poderiam ser feitas as prévias?
Uma ideia que tem sido colocada para debate no âmbito da possibilidade de criação de uma frente de esquerda em Porto Alegre é de realização de prévias ou primárias para definir quem serão os candidatos a prefeito ou prefeita e vice. Esta possibilidade é publicamente defendida pelo PSOL. “Se tem três partidos, esses partidos precisam ter um acordo sobre como indicar a candidatura a prefeito e a vice-prefeito. Nós achamos que a Fernanda é o melhor nome. Tem hipótese de negociação? Tem. Mas como é que se escolhe dois nomes tendo três para escolher? Alguém tem que, no mínimo, indicar um outro para compor a chapa. Essa hipótese é possível? É. Mas nós não podemos defender que tenha a unidade só contando com essa hipótese. Nós defendemos que tenha a unidade contando com uma hipótese que nós consideramos a melhor de todas que são as próprias pessoas participando”, diz Robaina.
Robaina argumenta que o PT já realizou prévias internas para definir o seu candidato e que em outros países existe até a previsão legal de realização de primárias para definir quem serão os candidatos, como na Argentina. “É óbvio que para ter uma prévia tem que ter acordo entre os partidos, porque, senão, a prévia é só uma briga, e não nos interessa nesse caso. Se é para fazer prévia, não nos interessa fazer briga. Nos interessa chamar as pessoas a escolherem quais são os melhores nomes”, diz.
A respeito da possibilidade de realização de primárias, Cabral diz que o PCdoB tem participado de todos os debates promovidos em Porto Alegre a nível de direções partidárias e de movimentos sociais e que vai lançar mão de todos os esforços para promover a unidade do campo da esquerda. “Se for necessário primárias, prévias, debates públicos, vamos fazer. Agora, nenhum esforço pode concorrer no sentido contrário, para dividir a esquerda de antemão”, avalia. “Esse é o esforço que a Manuela e o PCdoB têm se empenhado, um esforço que pode unir todo mundo. Se as primárias favorecem isso, se isso garante que a gente vai poder sentar e construir um projeto comum, beleza, vamos construir. Se concorrer contra, não tem porque fazer”, diz.
O presidente municipal do PT também não é contrário à realização de prévias ou primárias para definir quem irá compor uma eventual chapa de esquerda na Capital. Para ele, isso seria possível a partir de realizações de assembleias populares, primeiro para definir o programa que seria levado à campanha e, depois, quem seriam os nomes escolhidos. Dilelio avalia que a realização de prévias passa por uma decisão política dos partidos.
Ele ressalta, no entanto, que, além de um pacto político, as prévias dependeriam de uma solução tecnológica para captar voluntários que ajudassem no processo, captar propostas para o programa de governo e cadastrar as pessoas como eleitoras. Ele estima que esse processo poderia ser realizado em um prazo de 80 a 90 dias.
O que esperar do cenário eleitoral?
Cabral avalia que o cenário eleitoral de 2020 ainda está aberto e que há interrogações sobre como os principais polos aglutinadores de Porto Alegre vão se comportar. Ele avalia que a nova legislação eleitoral, que define que os partidos não poderão fazer alianças para disputar as câmaras municipais – somente para as prefeituras –, está influenciando os cálculos dos partidos. “Boa parte das pessoas está tentando passar a ideia de que há uma pulverização tanto à direita quanto à esquerda para se adequar à legislação pela disputa pela Câmara. Mas também é impulsionador de candidaturas a vereador uma candidatura forte. Não adianta ter uma candidatura que tenha 1%, 2%, isso não necessariamente vai impulsionar uma bancada”, diz.
Para ele, há também uma linha de pensamento de que os partidos devem participar de movimentos competitivos e alianças fortes para impulsionar suas bancadas. Nesse sentido, ele avalia que há três campos políticos em formação em Porto Alegre. O primeiro é o campo da “nova direita”, ligado a movimentos de protesto no Parcão, que apoiam a Lava Jato, são antipetistas e defendem o estado mínimo. “Acho que o Marchezan tenta forçar uma polarização para representar esse caminho da direita”, avalia.
Outro seria o campo de centro, com tendência para a direita, composto por partidos tradicionais, como PP e MDB, que poderia ter como candidatos nomes como os deputados estaduais Sebastião Melo (MDB) e Any Ortiz (PPS). O terceiro é o campo da esquerda. “Acho que a novidade dessa eleição é a possível unidade das esquerdas em Porto Alegre. A grosso modo, a Manuela hoje está empenhada em uma aliança que busque consolidar os principais partidos da esquerda. Uma aliança com o PT já está consolidada. Existe uma diálogo aberto com a direção do PSOL e isso seria uma novidade expressiva. E também tenta manter uma articulação com o PDT e o com o PSB. Embora a Juliana seja candidata pelo PDT, há um debate a ser feito. E o PSB é um dos principais articuladores nacionais da oposição ao Bolsonaro. O esforço é para a gente conseguir mobilizar não só os partidos, mas também o eleitorado. Então, eu vejo o cenário aberto, mas com essas três forças tentando mobilizar”, diz.
Para Cabral, no caso de se concretizar a previsão de que três candidaturas brigarão para chegar ao segundo turno, isso acabaria colocando pressão nas candidaturas avulsas. “Na própria esquerda, qual é o ambiente para ter 3 ou 4 candidaturas competitivas? Então, acho que vai acabar afunilando. Tem as estratégias de cada partido, que às vezes tentam se posicionar para eleições futuras, mas eu acho que a tendência é aliança”, diz.
Robaina também diz que ainda é muito cedo para fazer uma avaliação do cenário eleitoral para 2020. “Eu sei que o prefeito Marchezan já está em campanha, embora o tipo de campanha que o Marchezan faz é atacando o pobre e tentando ganhar apoio de classe média reacionária”.
Mauro Zacher diz que as pesquisas que o PDT têm recebido apontam para uma “forte tendência” de que uma candidatura de oposição ao governo Marchezan seja eleitoralmente viável. “Nesse sentido, acho que o PDT está bem servido de candidatura, capaz de oferecer um contraponto ao descaso e aos desmanches [da gestão Marchezan], ao desrepeito aos servidores e aos movimentos sociais. Não só pelo compromisso forte com a educação que o PDT sempre teve, mas para se reconectar com os movimentos sociais e propor uma retomada de serviços de qualidade que foram abandonados”, diz. Zacher diz que é “muito pouco provável” que o PDT reveja a decisão de ter candidatura própria, mas defende que os partidos de centro-esquerda e esquerda continuem dialogando.
O petista Rodrigo Dilelio avalia que a candidatura do prefeito Marchezan à reeleição seria derrotável pelo fato de que ele estaria queimado com a população. “Ele não apresentou nada. Queria privatizar e fazer inúmeras PPPs, mas tudo que ele conseguiu fazer foi acabar a obra que o Fortunati tinha começado na orla. Por outro, não conseguiu resolver problemas de infraestrutura básica, como a duplicação da Av. Tronco, o entorno do aeroporto. Isso nos dá muito segurança de que a gente vai polarizar, ou com ele, que é o representante do bolsonarismo, ou com quem estiver representando o governo”, afirma.
Elisandro diz que compreende o ciclo político no qual o governo Marchezan está inserido, de diminuição do estado e de reforço do setor privado, mas pondera que o partido tem dificuldades com a forma como o prefeito conduz a sua gestão. “Uma gestão que tem traços de se fechar, de não abertura ao diálogo, agredindo uma tradição de uma cidade de diálogo com a sociedade civil. A gente sentiu que isso foi profundamente desrespeitado, especialmente nos dois primeiros anos”, afirma. “Sabemos dos desafio, mas essa forma de se relacionar com a cidade é uma opção com a qual nós não nos identificamos”, complementa.
Uma informação que circula nos bastidores é de que Sebastião Melo poderia deixar o MDB, caso não tivesse apoio para concorrer mais uma vez, e se filiar ao PSB. Elisandro diz que é “quase um dever” do partido convidar lideranças municipais para o PSB, mas que não há nada de concreto. “O Melo está no início de um mandato. Ele tem uma história do MDB que a gente respeita muito. Temos um convívio muito grande com ele, mas concretamente, fora do ambiente de brincadeira, não há nenhuma discussão formal [sobre essa possibilidade]”, diz o presidente municipal do PSB.
Edição: Sul 21