Em meio a uma crescente onda de desocupações e violações do direito à moradia e à cidade, que obriga famílias a deixarem seus territórios para dar lugar a obras e empreendimentos, o Assentamento 20 de Novembro, próximo ao centro de Porto Alegre, mostra que a moradia social é um caminho possível quando se tem políticas públicas. Prestes a ser reformado, o prédio no bairro Floresta que hoje abriga 40 famílias de baixa renda estava abandonado há mais de 50 anos e foi conquistado para uso de habitação de interesse social. Com o apoio de parceiros, através do projeto Morar Sustentável, a revitalização vai incorporar tecnologias sustentáveis.
O edifício da União foi construído para ser um hospital da extinta Rede Ferroviária Federal, mas nunca foi concluído. Com a conquista, em 2016, veio também a aprovação da recuperação da estrutura dentro do programa Minha Casa, Minha Vida Entidades. Nessa modalidade, que sofreu cortes do governo Jair Bolsonaro, os moradores têm autonomia para construir o projeto através de uma cooperativa. Como foi aprovado antes do impeachment de Dilma Rousseff e dos cortes, o projeto está mantido, com previsão de início das obras para os próximos meses.
Uma conquista da luta por moradia
O dirigente do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), Ezequiel Morais conta que o Assentamento 20 de Novembro surgiu a partir de 10 anos de luta do movimento e da Confederação Nacional das Associações de Moradores de Bairro. “Ele é gestionado por uma cooperativa, que entrou como entidade organizadora para organizar as famílias e executar o projeto”. Nascendo dessa luta, acumula experiências anteriores, como o Assentamento Utopia e Luta, no centro de Porto Alegre, agora com “a possibilidade de poder aplicar para além do que a gente já tinha antes”, aponta.
O Assentamento fica em uma região conhecida como 4º Distrito, um território que está em processo de gentrificação, ressalta Ezequiel. “Tem todo um olhar para o projeto e para as famílias do 20 de Novembro, em relação a essa questão de estarmos propondo uma produção social de moradia que consiga dar conta desse ambiente, onde tu recupera prédios abandonados e transforma em moradia popular fazendo uma junção de parcerias, e com isso poder garantir o direito à moradia no centro também.”
Na opinião da presidente do Sindicato dos Arquitetos do Estado do RS (SAERGS), Maria Teresa de Peres Souza, o uso de prédios desocupados, principalmente em áreas centrais urbanas, pode contribuir para a melhor utilização dos centros, permitindo que famílias de baixa renda residam em condições adequadas e em locais com infraestrutura disponível e, muitas vezes, subutilizada. O SAERGS é uma das entidades que apoiam a revitalização do espaço.
Maria Teresa conta que a posição do sindicato compreende a cidade como espaço coletivo e que o debate previsto no Estatuto da Cidade, que prevê o combate à especulação imobiliária e a regularização fundiária, através do plano diretor, é fundamental. “O uso das áreas centrais com habitação permite a revitalização dos centros, trazendo mais segurança a todos. Centros somente comerciais ficam vazios fora dos horários comerciais, e com isso, sem vida e sem segurança. O SAERGS participa historicamente, junto com outras entidades, das discussões da construção e desenvolvimento da cidade”, destaca.
“O papel da 20 de Novembro caminha nessa contramão, ela é o contraponto ao discurso e a execução dos grandes empreendimentos. Ela demonstra nitidamente que a concepção de comunidade se dá em outro formato, não necessariamente nessa construção que cada vez mais é excludente, e não só excludente do ponto de vista do afastamento de pessoas de baixa renda, mas ela é excludente nas relações de convivência nos centros urbanos, onde as pessoas cada vez mais, menos se conhecem”, afirma Ezequiel.
Revitalização sustentável
O Assentamento 20 de Novembro foi contemplado pelo projeto Morar Sustentável, iniciativa SAERGS que propõe benfeitorias que garantem uso consciente dos recursos naturais, com apoio do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do RS (CAU/RS) e projeto arquitetônico do escritório AH! Arquitetura Humana. “Havia uma provocação, o MCMV, na fase um, garantia que a gente contratasse projetos para fazer os trabalhos complementares, como hidráulica e elétrica, mas não tinha recurso suficiente para além disso. Aí o Morar Sustentável veio para casar com essa questão, até para a gente poder pensar, como nós tínhamos a provocação das novas tecnologias sustentáveis, que não tinham projetos elaborados”, explica Ezequiel.
A presidente do SAERGS explica que “o sindicato identificou a possibilidade de utilização de recursos de assistência técnica que poderiam complementar as ações e trazer mais sustentabilidade ao empreendimento, atendendo a uma expectativa que os moradores tinham desde o início”. O projeto iniciou com o estudo de viabilidade, feito pelo professor Márcio D’Ávila. “Em conjunto com as famílias, foram escolhidas tecnologias que pudessem ser incorporadas à obra e resultassem em melhorias quanto a sustentabilidade ambiental e econômica do empreendimento”, conta Maria Teresa.
As necessidades de reforma do prédio foram surgindo a partir das assembleias dos moradores, confirma Ezequiel. “A própria questão dos usos dos espaços públicos do prédio, a questão de renda, foi tudo aparecendo a partir do diagnóstico que foi feito pelo trabalho técnico social da própria cooperativa com as famílias”, conta. “Foi aí que entrou o Morar Sustentável. A assistência veio mais nessa questão da síntese, dos ajustes, de propor, algumas vezes, o que a gente não tinha capacidade de ter uma dimensão. Mas a gente tem muito forte o protagonismo, uma coisa que as famílias não abrem mão”.
Depois, vieram os projetos executivos das tecnologias escolhidas, sob responsabilidade do arquiteto e urbanista Evandro Medeiros: utilização de placas de energia solar e adaptações ao projeto elétrico, solução de tubo luz para melhor aproveitamento da luz natural, adaptação de cisterna para reaproveitamento de água da chuva para limpeza e manutenção de áreas externas e de uso comum e proteção e impermeabilização da laje do terraço. O projeto final foi apresentado aos moradores, em encontro realizado no assentamento, no domingo (3).
Ao final do Morar Sustentável, será fornecida às famílias, além dos projetos, cartilha de orientação para a melhor utilização dessas tecnologias. Durante as obras, que tem um cronograma de 24 meses até sua conclusão, a cooperativa conquistou, junto ao município de Porto Alegre, um contrato de aluguel social para as famílias que residem no Assentamento.
Edição: Kátia Marko