Rio Grande do Sul

MEIO AMBIENTE

Estudos comprovam que Viamão tem baixa aptidão para receber aterros sanitários

Morador da região, o engenheiro ambiental Iporã Brito Possantti desenvolveu estudos que comprovam riscos à zona rural

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Iporã integra o grupo de Pesquisa em Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS
Iporã integra o grupo de Pesquisa em Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS - Foto: Divulgação Câmara de Vereadores Viamão

Em janeiro deste ano, a comunidade do Cantagalo, no município de Viamão (RS), tomou conhecimento do projeto para instalação de “Aterro Sanitário Regional”, para receber na localidade resíduos sólidos urbanos de outros municípios, na Fazenda Montes Verdes. O processo foi instaurado na Prefeitura de Viamão, sob o número 037670/2018, pela Empresa Brasileira de Meio Ambiente S. A. (EBMA), com sede no Rio de Janeiro.

Desde então, foi criada uma comissão dos moradores que organizou reuniões na comunidade, com a prefeitura, o Ministério Público e o Conselho Estadual de Saúde, que, inclusive, aprovou uma moção de apoio contra o aterro sanitário. Audiências públicas lotaram a Câmara de Vereadores de Viamão e o Salão Comunitário do Cantagalo, a pedido de Comissões da Assembleia Legislativa. Em reunião na prefeitura, no dia 20 de fevereiro, o próprio prefeito André Pacheco, bem como o Procurador-Geral do Município, Jair Mesquita, declararam ser contra “aterro naquela zona nobre, pela água, flora, fauna”, havendo convencimento, por parte da prefeitura, de que este local pretendido não é o mais adequado, consistindo em um risco muito grande para se correr.

Moradores mobilizados na Câmara Municipal | Foto: Divulgação Câmara de Vereadores Viamão 

A comissão dos moradores também alerta a existência de outro processo para a implantação de aterro sanitário tramitando na Prefeitura de Viamão (nº 038103/2018), com inicio em 8 de outubro de 2018, cuja requerente é a Companhia Riograndense de Valorização de Resíduos (CRVR), já zoneado, na região denominada Passo da Batalha – Capororoca.

Em seus argumentos contra a instalação do aterro, além da proteção do meio ambiente, os moradores destacam que no entorno da fazenda há produtores rurais, muitos deles com certificação orgânica. E que não há água encanada na região, todos os moradores e produtores têm abastecimento através de vertentes e poços artesianos. Além disso, a área pretendida está há menos de 2 km da comunidade Mbya Guarani – Aldeia Indígena Guarani do Cantagalo (Tekoá Jatay´ti), “que faz uso direto da água de um afluente do Arroio Chico Barcellos”.

Inicialmente, prefeito André Pacheco declarou ser contra aterro | Foto: Katia Marko

No dia 15 de outubro, sob protestos da população, que lotou a Câmara de Vereadores de Viamão, o Projeto de Lei nº 066/2019, que estabeleceria a proibição de aterro sanitário na zona rural do município, foi derrotado. O placar de 15 votos contrários e 5 a favor foi comemorado por integrantes do governo, que também se mobilizaram para a votação no plenário da casa. Assinado pelos vereadores Adão Pretto (PT), Guto Lopes (PSOL), Rodrigo Pox (PDT), Armando Azambuja (PT) e André Gutierres (PP), o projeto surgiu a partir das audiências públicas com a comunidade, pensando na saúde da população ao redor e nos riscos potenciais altos de degradações do solo, das águas e do ar.

Morador da região, o engenheiro ambiental Iporã Brito Possantti desenvolveu estudos que comprovam os argumentos da comunidade e entidades envolvidas contra o aterro na região. Ele integra o Grupo de Pesquisa em Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos, do IPH/UFRGS. Graduado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), sua formação tem ênfase em Planejamento Ambiental, Recursos Hídricos e Engenharia Sanitária. Atualmente é bolsista de mestrado (CNPq) no Programa de Pós Graduação em Saneamento Ambiental e Recursos Hídricos do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS.

Confira a entrevista.

Brasil de Fato RS - Você está acompanhando o movimento contra o aterro sanitário desde o início. Qual a sua avaliação da intenção do governo de Viamão de instalar um aterro sanitário na zona rural?

Iporã Brito Possantti - A Prefeitura de Viamão busca uma solução mais barata para a destinação de resíduos sólidos produzidos na cidade, que hoje são transportados para um aterro sanitário em Novo Hamburgo. A justificativa teórica é evidente: um destino mais barato para os resíduos sólidos permitiria que mais dinheiro público seja alocado em outros serviços públicos, como escolas, mobilidade, etc. Até aqui tudo bem, pois qualquer governo sensato buscaria isso. O problema começa quando empreendimentos privados de aterro sanitário de grande porte começam a se apresentar no município em áreas rurais bastante preservadas e estratégicas ambientalmente, como o caso da Fazenda Montes Verdes. Esses empreendimentos buscam não somente destinar os resíduos do município como trazer resíduos de outros municípios – é uma verdadeira inversão de fluxo. Como governos tendem a ter uma visão de futuro estreita (de 4 a 8 anos), a atual gestão de Viamão quer muito receber um empreendimento de aterro sanitário, pois resolveria rapidamente o problema orçamentário. Foi preciso uma grande mobilização social para alertar a prefeitura sobre os custos ambientais irreversíveis da instalação do empreendimento na Fazenda Montes Verdes – que é um local alto onde ocorre a recarga dos aquíferos da região – e pautar que a solução mais efetiva no longo prazo consiste em reduzir a produção dos rejeitos através da educação ambiental, reciclagem e compostagem de resíduos. Se necessários, os aterros sanitários devem ser cuidadosamente alocados no território para minimizar os custos ambientais e jamais serem recebidos de forma desesperada como aparenta ser a tendência da Prefeitura de Viamão.

Iporã durante reunião com prefeito | Foto: Divulgação Câmara de Vereadores Viamão 

BdF RS - Você como engenheiro ambiental realizou quatro estudos da região. O que esses estudos demonstram?

Iporã - O primeiro estudo é focalizado na Fazenda Montes Verdes. Esse laudo aponta de forma preliminar a abrangência dos impactos ambientais sobre os recursos hídricos que um aterro sanitário ali traria. Nas águas superficiais, um aterro sanitário na Fazenda Montes Verdes traria impactos para o Arroio Alexandrino (um afluente do Rio Gravataí) e para o Arroio Chico Barcelos (que deságua na praia do Lami, em Porto Alegre). A própria cidade de Viamão capta água do Rio Gravataí, bem como as cidades de Gravataí e Alvorada. Ou seja: seria um empreendimento de alto potencial poluidor (pelo efluente lixiviado) na região de nascentes do manancial das cidades – um erro estratégico grave do município. Para piorar o erro, o local está sobre um aquífero arenoso de águas muito boas – água usada pela indústria de cerveja de Águas Claras e milhares de usuários locais.

O segundo e terceiro estudos são orientados em trazer alternativas locacionais para a região. Nesses estudos, eu fiz, com colaboração do Eng. Cartógrafo Vinícius Montenegro, uma avaliação do grau de aptidão locacional de instalação de aterro sanitário para toda a Região Metropolitana de Porto Alegre e um olhar detalhado para o município de Viamão. Pudemos avaliar que o município de Viamão tem um grau de baixa aptidão para receber aterros sanitários. Isso ocorre em parte pelo alto grau de preservação ambiental do município. No detalhe do município, conferimos que existem áreas mais aptas para a instalação de aterro nas proximidades da RS 118 e na RS 040, enquanto que o local da Fazenda Montes Verdes foi avaliado com aptidão muito baixa.

O quarto estudo realizado apresenta uma crítica técnica sobre a delimitação da Área de Preservação Ambiental do Banhado Grande (APABG). Essa APA foi delimitada para proteger os banhados formadores do Rio Gravataí, garantindo que as atividades em seu interior sejam compatíveis com a preservação da qualidade da água. Acontece que a delimitação da APABG foi feita de forma falha e, por poucos metros, não abrange a área de Fazenda Montes Verdes. Esse limite precisa ser revisado para incluir a área da Fazenda Montes Verde. Todos os estudos estão sendo encaminhados para as autoridades, MP-RS e FEPAM.

BdF RS - Na sua opinião, qual seria a alternativa para o tratamento do lixo de Viamão?

Iporã - Em primeiro lugar, é preciso um projeto de longo prazo que ataque o problema em sua raiz: a geração de resíduos. Para isso, devem ser feitos investimentos em projetos de educação ambiental que tratem da redução de resíduos e perdurem para além das gestões políticas de 4 e 8 anos. A compostagem doméstica e comunitária deve ser incentivada, o que pode trazer impactos grandes na redução do conteúdo orgânico dos resíduos sólidos. A reciclagem de resíduos deve ser potencializada, aliando tecnologia com a geração de empregos dignos. Instrumentos de incentivos fiscais e econômicos devem ser implementados, tais como a taxação sobre embalagens e incentivos por processos mais limpos. É claro que sempre existirão rejeitos que não poderão ser reciclados. Esses rejeitos devem ser destinados de forma cuidadosa e estratégica. Se destinadas para um aterro sanitário, esse aterro deve ser de pequeno porte e localizado de forma a minimizar os custos ambientais dentro do município. Um aterro sanitário de grande porte não é uma solução para o município – mas é uma transferência de um passivo ambiental de outros lugares.

Iporã: "A mobilização social é o sangue de um Estado Democrático" | Foto: Divulgação Câmara de Vereadores Viamão 

BdF RS - E como vês a mobilização das comunidades?

Iporã - A mobilização social é o sangue de um Estado Democrático. O processo democrático de um debate amplo permite que falhas, erros e problemas sejam expostos, garantindo soluções robustas, eficientes e justas para todos, não apenas úteis para pequenos grupos. As comunidades do Cantagalo e Passo da Areia estão aprendendo a se mobilizar no espaço democrático, garantido pela Constituição Federal de 1988. Aliás, em se tratando de meio ambiente, o artigo 225 da Constituição Federal diz que é dever tanto do Estado quanto da sociedade em zelar pela sua preservação. Com eleições municipais no horizonte próximo, as comunidades precisam se preparar para hastear sua bandeira mais firme que nunca.

Confira os estudos: 

Delimitação da abrangência dos potenciais impactos sociais e ambientais sobre as águas superficiais e subterrâneas decorrentes de instalação de aterro sanitário na Fazenda Montes Verdes , Viamão, RS

Otimização espacial participativa na avaliação de alternativas locacionais para instalação de aterros sanitários: um novo paradigma no planejamento ambiental

Mapa de aptidão locacional para instalação de aterro sanitário no município de Viamão, RS

Sobre a necessidade de uma revisão fisicamente embasada dos limites da APA do Banhado Grande

Edição: Marcelo Ferreira