Estamos em um momento de involução democrática na América Latina e em outros países. A perspectiva Freireana, de criar uma educação democrática e democratizadora, vai ajudar a construir sociedades mais democráticas, defende o educador popular e sociólogo peruano Oscar Jara, que está este mês em Porto Alegre (RS), participando de diversas atividades acadêmicas, e estará presente no lançamento da Campanha Latino-americana e Caribenha em Defesa do Legado de Paulo Freire, que acontecerá na tarde desse sábado (19), sob o nome de Freireando Porto Alegre, na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Para Oscar Jara, atual presidente do Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe (CEAAL) e Doutor Honoris Causa da UFRGS, partindo da perspectiva e do pensamento de Paulo Freire, o processo de educação popular não pode ser pensado como algo que se dá somente dentro da sala de aula, mas que se faz no trabalho cotidiano, seja nos bairros, sindicatos, em qualquer canto. “É uma possibilidade de construir aprendizagem e consciência crítica e uma disposição transformadora para trabalhar valores de solidariedade, valores em termos de justiça, de equidade, contra a intolerância, contra tudo aquilo que vai criando ódio entre as pessoas, e criar humanização”, aponta.
Lembrando Freire, que dizia que não adianta pensar esperança como se fosse ato passivo ou espera por alguém que faça alguma coisa, ressalta que é preciso construir o que vai acontecer no dia a dia. “Esse pensamento que surgiu com Paulo Freire e essas praticas que estão se enfrentando vai contribuir muito para renovação política, a renovação da nossa concepção de educação, a concepção de uma democracia verdadeira para nosso continente. Somos parte de uma história em andamento e temos que nos colocar, nesse momento da história, com essa perspectiva. Como dizia Paulo Freire, vamos esperançar”.
A Campanha que será lançada nesse sábado na capital gaúcha já foi feita no Pará, Piauí, Argentina, e será feira também na Costa Rica, México e outros países latino-americanos. “É campanha de longo prazo que vai durar até 2020, e pensamos criar uma maior aproximação a esse brasileiro que tem contribuído muito a repensar a educação, e que tem muito a contribuir com a construção da nossa democracia na América Latina”, afirma.
O evento será realizado no pátio da FACED, n ocampus central da UFRGS, das 15h às 19h, com a exibição de documentários, palestras e lançamento de livros. Confira a programação e o Manifesto de lançamento. Conta com a participação e apoio da Associação de Educadores Populares de Porto Alegre, Café com Paulo Freire, Centro de Assessoria Multiprofissional (Camp) e outras organizações.
Abaixo, confira trecho da entrevista realizada pela Rede Soberania e Brasil de Fato RS.
Brasil da Fato: Em um período em que Paulo Freire, brasileiro, que tanto fez pela nação, é atacado pelo governo, como o educador é visto no mundo?
Oscar Jara: Essa campanha se faz porque precisamos conhecer o pensamento, a obra, a vida, o legado de Paulo Freire. Precisamos defender o seu legado, aprofundá-lo e também precisamos atualizar.
Paulo Freire viveu e morreu aqui, mas suas ideias continuam espalhadas pelo mundo inteiro, como ideias que falam de uma concepção de educação que deu a volta inteira nas ideias da educação que se tinham antes. Por exemplo, antes a educação poderia ir para um lado e a realidade para outro, mas a partir de Paulo Freire a realidade que se vive é o ponto de partida de um processo de educação. Antes a educação estava colocada nos termos do ensino, o que vão ensinar, os conteúdos que já estão prontos, o que o professor vai ensinar, como se fosse depositar o conteúdo em um banco, e Paulo Freire fala em gerar condições de aprendizagem nas pessoas, capacidade crítica, capacidade de construir esse conhecimento.
Isso significa uma outra visão de educação e por isso mesmo está sendo atacada, porque é uma concepção que gera participação, crítica e consciência sobre os problemas e as pessoas que não querem participação. São as pessoas que estão atacando esse pensamento, e então jogam uma série de mentiras, como, por exemplo, dizer que o Paulo Freire promovia uma doutrinação. Essa perspectiva é totalmente errada, precisamente porque você não pode doutrinar se você está gerando um pensamento crítico, gerando a capacidade de pensar com sua cabeça e os conteúdos não estão totalmente prontos, eles tem que ser construídos a partir da vinculação com a realidade.
Outro motivo porque se ataca é porque a perspectiva de Paulo Freire é uma educação para transformação, uma educação onde as pessoas se convertem em atores de processo de transformação, e não mero objetos que fazem aquilo que outras pessoas ditam. Então essa ideia de criar, construir sujeitos transformadores, acho que é uma das razões do porquê a ele se ataca. Mas mesmo que isso aconteça, tem muitas pessoas que pegam o pensamento, a obra, a inspiração de Paulo Freire para orientar suas próprias práticas em toda América Latina.
Temos um caso curioso, Paulo Freire teve que sair exilado em 1964, durante a ditadura, e foi para o Chile, Europa, África, e a partir da sua experiência do exílio, passou a ser conhecido precisamente por essa visão diferente da educação em todo mundo. O exílio criou uma convicção de que ele tinha sido exilado pela potencialidade do seu pensamento, mas esse exílio contribuiu para espalhar o seu pensamento, que muitas pessoas, inclusive eu, que era jovem nos anos 70, comecei a trabalhar no processo de alfabetização, no meu país, Peru. E muitas outras pessoas começaram a pegar suas ideias para transformar a Educação, no Equador, Venezuela, Argentina, México, depois na Europa e depois no mundo todo. Ele recebeu mais de 40 títulos de doutorado Honoris Causa pelas mais importantes universidades do mundo. Os brasileiros e brasileiras devem se sentir muito orgulhosos de que tenha um companheiro brasileiro com tanto reconhecimento, não só pelo seu nome, mas pela potencialidade da sua obra.
Nesse momento o pensamento de Freire deve contribuir em um aspecto muito importante. Nossas sociedades da América Latina estão vivendo processos de polarização política muito fortes, tem uma situação de agressividade muito forte, a possibilidade de entrar em um debate, uma discussão de ideias diferentes aparece gerada dentro de uma situação violenta. O debate democrático, a construção da democracia como respeito a ideias de outras pessoas para construir em conjunto um país, uma sociedade, estão em perigo.
Achamos que o pensamento de Freire pode ser muito útil, porque ele tinha dois elementos importantes. Primeiro, ele dizia que a educação é um ato de amorosidade, quer dizer que você vai fazer um processo de educação se você respeita a outra pessoa, se cuida a relação com essa outra pessoa, mesmo que pense de forma diversa. Segundo, tem que ter indignação e debater com respeito. Quando se perde o respeito, quando não se tem mais argumentos, quando se tem a negação da interlocução com o outro porque pensa diverso, você está atendando contra a democracia. Estamos em um momento de involução democrática na América Latina e em outros países, e essa perspectiva freireana, de criar uma educação democrática e democratizadora, vai construir também sociedades mais democrática.
Veja a entrevista completa:
* Com informações da Rede Soberania
Edição: Marcelo Ferreira