Quase 500 mudanças em qualquer código definem, na prática, um novo código. Votar as 500 alterações afobadamente, sem tempo para discussão, empurrando-as goela abaixo do Legislativo, definem outra coisa. Algo que não se sabe exatamente o que é, mas que não é respeitoso, correto nem racional. É o que está prestes a acontecer no Rio Grande, onde o governador Eduardo Leite (PSDB) quer aprovar em regime de urgência modificações substanciais no Código Estadual de Meio Ambiente.
O pior é que o código do governador não traz boas notícias para o ambiente natural. É o que afirmam os próprios funcionários da Fepam, ignorados na elaboração da lei. Em resposta, produziram uma Nota Técnica extremamente crítica, onde a lei de Leite surge como um retrocesso bárbaro.
Soa trágico quando se sabe que a luta ambiental brasileira nasceu em solo gaúcho com a fundação da Agapan em 1971, com José Lutzenberger, com a primeira lei de agrotóxicos - que proibiu o uso no estado de venenos agrícolas proibidos nos países de origem - com a batalha contra a papeleira Borregaard. Antes, ainda nos anos 1950, o pioneiro Henrique Roessler fundara em São Leopoldo, a União Protetora da Natureza (UPN), primeira ONG de luta ambiental no país. Agora, trocamos o avanço pelo atraso.
Mas o Rio Grande não é um ponto fora da curva no Brasil sob Bolsonaro. Além das aparências, o governador polido e o presidente rudimentar servem aos mesmos senhores. Desde antes da sua posse, Bolsonaro nunca negou sua ojeriza aos povos indígenas e à preservação da Amazônia. No poder, escalou para ministro do meio ambiente um cidadão condenado por fraude ambiental... Sua retórica inflamada serviu, como se lembra, para incendiar a maior floresta da Terra, estimulando o “Dia do Fogo”, desfechado por grileiros, fazendeiros e outros assassinos da natureza. Estarreceu o planeta. Aos olhos do mundo civilizado, converteu-se em paradigma do governante incapaz, tacanho e perigoso.
A ânsia de votar a toque de caixa algo muito complexo e com muitas implicações mostra, porém, que o perigo também pode vir embalado em belas palavras e não apenas dos gestores toscos.
Edição: Marcelo Ferreira