Rio Grande do Sul

MEMÓRIA

Artigo | Teatro de Arena, uma experiencia de resistência

Localizado nos altos do Viaduto Otávio Rocha, no Centro de Porto Alegre, teatro completa 52 anos neste 17 de outubro

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Local foi um núcleo de resistência cultural no período da Ditadura Militar
Local foi um núcleo de resistência cultural no período da Ditadura Militar - Foto: Divulgação/André Furtado/Sedac

Há 52 anos, o operário e ator Jairo Andrade inaugurava o seu sonho e fruto de seu trabalho duro com outros companheiros, como o Câncio Gomes. Nascia o Teatro de Arena de Porto Alegre, no porão do edifício Duque de Caxias, com entrada nas escadarias do viaduto. Foi na noite chuvosa de 17 de outubro de 1967 com a peça o  “O Santo Inquérito”, de Dias Gomes. Paralelamente havia a exposição de desenhos de Marlene Fuser, pintora e atriz. O grupo que literalmente construiu a casa de espetáculos foi o Grupo de Teatro Independente (GTI), fundado um ano antes por Jairo Andrade e uma turma de formandos do Centro de Arte Dramática da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Natural de Uruguaiana, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, Jairo mudou-se para a capital gaúcha no início dos anos 60. Foi operário da Springer Admiral, gráfico e cursou o CAD, onde resolveu com um grupo de colegas fazer teatro profissional no estado. Até então, as peças de teatro apresentadas em Porto Alegre vinham, em sua maioria do eixo Rio/São Paulo. Só um grupo de estudantes havia tentado a experiência no Teatro de Equipe.

Conheci o GTI em 1965, em São Borja, quando eles estiveram na cidade e apresentaram no Cine-teatro Variedades a peça Farsa da Esposa Perfeita, de Edi Lima. Uma comédia de um autor gaúcho. O fracasso de bilheteria foi grande, mas a turma não desistiu.

Em 1966, eu estudava do último ano do clássico no Colégio Rosário e reencontrei o grupo. Entre eles estava o José Kazapi Neto, que havia sido meu colega de internato no Colégio Champagnat. Ele me convidou para experimentar a aventura de ser ator. Não tive dúvidas e aceitei um papel em Ratos e Homens de John Steinbeck, dirigido por Noé Sandino. Tive a honra de contracenar com Araci Esteves, Hamilton Braga, Antônio Carlos Sena, André Capelo, Câncio Vargas, José Kazapi, Mário Xavier da Costa, Valpir da Silva e Airton Marques. Jairo era o produtor, Alba Rosa a assistente de direção, Aníbal Damasceno Ferreira fez a sonoplastia com música de José Gomes e um cenário composto por praticáveis fora criado por Avatar Morais. Os ensaios eram realizados no Clube de Cultura, na Rua Ramiro Barcelos, e a apresentação foi no Teatro São Pedro, em abril de 1966. Uma temporada de 20 dias. Feita a experiência tive que me submeter a uma cirurgia e afastei-me do grupo.

No início de 1967, as obras para a construção do Arena no porão já haviam começado e eu reencontrei os amigos, já estava cursando Filosofia na UFRGS e militando ativamente no movimento estudantil, mas ajudei os amigos como foi possível. Até a inauguração do porão.

Acompanhei de perto a produção das peças que eram criticas e serviam de enfrentamento da ditadura. Uma que me impressionou foi “Os Fuzis da Senhora Carrar”, de Bertolt Brecht. O Jairo conseguiu armas de verdade com um amigo da Brigada Militar. Outra foi Tiradentes, em seguida Cordélia Brasil. Belos textos de autores críticos. Sempre teve problemas sérios com a censura que proibia as encenações depois de todo o gasto com a montagem, ameaças do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), mas contava com o apoio das forças populares.

Mesmo assim o grupo resistiu e o velho porão está fazendo hoje novamente aniversário. Tenho muito orgulho de ter participado de uma pequena ponta desta história.  

* Jornalista e um dos fundadores do Teatro de Arena 

Edição: Marcelo Ferreira