A cultura, em suas mais diversas formas, tem sido alvo de censura por parte do governo nas mais diversas esferas. Como os casos envolvendo a Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, as Charges, em Porto Alegre, e a suspensão do edital da Ancine, pelo governo Federal, para seleção de projetos audiovisuais que seriam veiculados nas TVs públicas, por trazer nele produções audiovisuais de temática LGBT. O impacto negativo e a forte mobilização fez com que ações fossem ajuizadas e se garantisse a democracia da cultura. Artistas gaúchos que participaram do lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania, nessa segunda-feira (7), em Porto Alegre, comentam o cenário atual e a importância da união de todos os setores.
“Existe sempre um fomento quando a gente sofre esse tipo de ataque, o povo da cultura é muito capaz de reagir, é muito potente, sempre teve uma reação de protagonismo. Em todos os momentos, a gente contou com a música popular, com o teatro de orientação popular, com a literatura, e agora não está sendo diferente”, afirma o músico Demétrio Xavier.
Demétrio, que no dia 5 de setembro de 2011 estreou, na FM Cultura, rádio pública gaúcha, o programa Cantos do Sul da Terra, ainda aponta que, apesar de ninguém gostar de um período como esse, como fator de criação, a reação do setor feita de forma criativa, inteligente e criativa está sendo notado cada vez mais pela sociedade. “As pessoas estão se movimentando muitíssimo, e esse projeto que é tão nefasto, tão avassalador, está tendo já os seus primeiros reveses, está percebendo que não é bem assim e que a gente lhes dificulta a facilidade, como diria o velho Jorge Cafrune”, comenta.
Para o músico Nei Lisboa, a cultura e a classe artística e cultural no Brasil está vivendo um momento de risco extremo. “Estão entregando o país, entregando nosso futuro, desfazendo tudo de bom que foi feito nos últimos tempos, o pouco que se conseguiu avançar. E isso em todas as áreas, política, economia, meio ambiente, educação, são comportamentos que estão regredindo em algumas instâncias a um nível medieval. Temos que estar juntos para reverter isso, sempre na luta progressista”, defende.
José Carlos Martins, mais conhecido como Zé Martins, músico do grupo Unamérica, observa que a cultura, inclusive nos governos de esquerda, não foi prioridade. Contudo, ressalva que, no contexto atual, de partidos de direita e extrema direita, a situação é ainda mais preocupante. “É muito triste e muito ruim ver um sistema proposto pelo ministério da cultura, com a implementação da cultura e criação de conselhos, conferências, com fundo de apoio a cultura, se acabar. Hoje não tem nem mais ministério da cultura, que seria os olhos gestores do setor”, lamenta.
Zé Martins, que já foi secretário municipal de cultura de São Leopoldo (RS) e participou de conselhos ligados ao setor, acrescenta que não é só a cultura que está sob ataque, mas em todos os setores da sociedade, como a saúde, educação, o meio ambiente, etc, e nas três esferas. “Não quero fazer uma perseguição a esses governos, embora, com certeza não os tenha eleito. Sempre torço para que as coisas deem certo. Sou um esperançoso, mas tem sido muito difícil, vai ser complicado”, afirma.
Ao ser indagado sobre a situação do cinema, o cineasta Jorge Furtado diz que, em relação ao segmento, é uma tragédia. Mas também sente orgulho ao saber que o cinema e a cultura são inimigos desse governo. “Esse governo é contra a ciência, contra a educação, contra a cultura, contra a arte, e a gente tem que lutar, continuar fazendo arte, cultura ciência, e retomar o país. Era natural que isso acontecesse, que em um governo de extrema direita que detesta a inteligência, eles fossem ser contra a arte, contra a cultura”, argumenta.
Diante desse cenário, Furtado defende a união de “todo mundo que acha que a terra é redonda, de todo mundo acha que a gente tá andando para trás”. Para o cineasta, “é hora da gente se unir, ter maturidade, bom senso, se unir para reconquistar. Primeiro as cidades, acredito que a gente vai retomar o país através das cidades. Domingo (6) já tivemos uma boa notícia aqui em Porto Alegre, com a eleição dos conselhos tutelares, foi uma vitória das forças progressistas”, aponta.
Na mesma linha, Nei Lisboa vê como um sinal de esperança a eleição do conselho tutelar. “As coisas se revertem, surpreendem. A verdade demora mas termina prevalecendo, as pessoas estão acordando, aqueles que foram iludidos, principalmente com má informação, com essa onda maciça de anti-petismo que aconteceu nos últimos anos, estão acordando e vendo para onde está indo aquilo que foi prometido, através da reforma trabalhista, previdenciária, a geração de emprego que o país precisava, estão se dando conta no seu dia a dia”, afirma.
O significado da Frente para a Cultura
A verdade é que se está lutando contra um inimigo com um poderio enorme, a mídia do dinheiro e o judiciário que faz o que vem fazendo, observa Nei. “A gente vem de um golpe de Estado, vem da prisão do maior líder político do país para evitar que ele ganhasse a eleição. É um jogo todo com cartas marcadas, jogo sujo. Essa frente vem justamente nesse sentido, de que a gente, que todos aqueles que acreditam que a terra não é plana se unam para reverter isso”, conclui.
Na avaliação de Furtado, a Frente significa uma mudança de atitude importante “Muitas vezes a gente foi desunido para as eleições. As forças progressistas, às vezes por questões pequenas, deixaram de se unir, enquanto que a direita, as forças reacionárias, se unem sempre em torno dos seus objetivos. A gente tem que se unir para retomar primeiro a cidade, depois o Estado e o país”,finaliza.
“Temos que encontrar saídas para romper com o que está acontecendo, que a gente possa pensar exatamente os problemas que tivemos em relação às eleições anteriores, as gestões que fizemos nas três esferas, e encontramos soluções para reverter”, opina Zé Martins, ao comentar o significado da frente, e complementa a importância da união de todos os segmentos da sociedade: “A Frente me parece que é uma proposta de unificar todas as tendências políticas, todo esse campo da esquerda. Se nós juntos não estivermos, vamos pelear muito mais e passar muito tempo para conseguir recuperar o que já havíamos conquistado”, aponta.
Ao falar da frente como algo fundamental, Demétrio opina que ela está chegando um pouco tarde. Contudo, frisa, isso não tira a importância da mesma. “Não importa se foi esse o fator de coesão, as questões relacionadas ao meio ambiente, as riquezas naturais, alguns gatilhos recentes, seja o que for, aproveitemos. Está muito bem aproveitado, aqui estão pessoas de extrema coragem, de extrema inteligência, e são todas as pessoas com contribuições muito interessantes e muito diversas. Esse ato mostrou isso claramente, e também a determinação dos artistas de trazer um discurso da pátria grande, um discurso americano, como foi o caso do Unamérica, e como eu faço também no meu trabalho. Nós estamos construindo nossa reação para virar todos esses jogos”, afirma.
Uma frente para além das fronteiras
Com a aproximação das eleições na Argentina, Uruguai e Bolívia, o Brasil de Fato RS indagou a Zé Martins e Demétrio Xavier o significado que elas têm em relação com o que se está passando no país, e também a inserção na construção e ampliação da Frente para além das fronteiras brasileiras.
Zé Martins, que junto com Dão Real, vem há 35 anos lutando e cantando as coisas da América, opina tudo é cíclico e muitas vezes não se pode romper com esse processo. “Aqui teve uma parcela que apostou no Bolsonaro, tem uma parcela na Argentina que vai apostar novamente no Macri. São pessoas descontentes com o que estava acontecendo, que muitas vezes são levadas, infelizmente, pelo sucesso midiático. Porque essas eleições são um grande sucesso mediático. Não foram os conscientes da esquerda, nem os conscientes ou supostamente conscientes da direita, que elegeram, foi realmente quem foi levado por essa mídia, e na Argentina não foi diferente”, opina.
Sobre a possível retomada progressista, Zé Martins diz ser lamentável que as pessoas precisem “apanhar para acordar”, mesmo com todos os avisos. E ressalta a necessidade de se recuperar o governo nas três esferas: “Vamos passar muito tempo para conseguir isso, e o estrago que estão fazendo, com certeza, vai ser muito grande”.
Para Demétrio, as pessoas costumam apontar a distância como algo de cíclico entre os polos ideológicos, contudo, essa explicação não é suficiente. “O que está acontecendo é uma reconstrução das forças populares, e mesmo que não seja exatamente o projeto que tu defendestes desde o princípio, é preciso compreender a necessidade de se armar como frentes nacionalmente e continentalmente. Isso está acontecendo e é um belíssimo sinal. Porque quando eu falo em algo avassalador, estou falando nesse projeto estamos vivendo em alguns países, como o nosso. Eu falo no sentido literal da palavra de tornar vassalo, e nós não queremos ser vassalos, nós não vamos ser vassalos, nós somos sujeitos, somos senhores e senhoras dos destinos dos nossos países e do nosso continente”, conclui.
Edição: Marcelo Ferreira